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Tuíre Kayapó ancestralizou - Amazônia Real

Tuíre Kayapó ancestralizou – Amazônia Real

A primeira mulher indígena a levantar a voz e o facão para defender em público a floresta e seu povo, em 21 de fevereiro de 1989, durante o 1º Encontro das Nações Indígenas do Xingu, em Altamira, no Pará. Em protesto contra a construção de Belo Monte, Tuíre encostou a lâmina de aço no rosto do então diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, conseguindo paralisar a obra por 20 anos. Ela faleceu neste sábado (10/08) num hospital, em Redenção, após lutar contra um câncer de útero, deixando um legado de luta feminina para as mulheres indígenas de todo mundo. (Foto cedida por Rosa Gauditano)


Manaus (AM) – Uma das maiores líderes indígenas brasileiras do mundo, referência histórica feminina e de luta contra as hidrelétricas no rio Xingu, Tuíre Mebêngôkre (Kayapó), 54 anos, morreu nesta manhã de sábado (10), no hospital em Redenção (PA), após uma longa batalha contra o câncer de útero. Nas últimas semanas, o nome de Tuíre começou a circular novamente nas redes sociais, quando sua condição de saúde declinou. Parentes da liderança tiveram que desmentir o falecimento dela, divulgado de forma precipitada. Longe de sua aldeia, na Terra Indígena Las Casas, no Pará, e sem conseguir trabalhar na roça para garantir o sustento, contou com uma vaquinha online que arrecadou recursos para seu tratamento e sua permanência fora da comunidade. 

Tuíre não foi apenas uma liderança reconhecida e admirada no mundo. Jovem, ela já era uma lenda do movimento indígena e luta feminina, inspirando gerações na família Kayapó e entre as 305 etnias brasileiras. 

Sua morte foi confirmada com uma mensagem da sobrinha O-e Kayapó Paiakan, que acompanhou Tuíre no tratamento. “Não queria ter essa notícia, mas ela lutou até o fim para não deixar por vencida. Tia Tuíre, grande referência para nós mulheres. Prima do meu pai, Paulinho Paiakan. Agora estará em outro plano”.

Também sobrinha de Tuíre e irmã de O-e, Maial Paiakan, se despediu da tia, deixando essa mensagem: “Que você encontre meu pai e todos os nossos ancestrais”.

Em 1989, aos 19 anos, Tuíre Kayapó fez o gesto imponente que marcou sua trajetória: encostou um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, durante o 1° Encontro das Nações Indígenas do Xingu, na cidade de Altamira, no Pará. Tuíre gritou para a guerra na língua Jê: “Tenotã-mõ!“ 

Ela disse ao presidente da Eletronorte que homem branco não tem floresta e que a terra não era dele. “Você nasceu na cidade e então veio para cá atacar nossa floresta e nossos rios. Você não vai fazer isso”, bradou. 

Naquele encontro em que Raoni também estava presente, os Kayapó exigiam o fim do projeto de construção da hidrelétrica de Kararaô, nome substituído posteriormente para Belo Monte.

“A eletricidade não vai nos dar nossa comida. Precisamos que nossos rios fluam livremente. O nosso futuro depende disso. Nós não precisamos de sua represa”, declarou na ocasião.

A imagem histórica de Tuíre erguendo o facão correu o mundo e despertou a sociedade para as ameaças de grandes empreendimentos na Amazônia, como era o caso das hidrelétricas.

Idealizado durante a ditadura militar, o projeto de Belo Monte foi  engavetado devido à repercussão, mas retomado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1995 a 2002.

No primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 2003 a 2011,  o projeto recebeu novos estudos entre a Eletrobras, então estatal, e as empresas  Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht. O projeto passou por cima de mobilizações dos indígenas, especialistas e cientistas, que alertaram para os imensos impactos que a barragem iria trazer para as populações locais. Belo Monte foi finalizada no governo de Dilma Rousseff (PT), de 2011 a 2016.

Um encontro realizado em Capoto Jarina teve como protagonista outro grande líder indígena, o cacique Raoni Metuktire. Belo Monte tornou-se um dos maiores símbolos negativos dos governos petistas. Tanto Lula quanto Dilma nunca se desculparam. Pelo contrário. Se orgulharam do empreendimento e não se arrependeram. Lula, antes das eleições do terceiro mandato, iniciado em 2023, voltou a defender a obra e que faria Belo Monte de novo em entrevista dada à rádio Difusora de Manaus.

Luta no movimento

Tuíre e as gerações femininas Kayapó na Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília (Foto de Juliana Pesqueira/Anmiga)

Tuíre continuou exercendo sua atuação como liderança, participando de várias mobilizações em sua região e em Brasília. Em janeiro de 2020, durante o “Encontro dos Povos Mebêngokrê e lideranças indígenas do ”, na Terra Indígena Capoto Jarina, no Mato Grosso, Tuíre concedeu uma entrevista à Amazônia Real e lembrou daquele episódio marcante de 1919.

“Eu só queria mostrar a ele o que é opressão. Estava lá e só ouvia aquele homem branco insistindo em uma fala para construir a hidrelétrica”, conta Tuíre, à repórter Juliana Arini, em fala traduzida por O-é Paiakan, hoje também uma grande liderança Kayapó.

Ela mostrou-se otimista e declarou que estava esperançosa com o avanço da participação das mulheres nas tomadas de decisão do movimento indígena. Naquele encontro de janeiro de 2020, ela integrou a mesa de debate das mulheres indígenas que redigiram uma Carta manifestando o resultado das discussões.

“Enquanto mulheres lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, iremos nos posicionar e lutar contra as questões e as violações que afrontam nossos corpos e nossos territórios”, dizia trecho do documento.

Tuíre Kayapó é um exemplo de protagonismo feminino indígena. A luta dela estava apenas começando no episódio em que a lâmina do facão passou rente ao rosto do engenheiro. 

“Eu quero que essa floresta que sobrou continue em pé, para que meus netos, meus filhos consigam alimentos sem veneno, sem as coisas que derramam para plantar. Eu quero o fruto que cresce sozinho, que nós comemos e ficamos fortes, felizes e sem doença”, disse em entrevista à série especial #ElasQueLutam, do Instituto Socioambiental (ISA). “As florestas, os rios e os povos indígenas: a sobrevivência deles é o que eu defendo até hoje. Eu não quero que matem a pouca terra que restou”.

Ao defender o seu território e a cultura de seu povo em um período em que os homens eram os principais líderes, Tuíre inspirou o surgimento e a consolidação de lideranças mulheres como a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, cuja posse acompanhou em Brasília com seu canto de guerreira. 

A deputada federal Célia Xakriabá, do PSOL (MG), e a presidente da Funai, Joenia Wapichana, também falaram sobre a importância da líder indígena para o protagonismo das mulheres no movimento de luta e resistência.

A liderança Tuíre Kayapó no Ministério da Saúde (Foto Mídia Ninja)

Ao saber da morte de Tuíre Kayapó, Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), publicou a seguinte mensagem: “É com profundo pesar que recebemos a notícia do falecimento de Tuíre Kayapó, uma grande mulher e liderança indígena. Sua força e coragem deixaram uma marca na do Brasil. Conhecida por sua defesa incansável dos direitos dos povos indígenas e pela proteção das florestas, Tuíre se tornou um símbolo de resistência e luta por justiça, sendo precursora no protagonismo das mulheres indígenas na busca por direitos.”

A deputada Célia Xakriabá se despediu de Tuíre dizendo: “Uma grande líder nunca morre, apenas muda de lugar. Tuíre carregou a luta desde a base, porque a luta é o quarto poder. Todos que têm coragem de pegar o microfone e falar, Tuíre também era deputada junto conosco, deputadas eleitas pela luta, porque não somos e nem ocupamos um lugar sozinhas. Seu legado continuará a encorajar nossa voz para denunciar todas as tentativas do Congresso Nacional de nos silenciar e de roubar nossos direitos.”

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara também se despediu de Tuíre Kayapó. “Hoje nos despedimos de uma brava guerreira Kayapó. Ancestralizou a gigante Tuíre Kayapó, que ficou amplamente conhecida por uma foto durante o Encontro das Nações Indígenas do Xingu, realizado em Altamira no ano de 1989, em que colocou um facão no do então diretor da Eletronorte. Mas essa foto representa apenas um entre tantos momentos de sua irretocável trajetória. A guerreira Kayapó era incansável na luta pelos direitos do povo Kayapó, dos povos indígenas de todo o Brasil e na proteção do . Neste vídeo, tive a honra de ouvir Tuíra cantando durante a minha posse como ministra. Para além da fortaleza que foi Tuíra, porque a vida exigiu que fosse, é assim também que nos lembraremos dela: ecoando seu canto e seu sorriso. Que os ancestrais te recebam, Tuíra. Seguiremos aqui honrando sua luta.”

A Amazônia Real apurou que o corpo de Tuíre será levado para a aldeia Gorotire, na Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, onde sua filha está enterrada.


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