Obras visuais selecionadas pelo Muluca, projeto de arte independente de Rondônia, ampliam em exposição as narrativas sobre os impactos na fauna, flora e no cotidiano das pessoas atingidas pela seca histórica na região. A imagem gráfica acima faz parte da identidade visual do projeto ( Foto: reprodução @muluca).
Manaus (AM) – A memória da seca extrema que atingiu os rios da bacia amazônica ainda ressoa. Indígenas e ribeirinhos foram os mais afetados pela estiagem que se intensificou na Amazônia em 2023, em um processo que resultou em calor e fumaça de queimadas que avançaram para os centros urbanos.
Para ampliar para o resto do Brasil as narrativas sobre os impactos na fauna, flora e no cotidiano das pessoas atingidas pela seca histórica na região, a iniciativa “Sonhar o rio: do direito à luta pela paisagem” propõe uma discussão sobre a preservação dos rios amazônicos e a educação ambiental.
Organizada pelo Muluca – mundo-lugar-casa, projeto de arte independente sem fins lucrativos criado em Porto Velho, Rondônia, a exposição virtual será exibida ao longo de todo o mês de junho nas redes sociais, com apoio institucional da Bienal das Amazônias.
“Sonharmos os rios numa experiência coletiva é mais uma oportunidade de materializar alguns pensamentos que permeiam o Muluca desde quando o projeto nasceu, em 2021, utilizando as artes e as museologias como ferramentas de reflexão sobre a relação das pessoas com a Amazônia”, explica Gabriel Bicho, artista visual e idealizador do projeto.
As atividades são desenvolvidas desde fevereiro e incluem a realização de intervenções urbanas em lambe-lambe nas ruas de Porto Velho (RO), Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), Florianópolis (SC) e Fortaleza (CE), em busca de dialogar com a população sobre as mudanças climáticas que afetam a região Norte.
Também serão contempladas ações socioeducativas a partir das obras selecionadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, o projeto irá ocupar o Museu Nacional de Belas Artes com uma exposição em lambe-lambe, além de uma roda de conversa pública com a presença dos curadores e artistas convidados.
Artes que sonham os rios
Obra “Dentro de mim mora um rio” de Jinnie Anne Pak, faz parte do projeto (Foto: Reprodução @muluca).
A exposição apresenta as obras de 15 artistas visuais brasileiros e não-brasileiros que refletem sobre as relações com os rios e a devastação da natureza. São eles: Ana Sábia (SC), João Ferré (GO), Soph Divina (SP), Maria Tereza (ES), Jinnie Anne Pak (SP), Rick Rodrigues (ES), Amanara Brandão Lube (RO), Ederson Lauri (RO), Thalyta Alvaroz (CE), Kali (RO), Roma Brito (PA), Isabela Sá Roriz (RJ), Josiel Juruna (PA), Clara Nogueira (AM) e Daris Rubio (México).
Comunicador indígena do povo Juruna, Josiel Juruna denuncia em sua fotografia com o título “Guardando o rio” a morte do rio Xingu, na região de Volta Grande do Xingu, no Pará. Olhando para o rio, a sobrinha do fotógrafo parece estar pensando sobre o antes e o depois das águas na aldeia Muratu, na Terra Indígena Paquiçamba.
Naquela região, o rio sofre os impactos da construção de uma barragem da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Os Juruna possuem uma relação especial com o Xingu, considerado essencial para a manutenção do modo de vida tradicional. Belo Monte trouxe uma seca permanente à região de Volta Grande, comprometendo a pesca e a navegação.
Há ainda a denúncia da crise climática. Segundo Josiel, as árvores e a vegetação que existiam no Xingu estão desaparecendo.
“O nosso rio está morrendo aos poucos por causa da barragem. A fotografia mostra de alguma maneira que o nosso rio está sofrendo e que nós podemos o perder daqui há uns anos. O rio é o nosso bem mais precioso”, diz Josiel.
A intenção, de acordo com o comunicador, é divulgar para um público mais abrangente como a questão climática impacta o território. “A questão climática está sendo uma luta para todos e temos que começar a divulgar pelas artes, fotografias e vídeos. Para que a gente consiga uma forma de preservar a Amazônia”.
De Manaus, no Amazonas, a fotógrafa Clara Nogueira apresenta a obra “Rio/Estrada”, uma série de fotografias registradas na estrada AM 070, que interliga a capital ao município de Iranduba.
As fotos se passam em três períodos distintos: uma delas foi tirada durante a cheia dos rios no Amazonas e as outras duas durante a seca histórica. A última foto capta ainda o período de queimadas no interior amazonense e a destruição de duas balsas de garimpo ilegal ao fundo.
“Diante dessa convocação sobre o sonhar, me pareceu contraditório e ao mesmo tempo urgente usar esse verbo ao se referir a nossa realidade amazônida. Como sonhar perante um cenário de fome, escassez e seca?”, questiona a artista.
Para ela, a arte é uma forma de inspirar, estimular discussões, fazer sonhar e lutar. “Em tempos em que o pessimismo e a resignação se fazem muito presentes, especialmente no que se refere às mudanças climáticas, a arte é uma forma poderosa de sensibilizar e comunicar com diferentes públicos, amplificando as vozes de quem mais sofre as consequências dessas mudanças”.
Kali, artista visual de Porto Velho, em Rondônia, experimentou em sua obra as reflexões sobre o rio Madeira. A artista costumava ir em igarapés e cachoeiras nesse mesmo rio. Eram finais de semana que passava com sua família e conhecia amigos. No entanto, a construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira mudou essa realidade.
“Depois da hidrelétrica, isso foi brutalmente tirado de nós. Eu imagino como é ser uma criança e não ter esse privilégio que eu pude ter. O rio é uma conexão espiritual e cognitiva diferente de qualquer outra coisa, é preciso contar mais histórias sobre o rio, caso contrário perderemos essa memória que é também uma identidade”.
A sua fotografia, “O rio”, se baseia nas denúncias sociais e políticas das relações com o rio Madeira. “Registrar os rios de modo ficcional ou não implica em educar a juventude do futuro que esperamos”, descreve.
O projeto teve curadoria de Gabriel Bicho, que também é artista visual, e Edison Arcanjo, artista e pesquisador. Os curadores selecionaram obras que dialogam com o tema da chamada, “contribuindo para a ampliação dos sonhos, cujo desejo maior é muito evidente: proteger, preservar e lutar pelo nosso bioma”.
Mundo-lugar-casa
Para o Muluca, a arte pela justiça climática e pela preservação da Amazônia é uma ferramenta utilizada para dar forma, nome e corpo a sensações, percepções ou denúncias que, por um motivo ou outro, passam despercebidas aos olhares mais desatentos. “Por isso, ao utilizar dela [arte] para discutir as questões dos rios – seca, cheia, poluição, mudanças, garimpo – nós procuramos chamar atenção para os efeitos que eles sofrem por causa da influência da mão humana”, diz o coordenador Gabriel Bicho.
O projeto já esteve no Amazônia Mapping (2023), SP-Arte (2022) e foi contemplado com o Prêmio Museu é Mundo, em 2021. A chamada aberta “Sonhar o rio: Do direito à luta pela paisagem” tem apoio institucional da Bienal das Amazônias, patrocínio do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro e parcerias com a Pró-reitoria de cultura, extensão e assuntos estudantis (Procea) da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e a Secretaria de Cultura, Arte e Esporte da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Serviço
Título: “Sonhar o rio: Do direito à luta pela paisagem”
Exposição virtual: https://www.instagram.com/mundolugarcasa
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