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Senado discute mineração em terras indígenas

Senado discute mineração em terras indígenas

Criação do Grupo de Trabalho (GT) para discutir a atividade em terras indígenas contempla interesses econômicos e sinaliza para flexibilizar a legislação, passando por cima da Constituição. Entidades indígenas reagem. A imagem acima mostra garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Sararé, no Mato grosso (Foto: Fábio Bispo /Greenpeace/21/08/2024).


Belém (PA)– “Enquanto não houver regulação da atividade de mineração não podemos sentar para discutir essa atividade em terras indígenas. Não podemos sequer falar em consulta prévia sobre mineração em nossas terras porque essa é uma atividade constitucionalmente proibida. É ilegal. O Estado brasileiro, principalmente a partir do Congresso e do Senado, está violando a própria Constituição.” A afirmação é de Mariazinha Baré, coordenadora da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam). Foi uma reação contra o anúncio feito em 23 de abril pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP), estabelecendo a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a regulamentação da mineração em terras indígenas (TIs). 

Organizações como Articulação dos Povos Indígenas do (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirmam que a medida viola a autonomia dos povos originários e ameaça seus territórios, que têm servido de barreiras contra o desmatamento. A preocupação das entidades é que a mineração pode acelerar a degradação, como já ocorre em áreas como a Terra Indígena Yanomami, invadida por garimpeiros. Além disso, dado o histórico parlamentar recente, o que está em evidência é a potencial fragilização da legislação. Críticos temem que o GT composto por 11 senadores seja um caminho para legalizar atividades predatórias, sobretudo após o aumento do garimpo ilegal no governo de Jair Bolsonaro (PL).

No último dia 14 de maio, os membros titulares do Conselho Nacional da Política Indigenista (CNPI) aprovaram a primeira resolução de 2025, que recomenda ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) que se abstenham de regulamentar a mineração em TIs. A resolução solicita ainda que o Congresso suspenda imediatamente os trabalhos do GT sem a devida observância dos direitos previstos nos termos da Convenção nº 169 da OIT, ratificada pelo Brasil e que garante a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, e sem o envolvimento efetivo do CNPI. 

A senadora Tereza Cristina (PP-MS), vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), foi designada para presidir o controverso grupo. O GT terá um prazo de 180 dias para elaborar uma proposta de projeto de lei que regulamente a pesquisa e a lavra de recursos minerais nos territórios indígenas.

“É um cenário orquestrado, que não é de hoje”, protesta Mariazinha Baré. “Querem trazer algo ilegal e inconstitucional para o centro das discussões com base em interesses econômicos e confundir os povos indígenas e a própria sociedade que é estimulada a se voltar contra nós.”

Impactos ambientais e sociais

Área de garimpo ilegal desativada na Terra Indígena Yanomami, em 20 de junho de 2024. (Foto: Bruno Mancinelle/Casa de Governo).

A mineração em terras indígenas é um tema polêmico, envolvendo questões ambientais, sociais e econômicas. Estudos indicam que a atividade pode causar impactos significativos, como desmatamento, poluição de rios e perda de . O contato com garimpeiros e trabalhadores de mineração pode levar à disseminação de doenças e à desestruturação das comunidades indígenas, afetando sua cultura e seu modo de vida. Mas os parlamentares favoráveis defendem que a regulamentação poderia trazer benefícios econômicos para as comunidades, desde que realizadas de forma sustentável e com a devida participação dos povos indígenas nas decisões e nos lucros. 

A Apib promete pressionar o STF e a opinião pública contra o GT, lembrando decisões como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 709 (ADPF 709), instrumento jurídico pelo qual a entidade propôs, em agosto de 2020, medidas de proteção às comunidades indígenas no STF, para conter o avanço da pandemia nos territórios indígenas. Na ação, a Apib pediu a retirada dos não indígenas das TIs Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapo, Arariboia, Munduruku e Trincheira Bacaja.

“Tem uma questão que deve ser levada em consideração”, diz Mariazinha Baré, em entrevista à Amazônia Real. “A própria legislação brasileira deveria estar focada na Constituição que estabeleceu cinco anos para a demarcação de todas as terras indígenas e isso nunca foi feito. Por que não se conclui a demarcação das terras primeiro? Estão avançando nos interesses da mineração, mas não se avança na demarcação.”

O GT do Congresso nasce com o objetivo de conciliar os diversos interesses envolvidos, buscando uma proposta que respeite os direitos constitucionais dos povos indígenas e promova o desenvolvimento sustentável. A participação de representantes indígenas e de especialistas em e direitos humanos seria fundamental para garantir que uma proposta final atenda às necessidades e preocupações das comunidades afetadas. Mas poucos realmente acreditam nessa hipótese, já que os interesses da bancada ruralista são opostos aos dos povos tradicionais.

Alertas da Apib e do Cimi

Operação da Polícia Federal, com apoio da Funai, contra crimes ambientais e de extração ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, município de Ourilândia do Norte/PA. (Foto: Policia Federal/PA/ 12/08/2024).

Em nota divulgada em suas redes sociais, a Apib reforçou que a regulamentação da mineração em TIs não representa uma solução econômica sustentável nem para os povos indígenas, nem para o Brasil. “A atividade, muitas vezes ilegal e predatória, causa degradação ambiental irreversível, contamina rios com mercúrio, destrói modos de vida tradicionais e alimenta redes de crime organizado. Seguimos na luta pela demarcação de nossos territórios e contra a exploração de qualquer âmbito”, informou a entidade.

“A mineração significa a transformação substancial do ambiente ao redor do empreendimento, desmatamento e abertura de estradas e outras vias de transporte, instalação de barragens, infraestrutura urbana e chegada de grandes contingentes de pessoas para trabalhar no empreendimento; significa a destruição do solo, o uso de grandes volumes de água, a contaminação e poluição, a geração de ingentes volumes de resíduos e rejeitos de difícil tratamento e gestão”, diz Luiz Ventura, secretário-nacional do Cimi. “Ou seja, estamos falando de uma transformação absoluta do território e os riscos são muito grandes para os povos indígenas.”

Para o secretário do Cimi, esses perigos ameaçam o direito básico à existência e a capacidade dos povos indígenas de decidirem autonomamente o seu futuro. Tais riscos confrontam o direito essencial e inerente aos seus territórios e ao uso exclusivo dos recursos naturais. “É impossível e inviável pensar que a atividade da mineração não vai afetar o projeto de vida dessa comunidade. E nenhum desses riscos será sanado com compensações econômicas ou participação através de royalties. Nunca será sanado. A lógica da compensação econômica pelos danos é uma lógica do mercado, do capital, que está absolutamente distante dos verdadeiros impactos da atividade econômica da mineração”, alerta.

De acordo com o Cimi, a demarcação e proteção das TIs, considerados como territórios livres de atividades econômicas de grande impacto, é uma medida imprescindível para os povos indígenas e para toda a sociedade. “Portanto, não existe urgência nem necessidade de abrir esse debate de mineração no âmbito do Estado. Principalmente quando o próprio Estado ainda mantém um passivo enorme no campo da demarcação e a proteção dos territórios indígenas, que são obrigações constitucionais”, afirma Ventura à Amazônia Real.

Segundo o último Relatório de Violência publicado pelo Cimi, com dados de 2023, existia ainda um passivo de 850 territórios indígenas aguardando o início ou a conclusão do procedimento administrativo de demarcação de TIs. “Essa deve ser a principal preocupação de um Estado de direito”, afirma Ventura. Segundo ele, “o Congresso não pode avançar em uma matéria tão sensível como essa de forma atropelada e autoritária. O Congresso, enquanto poder do Estado, é sujeito a obrigações e compromissos internacionais. Qualquer medida legislativa que afete os direitos fundamentais dos povos indígenas deve partir, necessariamente, da consulta prévia, livre e informada, e de boa fé, aos povos indígenas. O secretário do Cimi lembra que qualquer medida legislativa que afete os direitos fundamentais dos povos indígenas deve ter o aval do Conselho Nacional de Política Indigenista.

Mariazinha Baré afirma que é necessário que os povos indígenas entendam as entrelinhas do sistema jurídico e o que ainda se pode fazer para barrar esses retrocessos. Segundo ela, enquanto não houver regulação da mineração toda discussão é incabível. “Está ocorrendo uma usurpação do dano público. Se é proibido, se não pode fazer, por que o Estado brasileiro está fazendo leilão de exploração de minérios em território indígena?”, questiona.

Flexibilização da mineração

Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado com a senadora Tereza Cristina (PP-MS); o
senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e senador Jaime Bagattoli (PL-RO) (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado).

O secretário nacional do Cimi alerta que a própria configuração do GT no Senado já é revelador de seu objetivo. Isso porque a maioria dos senadores e senadoras indicados para o GT já mostraram, segundo Ventura, publicamente e ao longo de sua trajetória pública e privada, hostilidade aos direitos dos povos indígenas e defesa das atividades de mineração e do próprio garimpo. “Estão aí para defender interesses econômicos poderosos e não para buscar o bem comum. Os povos indígenas e seus aliados vão defender a garantia dos direitos fundamentais e isto significa que a iniciativa do Senado não prospere ou encerre seus trabalhos com a convicção de que não é possível avançar na mineração em territórios indígenas sem afrontar direitos humanos fundamentais, dos povos indígenas e de toda a sociedade”, expressa.

A Constituição de 1988 estabelece que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são bens da União, sendo-lhes assegurado o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. O artigo 231 determina que a exploração de recursos minerais em TIs só pode ocorrer com autorização do Congresso, após consulta às comunidades afetadas, e mediante participação nos resultados da lavra, conforme regulamentação específica. No entanto, até o momento, não há uma lei que regulamente esse dispositivo constitucional, o que tem gerado debates e propostas legislativas, como o Projeto de Lei 1.610/1996, que visa estabelecer normas para a mineração em terras indígenas.

A justificativa para o GT se baseia no argumento do desenvolvimento econômico, com a promessa de riqueza e empregos através da mineração em TIs. O objetivo do GT é criar regras para essa viabilizar e flexibilizar a atividade, impulsionado pela pressão do agronegócio e do setor mineral, que buscam expandir a exploração.

A própria indicação de Tereza Cristina, representante da FPA e à frente desse GT, já é uma sinalização dessa tendência. Sua atuação como ministra (2019-2022) foi marcada por polêmicas sobre flexibilização de agrotóxicos e grilagem. O GT inclui ainda senadores aliados ao Centrão e ao agronegócio, indicando pouca representação de vozes indígenas ou ambientalistas. Não há previsão de participação formal de lideranças indígenas nesse grupo de trabalho.

A Coiab se posicionou oficialmente: “o GT está inserido em um contexto mais amplo em que intensos esforços estão sendo empreendidos para fragilizar os direitos e garantias indígenas, especialmente aqueles referentes aos territórios, recursos naturais e seu usufruto exclusivo”, anotou a entidade em suas redes sociais.

A postura do governo Lula

Raoni em sobrevoo para mostrar os prejuízos e danos que o garimpo ilegal levou à Terra Indígena Kayapó (Foto: Christian Braga / Greenpeace).

“A tentativa de liberação de mineração, a todo e qualquer custo, nos territórios indígenas representa o avanço desenfreado da sobreposição dos interesses privados sobre os interesses públicos, e em nenhuma hipótese a priorização dos interesses indígenas, e a própria composição do GT revela esse fato”, afirmou a Coiab. “Reiteramos a importância de respeitar os direitos originários e de buscar soluções que priorizem a preservação ambiental e o bem-estar das populações indígenas, ao invés de promover atividades que possam causar danos irreparáveis.”

A Coiab disse ainda que a iniciativa coloca em risco os direitos e a integridade das comunidades indígenas, além de ameaçar a preservação ambiental dessas áreas. E reforça que a proteção das terras indígenas é uma questão de justiça social, ambiental e de respeito aos direitos humanos.

O avanço de garimpos já causa conflitos, como os ataques a territórios dos Munduruku (PA) e Yanomami (RR). E há precedentes perigosos. A TI Raposa Serra do Sol (RR) é exemplo de área protegida que sofre pressão de mineradoras e ruralistas. 

O prazo de 180 dias do GT pode ser estendido, mas a tendência é que o PL seja votado ainda em 2025. As lideranças indígenas temem por um apoio pró-garimpo por parte do governo Lula – que, embora crítico da atividade, tem pressão da base por “desenvolvimento econômico”. “Estamos vendo que o governo está cedendo a pressões de determinados grupos para poder governar. Quem governa hoje o país é o Parlamento. Seja Congresso ou Senado. Se não tiver maioria nas bancadas não governa. Isso está muito claro. E os maiores afetados são os povos indígenas”, afirma Mariazinha Baré.

No dia 12 de maio a reportagem da Amazônia Real enviou e-mails ao gabinete do senador Davi Alcolumbre e ao gabinete da senadora Tereza Cristina, com questionamentos a respeito do GT. Até o fechamento da reportagem não havia obtido resposta.

Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, município de Jacareacanga, Pará. (Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch/17/09/2020).

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