Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

TI Yanomami tem proteção aérea

TI Yanomami tem proteção aérea
Ver no Amazônia Real

Começou a vigorar, nesta quarta-feira, a Zona de Identificação de Defesa Aérea por sobre o Território Indígena Yanomami. Governo federal, STF e Ministério Público apresentam medidas para conter a exploração ilegal e criminosa de minérios, e também quer investigar como autoridades do governo Bolsonaro não impediram a crise humanitária do povo Yanomami. Imagem acima, aeronaves em pistas clandestinas no Homoxi, em janeiro de 2022 (Foto: Bruno Kelly/HAY).


Manaus (AM) – Começou a valer, a partir da 0 hora desta quarta-feira (1º), uma Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida) no espaço aéreo da região Norte do País. Qualquer avião de garimpeiro que passe na área compreendida por sobre o Território Indígena Yanomami (TIY) será monitorado e até abatido, já que somente aeronaves envolvidas na Operação Escudo Yanomami serão autorizadas a circular em determinados trechos. A ideia é bloquear o principal canal de circulação de ouro e insumos dentro e fora dos garimpos.

Dentro da Zida, haverá três áreas distintas: a branca (reservada), a amarela (restrita) e a vermelha (proibida), cabendo à Aeronáutica controlar o tráfego aéreo. Mesmo após o início das operações de socorro aos Yanomami, os voos de aviões de garimpeiros não cessaram. Duas aeronaves munidas de radares, a E-99 e a R-99, já estão em Roraima. A Força Aérea Brasileira planeja a instalação de um radar modelo TPS-B34 para reforçar o monitoramento do espaço aéreo do TIY.

A medida atende ao Decreto 11.405, assinado na segunda-feira (30) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicado um dia depois no Diário Oficial da União. Além do Decreto, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu a Petição 9.565, que determina a apuração de crimes contra comunidades indígenas, inclusive o da prática de genocídio. O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, também reiterou a ordem de expulsão definitiva dos garimpeiros. Já o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação sobre a omissão do Estado brasileiro no atendimento aos indígenas.

“Estou muito feliz”, resumiu o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, Junior Hekurari, diante da série de boas notícias dos últimos dias e após anos lutando para ser ouvido. Personagem cada vez mais conhecido, por suas aparições em reportagens televisivas, Junior era um dos bravos guerreiros contra o garimpo ilegal no Território Indígena Yanomami (TIY). Ele afirmou que vê chances reais de salvar a etnia Yanomami. “Agora temos uma esperança de alegria para garantir o futuro das crianças, o futuro das comunidades, para cuidar e proteger a população Yanomami conforme a Constituição Federal (determina).”

“Demorou muito, nós sofremos muito. O governo Bolsonaro não respeitou as autoridades, a Justiça. Quantas determinações saíram primeiro para proteger a população?”, questionou Junior. O líder indígena está na região mais atingida pelo flagelo da fome e pela desassistência governamental dos últimos quatro anos. “Eu estou aqui no Surucucu, na comunidade, estou muito feliz com o que está acontecendo e o povo Yanomami está recebendo os atendimentos. Os médicos chegaram, alimentação para as comunidades. É isso, estamos construindo um novo caminho, uma nova história para salvar o povo Yanomami”, celebrou.

Proteção aos Yanomami

Crise humanitária na TI yanomami (Foto Tom Costa/MJSP)

Nas últimas 24 horas, foram anunciadas medidas que podem, efetivamente, conter o garimpo ilegal no TIY e punir os responsáveis. A Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida), prevista no Decreto 11.405, define uma nova jurisdição sobre o espaço aéreo do território do povo Yanomami durante o período que perdurar o status de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. 

De acordo com o decreto, na Zona de Identificação de Defesa Aérea, caberá ao “Comando da Aeronáutica a adoção de medidas do controle do espaço aéreo contra todos os tipos de tráfego aéreo suspeito de ilícito”. O decreto prevê ainda o abastecimento de água potável na região, à alocação de cisternas e à perfuração de poços artesianos; fornecimento de alimentos; abertura ou à reabertura de postos de apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e de unidades básicas de saúde do Ministério da Saúde.

O decreto prevê que o Ministério da Defesa deverá atuar no fornecimento de dados de inteligência e no transporte aéreo logístico das equipes da Polícia Federal (PF), do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e dos demais órgãos que participarão de ações para a neutralização de aeronaves e de equipamentos relacionados ao garimpo em território Yanomami.

Em reunião com o chanceler alemão, Olaf Scholz, na segunda-feira (30), para tratar mecanismo de proteção à floresta amazônica, Lula voltou a criticar Bolsonaro e reafirmou que vai retirar os garimpeiros do território indígena. “Porque ele [Bolsonaro] é um dos culpados para que aquilo acontecesse. Ele que fazia propaganda de que as pessoas tinham que invadir o garimpo, que podia jogar mercúrio. Está cheio de discurso dele falando isso. Então decidimos tomar uma decisão: parar com a brincadeira. Não terá mais garimpo. Se vai demorar um dia ou dois, eu não sei. Pode demorar um pouco, mas que nós vamos tirar, vamos”, disse Lula.  

Sob sigilo

Ministro Roberto Barroso (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

O ministro do STF deu um recado cristalino ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Autoridades do seu governo serão investigadas pelo crime de genocídio. Luís Roberto Barroso determinou que o Ministério Público Militar, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Superintendência Regional da PF de Roraima  apurem a prática dos crimes de “genocídio, desobediência, quebra de segredo de Justiça, e de delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança” de diversas comunidades indígenas. 

Na petição apresentada na segunda-feira, embora o processo vá correr em sigilo – já que envolve autoridades -, Barroso enumera sete motivações para essa investigação. No primeiro caso, consta a publicação em Diário Oficial, pelo então ministro da Justiça bolsonarista, Anderson Torres, “de data e local de realização de operação sigilosa de intervenção em terra indígena”. Torre, secretário de Segurança do Distrito Federal no dia 8 de janeiro, está preso sob a acusação de ter facilitado o ataque golpista às sedes dos Três Poderes em Brasília.

No segundo caso, o STF aponta também para a divulgação antecipada, pela Coordenação de Operações de Fiscalização, do Ibama, por meio de correio eletrônico geral, dirigido aos servidores da instituição, de data e local da operação sigilosa destinada ao combate de ilícitos no TIY.

Barroso viu também indícios de alteração do planejamento da Operação Jacareacanga, pela Força Aérea Brasileira (FAB), que resultou em alerta antecipado para os garimpeiros. Consta ainda a “não participação das Forças Armadas em operação previamente organizada conjuntamente com a Polícia Federal, sob a alegação de deficiência orçamentária”. O detalhe é que a informação foi dada com três dias de antecedência o que, segundo o STF, comprometeu “o planejamento e a efetividade da intervenção, bem como a segurança dos servidores e equipamentos públicos utilizados pela Polícia Federal”.

O STF quer explicações para a “retirada irregular (e aparentemente não explicada) de 29 (vinte e nove) aeronaves ligadas ao garimpo ilegal e apreendidas pela Polícia Federal de seu local de depósito, posteriormente avistadas em operação”, quando havia uma ordem judicial para que os equipamentos apreendidos fossem destruídos. 

No quinto item, a falta de controle de tráfego aéreo em Roraima, onde ficam as terras indígenas dos Yanomami, ou de interceptação de aeronaves irregulares, o que colocou em risco a aviação comercial de passageiros – e que quase causou a colisão de aeronaves. 

No sexto item, é investigado a aparente falta de execução ou “simulação de execução” do chamado Plano Sete Terras Indígenas, que homologado pelo Juízo e destinado à desintrusão dos invasores, com a prestação de informações “inverossímeis”.

Por último, é analisada outras “ações e omissões voltadas a criar óbices burocráticos à adoção de medidas urgentes e ao cumprimento de decisões judiciais”, favorecendo o descontrole da situação de segurança e do combate ao crime nas áreas afetadas. 

O ministro do STF reiterou, ainda, a ordem de retirada de todos os garimpos ilegais das Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Arariboia, Munduruku e Trincheira Bacajá.  Barroso deu o prazo de 30 dias para que a União elabore um diagnóstico da situação das comunidades indígenas e apresente um planejamento para cumprir as decisões da corte.

Ministério Público

Indígenas Yanomami realizaram um protesto pelas ruas de Boa Vista contra os garimpos ilegais e protocolaram uma carta ao procurador da República, Alisson Marugal (Foto: Yolanda Mêne/Amazônia Real/08/09/2021)

Já o Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito civil para apurar a omissão do estado brasileiro na crise humanitária e sanitária do povo Yanomami. Na investigação, o MPF vai analisar a conduta de gestores e políticos para verificar possíveis omissões que podem ter levado ao cenário catastrófico dos indígenas. As representações que levaram à abertura do inquérito foram feitas por partidos políticos e entidades da sociedade civil.

Para o MPF já é possível identificar um “vasto acervo de evidências” para responsabilização do estado brasileiro. “Tal acervo revela um panorama claro de generalizada desassistência à saúde, sistemático descumprimento de ordens judiciais para repressão a invasores do território indígena e reiteradas ações de agentes estatais aptas a estimular violações à vida e à saúde do povo Yanomami”, descreve a peça que determina a instauração do inquérito civil.

Além de apurar o grau de envolvimento dos agentes públicos, o MPF quer saber a dimensão exata da crise em Roraima. O órgão revelou ainda a existência de dezenas de procedimentos, nas áreas cível e criminal, que apuram o abuso a mulher e crianças, a atividade garimpeira na região, além de toda a desassistência aos Yanomami.   

Relatório de direitos humanos

Sheila de Carvalho, presidenta do Conare foi à Roraima ver de perto a situação dos Yanomami (Foto: Tom Costa/MJSP)

Em outra frente, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) divulgou, também na segunda-feira, um levantamento das omissões observadas durante a gestão de Bolsonaro (2019 a 2022). De acordo com o MDHC, há no documento sete processos administrativos, que foram encaminhados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, para que sejam investigados.

Um dos casos mais emblemáticos aconteceu em 2020, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) demonstrou preocupação com a invasão de garimpeiros no território indígena Yanomami, e, em resposta, o governo brasileiro apresentou um parecer positivo sobre o PL 191/2020, que tinha como objetivo, legalizar o garimpo na região.   

O governo também teria ignorado pedidos de assistência ao território indígena, em Roraima, durante a pandemia de Covid-19. Não só teria ignorado, como também é suspeito de ter vetado a obrigação de fornecimento de água e outros equipamentos básicos para os Yanomami, durante o período da pandemia.

A suspensão do policiamento ostensivo do líder indígena Davi Kopenawa, em 2022, também consta entre os processos levantados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O líder indígena vive sob ameaças, mas por conta da falta de proteção, dois homens tentaram invadir a sede da Hutukara Associação Yanomami no início de novembro. Apenas alguns dias depois, já no fim daquele mês, a segurança foi retomada. 

“Eu estou sempre sendo ameaçado. Eu, meu filho, meus colegas Yekuana e outros parentes Munduruku (…) os garimpeiros ficam com raiva de nós porque estamos denunciando eles. Então eles vêm nos perseguindo”, denunciou Davi à Amazônia Real, em recente entrevista. Na ocasião, a reportagem visitou a sede da HAY, que está em obras, e foi possível acompanhar todo o esforço no sentido de garantir a segurança. Os muros da entidade possuem aproximadamente 3 metros de altura e a segurança é reforçada por um sistema de vigilância por câmeras.

A omissão de Damares

Ministra Damares Alves na Expo 2020 Dubai (Foto: Alina El Assadi /Divulgação/ApexBrasil)

O relatório aponta ainda que, entre 2019 a 2022, autoridades do governo federal estiveram em Roraima em cinco ocasiões e em nenhuma dessas visitas, houve qualquer tratativa de enfrentamento ao garimpo ilegal, e o governo sequer visitou o território dos Yanomami para averiguar as denuncias de violações.

Na primeira ida do MMFDH à Roraima, foi, sob alegação de participação do 1º Simpósio Roraimense de Saúde Indígena, para realização de Reunião com 1º Batalhão de Infantaria de Selva e cumprimento da determinação da então ministra Damares Alves, no sentido de “avaliar a possibilidade de implementação do Projeto Ulu, de assistência voltada especificamente ao enfrentamento do infanticídio indígena”, razão pela qual se visitou a Aldeia Sanuma, localizada no TIY.

O relatório aponta ainda, que na segunda visita, houve uma  cerimônia de entrega de máscaras doadas pela Embaixada da Venezuela, por conta da pandemia de Covid-19. Não foi feita qualquer oitiva com os Yanomami. Em outra missão para tratar da articulação em prol da Criança Indígena Vulnerável, sobre crianças com deficiência e sua relação com o abandono e o infanticídio, mesmo em meio à conjuntura de violência, não foi feita foi qualquer visita ao território ou oitiva.

Na cerimônia de entrega de duas Vans dos Direitos à Defensoria Pública do Estado de Roraima, a ministra Damares Alves, senadora eleita pelo PL, novamente cumpriu agenda no Estado, sem visitar os Yanomami. O MMFDH organizou visita a Roraima da comitiva de ministérios às comunidades indígenas que seriam públicos-alvo do “Plano de Ação de Defesa das Garantias de Direitos das Crianças e Jovens Indígenas”. Nesta ocasião, ela ignorou a situação dos Yanomami.

Depois que a crise dos Yanomami ganhou o noticiário nacional, a ex-ministra Damares se defendeu usando a rede social Twitter. No dia 22 de janeiro deste ano, ela disse que no “governo Bolsonaro, a política indigenista era executada em três ministérios: Educação, Saúde e Justiça. Ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos cabia receber denúncias de violações de direitos dos indígenas e encaminhá-las às autoridades responsáveis”. 

Damares disse que o MMFDH esteve ‘in loco’ inúmeras vezes para “levantar informações”. “Enviamos ofícios aos órgãos responsáveis para solicitar atuação e recebemos relatórios das equipes técnicas, as quais informaram as providências tomadas”, disse. Damares alegou que reconhecia a desnutrição como das “uma das mais terríveis violências” contra as crianças, por isso entregou o Plano Nacional de Enfrentamento a Violência Contra Crianças” para ser executado “priorizando três áreas indígenas e uma delas é a área Yanomami”. “Sesai e a Funai trabalharam muito no governo Bolsonaro, não houve omissão”, alega, para depois tratar a desnutrição das crianças indígenas como um “dilema histórico” que foi “agravado pelo isolamento da pandemia”.

Também no ano de 2020, de acordo com o MDHC, que tem como ministro Silvio Almeida, o governo brasileiro ignorou de forma sumária o pedido feito pelo movimento “Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura” para implementação do Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas. E no ano seguinte a antiga gestão do MMFDH terceirizou responsabilidades diante de uma Ação Civil Pública, que visava o “fornecimento de alimentação adequada e saudável aos pacientes que estavam em tratamento médico bem como acompanhamento nutricional” nas comunidades Yanomami.

Indígena Yanomami no garimpo dentro da Terra Indígena (Foto: Bruno Kelly)

Para garantir a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, a agência de jornalismo independente e investigativa Amazônia Real não recebe recursos públicos, não recebe recursos de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas com crime ambiental, trabalho escravo, violação dos direitos humanos e violência contra a mulher. É uma questão de coerência. Por isso, é muito importante as doações das leitoras e dos leitores para produzirmos mais reportagens sobre a realidade da Amazônia. Agradecemos o apoio de todas e todos. Doe aqui.


Republique nossos conteúdos: Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia: jornais impressos, revistas, sites, blogs, livros didáticos e de literatura; com o crédito do autor e da agência Amazônia Real. Fotografias cedidas ou produzidas por outros veículos e organizações não atendem a essa licença.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
LinkedIn

Postes Recentes

FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO

Redes Sociais: