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ToggleO Oceano possui uma sinfonia natural que vem sendo recentemente descortinada. Pesquisadores descobriram que recifes de corais saudáveis possuem alta diversidade sonora, enquanto os degradados são quase silenciosos. Também observaram que o som dos golfinhos forma uma linguagem complexa e que eles se tratam por nomes próprios.
Esses sons vêm chamando a atenção não apenas da ciência, mas também da arte. Gravações de golfinhos e baleias têm inspirado músicos e artistas a criar obras que emocionam e alertam para a crise marinha. Exposições e álbuns com trilhas sonoras construídas a partir de registros feitos ao longo da costa e nas profundezas do Oceano vêm conectando arte, ciência e ativismo.
Por meio de registros sonoros, vozes ativas e criações musicais, pesquisadores, artistas e ativistas fazem com que os sons do mar reverberem em museus, palcos e espaços públicos, tornando-os acessíveis a qualquer pessoa, em qualquer lugar – um lembrete de que conservar o Oceano é preservar o som da vida.
O Oceano tem som
O som é o sinal sensorial que viaja mais longe através do Oceano, sendo utilizado por diversos animais marinhos, desde invertebrados até grandes baleias. Estima-se, por exemplo, que as vocalizações das baleias-azuis no Oceano Antártico alcancem distâncias superiores a 100 km.
Para os cientistas, o som é fundamental para ampliar nossa compreensão sobre o Oceano. A bioacústica, ciência que estuda os sons produzidos pelos seres vivos, têm fornecido dados valiosos sobre a qualidade das paisagens sonoras, o comportamento e distribuição das espécies e a composição das comunidades marinhas.
Segundo o professor João Lucas Leão Feitosa, coordenador do Laboratório de Pesquisa em Ictiologia e Ecologia de Recifes da Universidade Federal de Pernambuco (LabPIER/UFPE), o Oceano produz uma imensa variedade de sons, muitos inaudíveis aos humanos por estarem fora do alcance de frequência ou pela falta de adaptação para ouvir debaixo d’água. Esses sons, porém, podem ser captados com hidrofones acoplados a gravadores digitais, que registram sons biológicos e antropogênicos em diversas frequências e intensidades.
Na paisagem acústica do Oceano se destacam dois componentes naturais de sons: os produzidos por organismos (biofonia) e os sons naturais do ambiente (geofonia) como das ondas, chuva ou rochas. “No componente da biofonia temos uma variedade imensa, devido à diversidade animal e como eles produzem sons. Alguns usam sons graves e longos, como as baleias, outros mais curtos, como alguns peixes, e outros mais agudos, como os golfinhos. Esses sons são indicadores da presença desses animais, da diversidade biológica e da saúde do ambiente”, explicou Feitosa.
Suas pesquisas têm revelado, por exemplo, que recifes de corais saudáveis possuem alta diversidade sonora, enquanto os degradados são quase silenciosos, pela baixa presença de animais produtores de sons. “Isso tem efeitos que não contemplamos a priori. Por exemplo, várias larvas de organismos planctônicos seguem sons para colonizar o ambiente que vão habitar quando adultas. Um recife degradado e silencioso diminui as pistas que esses organismos usam para achar o seu habitat, o que também torna o ambiente incapaz de se recuperar”.
Para tentar reverter essa degradação, o professor coordena um projeto de melhoria da paisagem acústica. “Vamos gravar sons de ambientes com mais diversidade sonora, como em Abrolhos, e fazer o enriquecimento de um recife degradado, colocando caixas de som subaquática para fazê-lo mais atrativo para as larvas e ver se isso ajuda na chegada de novos organismos para habitar o recife”.
Uma outra linha de pesquisa investiga os efeitos da poluição sonora e dos sons produzidos por humanos (antropofonia) nos recifes, revelando que o ruído interfere na comunicação entre os animais. “O barulho pode impedir que os sons sejam captados pelos equipamentos ou que os animais os emitam, comprometendo funções biológicas essenciais, como a defesa de território e a reprodução”, relatou Feitosa.
Estudando recifes costeiros de Tamandaré (PE), o pesquisador do LabPier, Túlio Freire Xavier, observou os impactos da antropofonia. “Observamos que a predominância de sons naturais ocorreu em recifes menos expostos, especialmente durante a baixa temporada e em áreas mais protegidas, onde a biofonia, composta por vocalizações de peixes e pelos estalos contínuos dos camarões-de-estalo (Alpheus spp.), se destacou. Por outro lado, os sons artificiais se tornaram muito mais evidentes em áreas com maior circulação de embarcações turísticas e no pico da temporada, quando ruídos de lanchas, jet skis e outras atividades recreativas chegaram a mascarar parte dos sons naturais”.
Esses sons não apenas têm importância para os próprios organismos, que dependem da comunicação acústica para sobrevivência, reprodução e manutenção de territórios, como também fornecem informações valiosas para a bioacústica aplicada à conservação. “Por meio da escuta e análise desses sons, é possível avaliar a vitalidade de comunidades recifais, monitorar impactos de atividades humanas (como o turismo) e orientar estratégias de manejo e preservação. Assim, os recifes “falam” sobre si mesmos, e aprender a escutá-los nos permite compreender melhor seu funcionamento e proteger sua biodiversidade”, concluiu Freire.
A bioacústica também pode auxiliar na conservação de espécies e na gestão pesqueira. “Fizemos um estudo onde conseguimos distinguir espécies de peixes cocorocas ou xiras (família Haemulidae, conhecidos como roncadores, devido ao som que emitem ao ranger os dentes faríngeos) somente pelo som com taxa de sucesso de mais 80%, e isso pode ser expandido para outras espécies. Também pudemos definir se os sons foram produzidos por machos ou por fêmeas, encontrando a proporção sexual da população ou a abundância da espécie com base na intensidade dos sons emitidos”.
Atualmente, Freire utiliza o monitoramento acústico passivo (PAM) para estudar os budiões, ou peixes-papagaio (família Labridae), fundamentais para a saúde dos recifes de coral, pois controlam o crescimento excessivo de algas e favorecem a diversidade das comunidades recifais. “Ao registrar os sons das mordidas desses peixes, é possível identificar e quantificar suas atividades alimentares, mesmo em locais e períodos em que a observação direta não é viável, permitindo compreender melhor seus padrões de forrageamento e sua relação com o ambiente”, esclareceu o pesquisador.
Os budiões raspam algas das rochas com dentes fundidos, produzindo sons característicos que podem ser captados por hidrofones. Essa alimentação abre espaço para que outros organismos se fixem, favorecendo corais e a formação de novos habitats. Ao triturarem rochas, também geram areia fina e contribuem para a formação de praias arenosas, chegando a representar até 80% da areia em locais como as Maldivas. Ao estudar especificamente o budião-azul (Scarus trispinosus), espécie criticamente ameaçada, o pesquisador ajuda a definir áreas prioritárias para conservação, monitorar a eficácia de áreas protegidas e identificar alterações comportamentais causadas por pressões humanas.

Já em relação aos mamíferos marinhos, a pesquisa bioacústica realizada em Fernando de Noronha e coordenada pelo professor Raul Rio Ribeiro, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP Baixada Santista), busca entender os impactos antropogênicos sobre os golfinhos-rotadores (Stenella longirostris). “No caso dos golfinhos, há alterações no comportamento, na distribuição, e inclusive no tempo de permanência na ilha”.
De acordo com o pesquisador, os golfinhos têm a capacidade de modular suas vocalizações em resposta ao ruído ambiental, como próximo a portos turísticos. “Eles podem aumentar ou diminuir a frequência dos seus sons, de acordo com o ruído de fundo ao qual estão expostos”.
As vocalizações, compostas por assobios e cliques, são necessárias para a comunicação e interação entre os indivíduos. “Os sons são vitais para os golfinhos. Existem espécies que conseguem transmitir a identidade de cada indivíduo, criando um som único como um nome próprio, logo nos primeiros meses de vida, para que ele possa ser reconhecido nesses grupos de centenas ou milhares de animais. Eles enxergam o mundo através do som, por meio da ecolocalização, conseguindo identificar estruturas, presas, predadores e texturas. Compreender a linguagem desses animais é compreender como eles interagem com a vida”, afirmou o pesquisador.
Raul Rio revela que, quando começou a trabalhar com acústica submarina, acreditava que embaixo d’água tudo era silencioso. “E é exatamente o contrário. Existe uma sinfonia acontecendo o tempo todo. Eu trabalho separando as frequências que me interessam para analisar a comunicação de golfinhos e baleias, mas existe a comunicação dos crustáceos, peixes, e dá pra perceber como eles se organizam. Existem coros, como um coral numa igreja. Há um coro de peixe em determinada hora do dia e, assim que ele termina, começa um outro coro. Outros peixes começam a utilizar aquele espaço acústico para se comunicar. Existe uma organização entre eles, e é extremamente incrível”.
O Oceano tem voz
A voz do Oceano não vem somente dos seres marinhos ou do som das ondas quebrando na praia. Ela também ressoa nos alertas da ciência e da experiência humana diante da crise ambiental. Experiências como a Expedição Voz dos Oceanos, conduzida pela Família Schurmann – mundialmente reconhecida por suas jornadas marítimas –, vem transformando essa voz em narrativa e ação mobilizadora.
“Em 41 anos de navegações, incluindo três voltas ao mundo, testemunhamos a crescente invasão de resíduos plásticos e microplásticos nos mares do planeta, em mais de 140 destinos de 11 países das Américas do Sul, Central e do Norte, além da Oceania e da Ásia. Para nós, a mensagem é clara: o Oceano está sufocado! Isso demanda ação, transformação, solução! Por isso, decidimos ‘navegar uma milha adiante’. Começamos a Voz dos Oceanos como uma missão coletiva, do Brasil para o mundo, em defesa do Oceano”, relatou Heloisa Schurmann, líder da Voz dos Oceanos.
A expedição de dois anos organizada pela família a bordo do veleiro sustentável Kat iniciou em 29 de agosto de 2021 em Balneário Camboriú (SC), contando com o apoio do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA). Seu objetivo era explorar a costa brasileira, as ilhas do Caribe, o litoral dos Estados Unidos e as ilhas do Oceano Pacífico, realizando cerca de 60 paradas. Em novembro, foi concluída a primeira volta ao mundo da Voz dos Oceanos, com retorno do veleiro Kat ao Pará para a COP 30.
“Encontramos, em todos os locais onde passamos, centenas de pessoas e iniciativas comprometidas em reverter a grave invasão de resíduos, que sufocam o Oceano. Tudo isso sendo registrado nos canais oficiais da Voz dos Oceanos e de parceiros, tendo como missão conscientizar, inspirar, engajar e provocar mudanças de hábito e produção em diferentes esferas: sociedade civil, indústria e Governos”, explicou Schurmann.A líder da Voz dos Oceanos esclareceu que a iniciativa vai além da Expedição. “Desde o início, planejamos nossa atuação baseada em quatro pilares: Awareness, Ciência, Educação e Inovação & Startups. Até o momento, já temos três expedições, que funcionam como plataformas de comunicação e engajamento. O pilar Awareness conta com outras ações especiais de arte – afinal, a arte emociona, sensibiliza, impacta e mobiliza a sociedade, sendo um importante instrumento de comunicação e conscientização. Por isso, realizamos, por exemplo, a Exposição Voz dos Oceanos. Por meio das expedições/comunicação e da arte, alcançamos a sociedade civil de forma lúdica e impactante, ampliando cada vez mais seu engajamento na pauta oceânica”.

A primeira edição da Exposição Voz dos Oceanos aconteceu em 2024. Em apenas 26 dias de exibição, reuniu mais de 10 mil visitantes nesta experiência imersiva por nove instalações distribuídas em uma área de 900 m² do Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. A Exposição exibiu trilhas sonoras compostas a partir de sons gravados ao longo da costa, ligando arte, ciência e ativismo. “O Oceano se fez grandioso na maior cidade da América Latina e, antes mesmo de encerrar sua primeira temporada, começamos a receber convites e propostas para levá-la para outras cidades brasileiras e até mesmo para o exterior. Mas reservamos a segunda edição para um momento muito especial: a COP30, em Belém”. Em novembro, a Exposição Voz dos Oceanos se tornou uma das principais atrações da Casa Vozes do Oceano, passando a ser uma experiência interativa e imersiva para a população e para todos os participantes da Conferência. “Ancorados em frente à Casa das Onze Janelas, iniciamos o processo de transformação desse icônico espaço cultural para a Casa Vozes do Oceano, epicentro da causa ambiental durante essa importante Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas”, afirma David Schurmann, CEO da Voz dos Oceanos. “Passada a COP30, seguimos com a Exposição para outros destinos”, informou.

A família Schurmann não foi a única voz em defesa do Oceano a ressoar na COP30. Durante o evento, 17 países se comprometeram a incorporar o Oceano em seus planos climáticos atualizados, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), por meio do Desafio das NDCs Azuis. “Nunca antes tantos chefes de Estado se alinharam tão claramente sobre a necessidade de colocar o Oceano no centro da resposta climática global”, comemorou o secretário nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA) do Brasil, Aloisio de Melo.
Dentre as vozes brasileiras pelo Oceano na COP30, uma das que se destacou foi a de Ana Paula Prates, diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do MMA. No painel “Criando Ondas a partir de Belém: Acelerando a Implementação das Ações Oceano-Clima”, no Pavilhão Brasil, na Zona Azul da COP30, ela ressaltou a dimensão estratégica do Oceano: “Não podemos ter ambições climáticas sem o Oceano. Soluções baseadas no Oceano são essenciais para mitigação, adaptação e resiliência”.
Outra voz brasileira importante na COP foi a da professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e fundadora do Instituto Ambientes em Rede (IAR), Dra. Marinez Eymael Scherer, referência nacional em gestão costeira e oceânica. Ela foi convidada para atuar como um dos 20 enviados especiais setoriais na COP30, representando o setor Oceano.
Scherer apresentou o chamado Blue Package (“Pacote Azul”), composto por cerca de 70 soluções oceânicas para enfrentar a crise climática, como a conservação e restauração de ecossistemas costeiros e marinhos, energia renovável oceânica, descarbonização do transporte marítimo e turismo. De acordo com a pesquisadora, esse pacote oceânico poderia contribuir para uma redução de até 35% das emissões globais de gases de efeito estufa até 2050.
Prates e Scherer também defenderam ao longo do evento que o financiamento é um nó a ser desatado para viabilizar ações climáticas pelo Oceano. “Destravar esse capital depende de condições adequadas: regulamentações certas, instrumentos de redução de risco e abordagens de financiamento misto”, argumentou Scherer.
O Oceano tem música
Por meio da música, o Oceano mostra que também tem arte, revelada através de sons que têm fascinado os ouvintes por décadas, à medida que as inovações tecnológicas os tornaram mais acessíveis. Na década de 1970, por exemplo, o pesquisador bioacústico Roger Payne compartilhou gravações navais de baleias jubarte com o público por meio de um disco de vinil que vendeu mais de 125 mil cópias, tornando-se a gravação de natureza mais popular de todos os tempos, de acordo com o Guinness World Records.
No Brasil, a ONG Som de Oceano vêm convertendo os sons do mar em composições musicais que emocionam e educam. Criada para decifrar a linguagem de golfinhos e baleias por meio de ciência e arte, a ONG reúne pesquisadores de universidades públicas brasileiras e internacionais, tendo surgido durante a pandemia e no início da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030).
“Nos perguntamos como a ciência pode ultrapassar os muros da universidade, inspirando pessoas a contribuir para a conservação do Oceano. Aí veio a ideia de utilizar a música. Ela permeia o planeta inteiro, independentemente do idioma ou da localização geográfica, porque sensibiliza por meio da arte, e a arte é essa provocação que nos gera um sentimento, uma sensação. E nada mais adequado do que quem trabalha com bioacústica utilizar a música para veicular essa informação”, explicou o fundador da ONG, o professor Raul Rio Ribeiro, da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Baixada Santista.
A ONG combina hidrofones, drones, filmagens subaquáticas e ciência cidadã para escutar e observar os grandes mamíferos marinhos sem perturbar seu comportamento natural. Esse monitoramento gerou descobertas inéditas, como a identificação de “assobios-assinatura” dos golfinhos-rotadores de Fernando de Noronha.
“Logo me dei conta de que, tão ou mais interessante do que fazer análise de um sinal acústico de comunicação utilizando métricas científicas, é ouvir esses animais. Assim como temos uma sensação de bem-estar quando ouvimos os sons dos pássaros e da natureza numa floresta, embaixo da água é semelhante, quando ouvimos o canto de uma baleia nos barcos. Todas as pessoas do barco, muitas vezes não-cientistas, se emocionam de verdade com esses cantos. Então, nada mais natural do que unir esses sons e produzir ‘ecomúsicas’, canções da natureza”, revelou o pesquisador.
Dos sons captados, nasceram “ecomúsicas” como o single “Som de Oceano”, com as canções “Praia do Sancho” (gravação da paisagem sonora da praia mais bonita do mundo, em Fernando de Noronha) e “So Whale” (música-tema da ONG, em que sons de golfinhos, cachalotes e de baleias-azuis são unidos à improvisação no saxofone).
“Tivemos um encontro muito feliz com o saxofonista Roger Marza. Nos shows, ele toca a música ‘So Whale’ durante a meditação e yoga e as pessoas se encantam, porque é uma música relaxante, que transmite muito da natureza e do benefício que a gente pode ter com essa conexão”.
Sobre o potencial artístico dos sons do Oceano, Raul Rio o considera “infinito”. “Todos nós consumimos música e arte o tempo todo. Ela é essencial para o equilíbrio humano. Então eu considero esse potencial infinito, seja pela infinidade de animais marinhos que desconhecemos, seja pela riqueza e variedade desses sons. Cabe à sensibilidade do artista aproveitar esse potencial e utilizá-lo para construir músicas”.
Para Rio, a música leva a uma nova forma de enxergar o Oceano. “Quando captamos essas boas experiências da música e nos damos conta de que foram produzidas por animais marinhos vivos, começamos a enxergar natureza de uma outra forma, entendendo que não estamos tão distantes desses animais e que precisamos manter essa biodiversidade, para que o Planeta se mantenha completo. Quando conseguimos demonstrar que, a partir deles, temos experiências musicais tão ricas quanto as que nós produzimos, passamos a ter um maior cuidado com o Oceano”.
Tais experiências musicais acontecem não apenas no Brasil, mas também em lugares tão distantes quanto os mares das regiões polares, mostrando que não existem fronteiras para a arte. Em 2022, o artista e pesquisador galês Geraint Rhys Whittaker, bolsista do Helmholtz Institute for Functional Marine Biodiversity (HIFMB), examinou como os sons polares poderiam ser aproveitados em colaborações entre arte e ciência para criar conhecimentos oceânicos, e explorou como isso poderia ser compartilhado.
A partir daí surgiu o “Polar Sounds”, um projeto único, oceânico e global de arte e ciência centrado no som. “Explorando as paisagens sonoras dos mares polares para investigar o potencial de utilização desse meio e dar sentido às mudanças nos mundos oceânicos para um público amplo, mostramos como, nas mãos de artistas, os sons coletados por cientistas se tornam mais do que apenas dados”, explicou Whittaker.
Depois de selecionar 50 trechos de espectrogramas com dados acústicos de regiões polares, gravados ao longo do ano e hospedados na plataforma OPUS (The Open Portal to Underwater Soundscapes), esses materiais foram disponibilizados para artistas escolhidos por meio de uma chamada onde houve 300 candidaturas de 45 países. Desta seleção, 103 composições e sons originais de artistas de 31 países foram selecionadas e estão permanentemente disponíveis no site Cities and Memory.
O lançamento do projeto, em fevereiro de 2023, atraiu significativa atenção, com mais de 40 artigos e 20 entrevistas sobre o projeto em vários meios de comunicação. A página “Cities and Memory Polar sounds” teve mais de 21.000 acessos e, juntamente com o interesse da mídia, fez com que o projeto fosse exposto a um público potencial de milhões de pessoas globalmente, despertando o interesse pelos sons dos mares polares.
Para Whittaker, arte e ciência estão intermitentemente ligadas. “Ambas são formas pelas quais nós, como seres humanos, tentamos compreender o mundo. Seus métodos e resultados finais podem ser diferentes, mas, no fim das contas, trata-se de curiosidade e narrativa. A ciência, no entanto, pode ser bastante complexa para a maioria das pessoas. É aí que a arte pode ser usada para traduzir essas histórias complexas em formas mais compreensíveis e acessíveis”.
O pesquisador avalia que, embora o Oceano, especialmente o profundo, seja um espaço inacessível para a maioria das pessoas, os métodos artísticos são maneiras de compreender esse espaço. “Se quisermos nos mobilizar para proteger o Oceano, devemos fazer com que o público, os políticos e os formuladores de políticas se importem emocionalmente com ele. É aqui que a arte se destaca, pois está na fronteira da emoção e do ativismo”.
Sobre o processo criativo das músicas, Whittaker revela que a peça que criou para o projeto, “First contact”, o levou a uma jornada pessoal de descoberta. “O som que escolhi para trabalhar foi o pulso de um canhão de ar comprimido usado para explorar o fundo do Oceano em busca de petróleo e gás. Assim que ouvi o trecho, me pareceu estranhamente como bombas explodindo. Pesquisas iniciais sugerem que esses canhões impactam a vida no Oceano, mascarando a comunicação e afetando as rotas migratórias das baleias. Então decidi criar uma narrativa distópica futurista como se estivéssemos conversando com as baleias no futuro e perguntando a elas como o barulho dos canhões impactou suas vidas”.
Whittaker é de Swansea, no País de Gales, uma cidade que foi severamente afetada pelos bombardeios na Segunda Guerra Mundial. Para dar voz às baleias, decidiu pesquisar nos arquivos da Biblioteca de Swansea entrevistas com pessoas que falavam sobre a devastação que os bombardeios causaram em suas vidas e na cidade. “Surpreendentemente, suas descrições sobre algumas das maneiras pelas quais as bombas impactaram suas vidas coincidiram com o que as pesquisas sugerem que está acontecendo com as baleias, então usei os trechos dos arquivos para representar a história das baleias”, explicou.
“Ao ouvirem a obra, quero que as pessoas reflitam não apenas sobre o universo acústico dos mares, o som dos canhões de ar comprimido e as implicações políticas disso para a saúde futura do nosso Oceano, mas também que enfatizem que ainda há tempo para evitar que esses impactos se tornem irreversíveis”.
Esta reportagem foi apoiada pelo Edital Conexão Oceano de Comunicação Ambiental, promovido pela Fundação Grupo Boticário em cooperação com a UNESCO e o Museu do Amanhã.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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