Considerada uma das unidades de conservação mais importantes da Amazônia matogrossense, o Parque Estadual Cristalino II amargou uma derrota judicial na última terça-feira (23) que põe em xeque seu futuro. Por unanimidade, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) deu ganho de causa à empresa Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo LTDA, que pede a nulidade do decreto de criação do parque. O caso tramita desde 2011 e abre um precedente perigoso para as unidades de conservação do estado, alertam os ambientalistas.
De acordo com a empresa, não houve consulta à população antes da criação da unidade de conservação, em 2001. A diretora executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), Alice Thuault, que acompanha o processo, rebate. “Temos várias provas de que a consulta pública existiu. Há jurisprudências de outros lugares que apontam que essa suposta falha, de não haver consulta, o que não foi o caso, não justifica a extinção de parques”, aponta a diretora executiva, que solta um alerta sobre os riscos de aumento do desmatamento em cenário de crise climática.
Situado no extremo norte de Mato Grosso, onde faz barreira aos avanços do Arco do Desmatamento, o Parque Estadual Cristalino é formado por duas áreas contíguas, chamadas de Cristalino I, com 66.900 mil hectares, e Cristalino II, com 118 mil hectares. As áreas foram criadas em 2000 e 2001, respectivamente, e protegem uma grande diversidade de espécies da Amazônia brasileira.
A ação movida pela Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo LTDA, que pede a nulidade do decreto de criação do parque, foi aberta em janeiro de 2011 contra o estado de Mato Grosso. Negada em 1ª e 2ª instância, a empresa recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a ação voltou para análise pelo TJMT.
Em agosto de 2022, os desembargadores decidiram, por 3 votos a 2, pela anulação do decreto que criou o Parque Estadual do Cristalino II. Réu no processo, o governo de Mato Grosso não recorreu dentro do prazo legal e com isso a decisão transitou em julgado. Entretanto, por uma falha processual, o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) , que é parte da ação, não foi citado sobre a decisão e sobre os prazos de recurso. Com isso, o processo foi reaberto e o MPMT pôde tentar reverter a decisão ao apresentar um recurso de Embargo de Declaração, negado na última semana pelo TJMT.
A consultora jurídica Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), Edilene Fernandes, explica que os desembargadores discordaram do MP e ignoraram a argumentação de que a consulta para criação de parque não é um vício insanável, ou seja, algo irremediável, que justifique a nulidade de todo o processo, “conforme jurisprudência ampla do Superior Tribunal de Justiça”, pontua.
O recurso do MPMT alertava ainda que uma ação privada, movida por uma empresa, não poderia acarretar na anulação de um ato administrativo de criação de uma unidade de conservação.
A decisão do Tribunal ainda pode ser questionada pelo Ministério Público e pelo próprio governo de Mato Grosso. “Eles podem entrar com um Recurso Especial, junto ao STJ e Recurso Extraordinário, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para defender a manutenção do parque. O maior obstáculo está em conseguir que esses recursos sejam aceitos com efeito suspensivo, ou seja, mantendo a UC até a decisão final desses tribunais”, explica a consultora jurídica.
A diretora executiva do ICV reforça o papel do estado neste embate judicial. “Na primeira fase de julgamento o governo se omitiu. O compromisso pode ser avaliado aí. Se o governo não interpuser um recurso após a publicação do acordo, isso vai ser uma demonstração se o Estado está ou não zelando pelas unidades de conservação estaduais. Se ele não entrar com recurso, isso mostra que para o governo estadual não faz diferença ou até que o Estado está a favor da diminuição das UCs”, afirma Alice.
O precedente é perigoso, alertam as organizações socioambientais que acompanham o processo. “Não atinge apenas as unidades de conservação de Mato Grosso, mas todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A sociedade brasileira não pode pagar o preço dessa irresponsabilidade, que pode inclusive comprometer o cumprimento de acordos internacionais de proteção ambiental firmados pelo Brasil”, denuncia a diretora executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, Angela Kuczach.
Enquanto segue a batalha judicial, o Parque Estadual Cristalino II se vê cada vez mais vulnerável aos infratores que, na expectativa do fim da unidade de conservação, avançam sem medo sobre seus limites.
Dias depois da primeira decisão favorável do TJMT pela extinção da unidade de conservação, o parque foi vítima de um incêndio criminoso que consumiu quase 900 hectares de floresta. E em outubro de 2022, uma reportagem especial de ((o))eco em parceria com o Centro para Análise de Crimes Climáticos (CCCA – Center for Climate Crime Analysis) mostrava que a grilagem de terras públicas já atingia 74% do Cristalino II.
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