Monte Roraima, na tríplice fronteira do Brasil, Venezuela e Guiana, se originou da história de Macunaíma. Foto: Jorge Macedo/Arquivo pessoal
“No fundo do mato-virgem, nasceu Macunaíma. O herói da nossa gente”.
É assim que Mário de Andrade inicia o romance modernista Macunaíma, de 1928. O poeta sudestino se inspirou nos escritos do antropólogo alemão Theodor Koch-Grunberg sobre o que os indígenas de Roraima lhe contavam do personagem considerado um herói do povo Macuxi.
Ao longo dos anos, Roraima passou a ser chamado localmente como “Terra de Macunaima”. E neste sábado (5), quando o estado completa 36 anos, pesquisadores e estudiosos comentam sobre a literatura indígena para entender a origem da expressão e como a história se entrelaça com a ancestralidade dos povos originários
Na cosmovisão do povo Macuxi, a “Terra de Macunaima” se refere a origem ancestral do espaço que é atualmente o estado de Roraima e é mais do que uma simples história: trata-se de um lugar sagrado. É o que explica o antropólogo e professor doutor do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena (Insikiran) da Universidade Federal de Roraima, Jonildo Viana.
“Macunaima, curumim cheio de potencial, dotado de magias, de sabedoria, teve como local de nascimento o Monte Roraima. Cresceu, e se tornou um guerreiro, os Macuxi o proclamaram herói de sua etnia. A ‘Terra de Macunaíma’ é um lugar sagrado. Povoa o imaginário sociocultural roraimense”, explicou.
Na avaliação dele, Roraima ser chamado de “Terra de Macunaima” endossa, ainda que inconsciente, a relação histórica que se une aos saberes indígenas.
“Começa-se a ser chamada de Terra de Macunaima desde quando se percebe uma ligação umbilical entre ‘Homem e Natureza’ numa relação de equilíbrio, respeito, ancestralidade e os aspectos míticos, tendo Macunaima enquanto herói”, destaca.
No romance de Mário de Andrade, ele se inspirou, inicialmente, nos relatos de Koch-Grunberg, o explorador alemão responsável por vários registros históricos etnográficos de grupos indígenas e também um dos pioneiros no uso de recursos cinematográficos e fonográficos em pesquisas de campo na Amazônia.
“Ele andou pelo Rio Branco e foi até ao Orinoco [na Venezuela]. Nesse percurso, ouviu muitos indígenas que lhe contavam muitas histórias e lendas que eles acreditavam. Uma delas era desse personagem chamado de Macunaíma. Era um ser sem nenhum pudor, caráter ou personalidade”, conta escritor e autor do livro “Geografia e História de Roraima”, Aimberê Freitas.
Uma pesquisa publicada na revista ‘Rónai’, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que trata sobre estudos clássicos e tradutórios, registrou que a ideia de Mário com o romance de Macunaíma era desconstruir a figura do herói de trazer uma reflexão do Brasil “fazendo com que as múltiplas características nacionais se unissem criando uma identidade para a cultura brasileira.”
Segundo o livro “Mitos do Povo Makuxi”, com registros do monge beneditino Dom Alcuíno Meyer, o nome do herói Makunaimî é pronunciado “Macunaíma”, no português. O autor Mário de Andrade adotou a pronúncia “Macunaíma” na sua obra.
E se para o romancista Macunaíma era “filho do medo da noite”, para o povo Makuxi, é “filho do Sol”, o que faria sentido com Roraima, como explica professora de Literatura da UFRR, poeta e editora Makuxi, Sony Ferseck.
“Em histórias que ouvi de alguns anciões da Terra Indígena São Marcos, Makunaímî nasce pelos poderes do Sol. E gosto muito dessa relação, faz todo sentido. Estamos acima da linha do Equador, o único estado a estar acima desta linha. Nosso bioma é o lavrado, a savana que é repleta de plantas resistentes ao sol. Os povos literalmente se vestem de sol com as saias, adornos feitos de fibra de buriti e inajá, ‘pari’, em Makuxi, que quer dizer ‘palha’ e faz parte de ‘parisara’, ou ‘parixara’, a dança da palha”, exemplificou a professora.
Também pesquisadora da UFRR, a professora do curso de Gestão Territorial Indígena do Insikiran Ananda Machado ainda faz um alerta: cada povo indígena ressignifica a figura de Macunaima de acordo com as próprias experiências e tradições. Desse modo, as versões não podem ser chamadas de “lendas”.
“É uma palavra que reduz um pouco o sentido dessas histórias tão poderosas, é um texto potente que atravessa tantos mundos”, explicou.
Roraima não é plural somente em narrativas sobre sua origem. Trazendo para os dias atuais, se o estad entrasse em uma trend no Tiktok, seria naquela das pessoas serem um mosaico daquilo que amam, numa mistura sobre identidade etno-cultural como o dizer popular “Roraima, terra de Macunaima”.
As heranças nordestinas, a ancestralidade indígena e a influência das fronteiras com a Venezuela e a Guiana, tornaram o estado com muitas identidades e culturas, mesmo com o menor número populacional em comparação aos outros 25 estados brasileiros e o Distrito Federal.
Atualmente, Roraima tem 636.707 habitantes, de acordo com o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Neste aniversário do Estado necessitamos refletir sobre quem somos dentro desse mosaico, nos perguntar: qual ou quais as identidades de Roraima? Mas sobretudo, percebermos que vivemos em uma Unidade da Federação, nova, que é habitada pelos povos originários (indígenas), migrantes de todas as regiões do Brasil, migrantes venezuelanos, migrantes haitianos, pessoas oriundas da Guiana, além de pessoas de outros países das Américas e de outros continentes”.
“Dessa maneira, é importante nos conscientizarmos que existe uma multiculturalidade, que precisa ser pensada numa perspectiva intercultural crítica, estabelecendo diálogos possíveis para o bem-viver”, reforça o antropólogo Jonildo Viana.
Uma criança nascida no extremo norte do Brasil, tem vivências que giram em torno de diferentes círculos socioculturais. É chamado de “curumim” ou “cunhatã”, e cresce sabendo que o correto é “do Caburaí ao Chuí”, e não do “Oiapoque ao Chuí”.
E o roraimense também é uma junção de expressões nortistas e locais. Como o “telezé?”, quando indignado. E não é “grande”, é “maceta”. Fora o “portunhol”, uma espécie de idioma praticamente obrigatório fortalecido pela da migração venezuelana – entre tantas outras gírias que são encontradas no estado numa rápida conversa com qualquer roraimense, ou “roraimado”, como são chamados os que se auto naturalizaram.
*Por Nalu Cardoso, da Rede Amazônica RR
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Portal Amazônia e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor