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ToggleVariedade de mascarados e as cores utilizadas pelos Tikuna. Foto: May Anyely
O Ritual da Moça Nova, ou Festa da Moça Nova, é um dos rituais de iniciação mais expressivos da etnia Tikuna e a professora Cláudia de Moraes, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), mergulhou na cultura em sua pesquisa de doutorado, resultando na obra ‘O ritual da moça nova do povo Tikuna: diálogo intercultural e os direitos dos povos indígenas no Brasil’.
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O livro reúne informações sobre um dos rituais de passagem feminino mais importantes do povo indígena e parte de uma experiência pessoal da autora com a etnia Tikuna, o maior grupo indígena do Brasil, que ressignificou sua percepção sobre o ritual.
“Em uma primeira impressão me pareceu um ato de violência e a minha pesquisa inicial era tratar da violência contra a mulher indígena tikuna, tendo como plano de fundo o ritual. Quando eu comecei a pesquisar, principalmente quando eu fui assistir o ritual pela primeira vez, juntando com as minhas leituras, eu tive a compreensão de que, na verdade, não se tratava de uma violência, mas sim de um exercício da prática, de um direito à cultura e à tradição”, declarou Cláudia de Moraes ao Portal Amazônia.
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De acordo com Cláudia, o ápice do ritual é o arrancar dos cabelos das meninas, que fora de contexto pode ser visto como um ato de violência, como ela mesma chegou a pensar, mas no contexto do ritual é a prática de uma cultura que para eles é muito importante. Além disso, os rituais para os Tikunas são também exercícios de proteção, já que eles entendem que estão protegidos se os praticarem e cumprirem com aquilo que lhes foi ensinado.
Durante a pesquisa, a professora contou com o apoio do indígena Itamar, membro da etnia Tikuna e estudante de Antropologia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que “foi fundamental” na mediação entre os saberes tradicionais e o olhar acadêmico. “Ele me ofereceu não apenas a visão interna do ritual, mas também uma perspectiva antropológica valiosa”, relata Cláudia.
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Segundo ela, os líderes Tikuna receberam a pesquisa com abertura e interesse. “Quando se pede autorização de forma respeitosa, a comunidade acolhe. O cacique colocou Itamar à disposição, e isso fez toda a diferença na compreensão do que vivenciei”, afirma.
Ritual da Moça Nova
A festa da moça nova é normalmente realizado em três dias com a presença de muitas danças e instrumentos musicais feitos pelos indígenas, especialmente para a celebração. As moças que atingem a primeira menstruação naquele período ficam em isolamento dentro da suas casas, onde aprendem a arte, o artesanato e como devem ser como esposas na cultura Tikuna.
O ritual é sempre realizado entre sexta e domingo. Na sexta-feira acontecem os preparativos quando a moça é colocada em um quartinho de isolamento preparado exclusivamente para esse momento.

No sábado pela manhã são realizadas danças e por volta do meio dia as moças são retiradas do quarto de isolamento para serem apresentadas. Após a apresentação acontece a ‘pelação’, momento em que as moças tem fios dos cabelos arrancados e se recolhem.

No domingo acontece o banho de rio, quando a moça é levada em uma espécie de tapete, já que ela ainda não pode colocar os pés no chão, e é colocada dentro da água junto com todos os objetos utilizados no ritual, como uma forma de purificação.
Após o banho de rio, que o cacique e comunidade participam ativamente, ela volta para casa ciente de que cumpriu ali o que determina a etnia.
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De acordo com Cláudia, o ritual teve origem a partir de um relacionamento incestuoso em que a esposa do líder Tikuna coabitou com o cunhado, o irmão do líder, e por conta dessa infração o ritual foi instituído para a etnia.
“Em hipótese alguma, para os Tikuna pode haver casamento entre os cunhados, por exemplo, entre pessoas da mesma nação, do mesmo clã, vamos dizer assim. O ritual da moça nova serve para isso, ele institui um impedimento dos relacionamentos incestuosos dentro da comunidade e é também um ato de obediência, porque elas precisam obedecer a liderança”, declarou a pesquisadora.
O livro

A escrita do livro, desenvolvido durante a pandemia, representou um desafio, segundo Cláudia. Ela afirma que, ainda assim, o processo “foi profundamente gratificante”.
“Foi difícil, sim, mas extremamente prazeroso a partir do momento em que compreendi que o ritual da moça nova não era um ato de violência, como imaginei inicialmente, mas um ato de fortalecimento da etnia, da tradição e da cultura do povo Tikuna”, destacou.
A obra é resultado de sua tese de doutorado e foca especificamente no ritual, embora a autora também defenda, de forma mais ampla, o direito dos povos indígenas de manterem e praticarem suas tradições culturais.
Ela ressalta que a compreensão sobre o que é ‘direito’ também se transformou ao longo da pesquisa. Para a professora, impedir que os povos indígenas realizem seus rituais é uma forma de violência, pois esses rituais estão diretamente ligados à identidade, à intimidade e à proteção espiritual das comunidades.
“Meu desejo é que os leitores não indígenas se apaixonem por essa cultura e reconheçam a importância da preservação das práticas originárias. Os povos indígenas não só protegem o nosso meio ambiente, mas também carregam um saber ancestral essencial para o nosso país”, finaliza.
O lançamento aconteceu nesta quinta-feira (17), na Galeria de Artes do ICBEU Manaus, na Avenida Joaquim Nabuco, 1286, no Centro da capital amazonense.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Portal Amazônia e são de total responsabilidade do autor.
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