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Sem Mulheres, não há oceano, nem futuro: a urgência da COP30

Sem Mulheres, não há oceano, nem futuro: a urgência da COP30

À medida que nos aproximamos da COP30, que será realizada em Belém do Pará, cresce a expectativa de que o encontro apresente ao mundo perspectivas melhores em relação ao combate à crise climática. Pela primeira vez, o Brasil sediará uma Conferência das Partes no coração da Amazônia e se quisermos que esse momento seja realmente transformador, precisamos, para além das metas, considerar uma questão essencial: não haverá justiça climática sem justiça de gênero, nem futuro saudável sem oceano vivo.

A Amazônia é um território pulsante, onde a floresta, os rios, o oceano e as comunidades que ali vivem se conectam de forma única. Um território-maretório que, apesar dos seus desafios socioambientais históricos, se reinventa a partir de suas raízes, nutrindo a sociedade com presença, diversidade e força. Da mesma forma, o oceano  é um ambiente vital que sustenta a vida no planeta. Regula o clima, produz mais da metade do oxigênio que respiramos e garante o sustento de milhões de pessoas, sendo peça central para a segurança alimentar global. Contudo, esse equilíbrio está cada vez mais ameaçado. Recentemente cientistas confirmaram que a acidificação marinha ultrapassou o limite planetário seguro, colocando os ecossistemas oceânicos em zona de perigo. Ao mesmo tempo, a sobrepesca já atinge 35,5% dos estoques globais e a elevação do nível do mar ameaça territórios costeiros inteiros. A combinação entre crise climática, exploração, poluição e perda de biodiversidade mostra que a saúde do oceano está gravemente comprometida.

É nesse cenário que se revelam as mulheres na linha de frente da crise climática. Protagonistas em comunidades costeiras e também nas cidades junto ao mar, vivem os efeitos das mudanças nos ciclos marinhos que afetam cadeias produtivas inteiras. Sentem ainda os impactos da erosão costeira, da elevação do nível do mar, da sobrepesca e da acidificação do oceano, processos que ameaçam tanto a biodiversidade quanto a vida cotidiana nos territórios litorâneos. Ao mesmo tempo, com seus conhecimentos tradicionais, comunitários e científicos, cuidam dos manguezais, protegem recifes, manejam recursos marinhos, desenvolvem formas de adaptação costeira e constroem soluções inovadoras para sustentar a vida. São elas que fortalecem redes de solidariedade, preservam saberes intergeracionais e impulsionam iniciativas coletivas que unem conservação e justiça social. No entanto, suas vozes seguem reduzidas, tanto na governança do oceano quanto nos espaços de negociação, quando deveriam ser reconhecidas como centrais para a construção da justiça climática e oceânica.

Dados de 2023 da ONU Mulheres mostram que até 2050 as mudanças climáticas podem empurrar 158 milhões de mulheres e meninas para a pobreza extrema, vivendo com menos de US$ 2,15 por dia. Além disso, outras 236 milhões enfrentarão insegurança alimentar, elevando o total de mulheres em risco para 822 milhões, número superior ao de homens afetados. As mulheres representam cerca de 80% da população deslocada por desastres climáticos no mundo, esse impacto é ainda mais severo para mulheres que vivem em zonas costeiras, enfrentando riscos elevados devido à exposição a tempestades, erosão e elevação do nível do mar, além de terem acesso limitado a recursos, informação e participação em decisões que poderiam fortalecer sua resiliência. Essa invisibilidade não é um fenômeno isolado, mas parte de uma estrutura social mais ampla que limita o acesso das mulheres a espaços de decisão e inovação. As barreiras à participação plena de mulheres e grupos historicamente marginalizados refletem sistemas estruturais de exclusão. Reconhecer essas desigualdades e criar estratégias de inclusão é fundamental não apenas para justiça de gênero, mas também para fortalecer soluções climáticas e oceânicas mais eficazes e diversas.

Para enfrentamento das questões mencionadas é necessário que incentivos sejam alocados, projetos desenvolvidos e políticas públicas implementadas. Contudo, apenas 0,01% do financiamento climático global é destinado especificamente à saúde do oceano. A ONU estima que seriam necessários pelo menos US$175 bilhões anuais até 2030 para restaurar ecossistemas costeiros, fortalecer a adaptação frente à elevação do nível do mar e promover soluções sustentáveis. Contudo, os investimentos não chegam a US$10 bilhões, revelando uma lacuna que compromete não apenas a conservação marinha, mas também a resiliência das comunidades, das mulheres que ali residem e da segurança alimentar mundial.

Quando tratamos especificamente da questão de gênero, os números não são melhores, são ainda mais alarmantes. Estima-se que os países em desenvolvimento estão deixando de investir cerca de US$ 420 bilhões por ano no financiamento necessário para alcançar a igualdade de gênero conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O subfinanciamento crônico limita a capacidade das mulheres de enfrentar e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas, atrasando a construção e implementação das soluções eficazes.

Parafraseando Simone de Beauvoir: “A opressão das mulheres é um reflexo da liberdade de uma sociedade”. Tal reflexão não poderia ser mais atual no contexto climático: a forma como tratamos as mulheres, especialmente aquelas que vivem nas zonas mais vulneráveis e que cuidam dos territórios, reflete diretamente a nossa capacidade de enfrentar a crise ambiental. Ignorar a equidade de gênero não é apenas uma injustiça social, é também um obstáculo para a construção de soluções climáticas eficazes e sustentáveis. Quanto mais as mulheres forem incluídas nas decisões, mais robustas e resilientes serão as políticas de conservação do oceano, das florestas e do clima. Reconhecer o protagonismo de mulheres significa valorizar o conhecimento das marisqueiras, pescadoras, indígenas e quilombolas que diariamente enfrentam os efeitos da crise ambiental em seus corpos, em suas economias e em seus territórios-maretórios.

A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, reforça esse ponto ao lembrar:

“As mulheres estão entre as mais impactadas pelas mudanças climáticas, especialmente as mulheres negras, indígenas e das comunidades tradicionais. Mas também são elas que estão na linha de frente da preservação da biodiversidade, da segurança alimentar e da defesa dos territórios. Por isso, não existe justiça climática sem justiça de gênero.”

Nesse sentido, o Ministério das Mulheres lançou o Plano de Ação Integrado Mulheres e Clima, que reúne dez ações estratégicas para inserir gênero e cuidado no centro da agenda climática. Entre elas estão a criação de um Gender Day na COP30, a realização de uma Pré-COP dedicada ao tema e cursos de formação em gênero, clima e territórios para fortalecer lideranças femininas. O plano reforça que sem igualdade de gênero não há sustentabilidade, e que o Brasil tem a oportunidade histórica de dar o exemplo.

A COP30 tem a chance de propor um novo paradigma: integrar oceano, floresta e pessoas numa só narrativa de futuro. O Brasil, com sua costa extensa e a maior floresta tropical do mundo, possui legitimidade e responsabilidade para articular uma agenda que una ciência, saberes tradicionais e equidade social, que trate sobre bioeconomia e o valor da floresta em pé, ao passo que também defenda a transição energética, excluindo a possibilidade de exploração na Foz do Amazonas. 

O mundo não precisa apenas de metas e acordos: precisa de coragem para reconhecer que as mulheres, guardiãs de futuros possíveis, podem e devem liderar tais agendas. Afinal, como nos lembra Marina Silva, uma transição só será justa se não deixar ninguém para trás e isso significa olhar para o oceano com os olhos das mulheres que o vivem, o sentem e o defendem.

A Amazônia, com seus rios que deságuam no mar, nos lembra que tudo está interligado. A justiça climática só será plena se for também justiça de gênero e justiça oceânica.

Teremos coragem de ouvir as mulheres e o oceano antes que seja tarde demais?

Este texto marca o início de uma série sobre o nexo gênero-clima-oceano no contexto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30). A série é uma colaboração da Rede Ressoa com o GT COP da Liga das Mulheres pelo Oceano.

Para saber mais:

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução de Maria Lúcia Dal Farra. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.

INFOGRÁFICO GENÊRO E CLIMA: https://generoeclima.oc.eco.br/infografico-porque-genero-e-clima/

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Financing for climate action in oceans and marine ecosystems. Paris: OECD, 2023. Disponível em: https://www.wri.org/insights/un-ocean-conference-key-issues. Acesso em: 25 set. 2025.

UNITED NATIONS. One Ocean finance: UN partners join forces to unlock billions for marine sectors. New York: United Nations, 2023. Disponível em: https://unsdg.un.org/latest/stories/one-ocean-finance-un-partners-join-forces-unlock-billions-marine-sectors. Acesso em: 25 set. 2025.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP). Ocean and coastal finance. Nairobi: UNEP, 2023. Disponível em: https://www.unep.org/topics/ocean-seas-and-coasts/finance. Acesso em: 25 set. 2025.

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