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Amarildo da Costa de Oliveira (à esquerda), é réu no caso Bruno e Dom (Foto: Reprodução/Re1de Amazônica)

Réus confessos do caso Bruno e Dom vão a júri popular

Juiz federal Wendelson Pereira Pessoa, da Comarca de Tabatinga, decidiu que Amarildo da Costa Oliveira, Oseney da Costa de Oliveira e Jefferson da Silva Lima serão julgados no Tribunal do Júri, ainda sem data marcada (Fotos: José Medeiros/Agência Pública; Reprodução Tv Globo e Avener Prado/Agência Pública).


Manaus (AM) – Em 27 páginas, o juiz  federal Wendelson Pereira Pessoa, da Comarca de Tabatinga, decidiu que Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, Oseney da Costa de Oliveira, o “Dos Santos”, e Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, vão a júri popular. A sentença, já esperada, ocorre depois de 484 dias do brutal assassinato do indigenista Bruno Pereira, e do jornalista britânico Dom Phillips, na região do Vale do Javari (AM). “Pelado” e Jefferson são réus confessos dos crimes de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver, em 5 de junho de 2022. Os três acusados permanecerão em prisão preventiva em penitenciárias federais de segurança máxima até o julgamento, ainda sem data marcada.

Apesar de a defesa dos réus insistir na tese de legítima defesa (Leia abaixo), alegando que reagiram a um ataque iniciado por Bruno Pereira, Wendelson Pereira afirmou, na segunda-feira (2), que cabe ao júri popular decidir sobre a autoria e as circunstâncias dos crimes. O magistrado afirmou que decidiu pelo tribunal do júri com base em “um exame de probabilidade, e não de certeza, acerca da existência de prova da materialidade de crime doloso contra a vida”. Em outras palavras, as provas apresentadas pelo Ministério Público Federal foram suficientes para convencê-lo de que há grandes chances de o crime ter sido praticado pelo trio que está preso.

Na sentença, ao qual a Amazônia Real teve acesso, o juiz ressalta ter baseado sua decisão em laudos periciais, a maioria feitos pela Polícia Federal (PF), que indicam a “materialidade dos homicídios e das ocultações de cadáveres”. Um deles, inclusive, indica como tudo ocorreu: 

A. Emboscada das vítimas sobre embarcação, na margem direita do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte;

B. Ocultação dos pertences das vítimas em área de igapó, atrás da residência de um dos suspeitos e à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte:

C. Afundamento da embarcação das vítimas à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte, próximo da comunidade Cachoeira;

D. Transporte dos corpos das vítimas para o local de queima, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel:

E. Transporte dos corpos para inumação, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel;

F. Ocultação de instrumentos possivelmente utilizados na queima e no enterramento dos corpos, atrás da comunidade São Gabriel.

O documento de sentença de pronúncia é rico em detalhes da confissão dos réus. Durante um interrogatório, Amarildo disse que a decisão de matar o indigenista Bruno Pereira decorreu do fato de a vítima ter tirado uma fotografia sua e de sua embarcação, afirmando que aquela era “a embarcação do invasor”.  O jornalista britânico Dom Phillips teria morrido por estar junto do indigenista, que já era visado pelos pescadores de Atalaia do Norte (AM), conforme a Amazônia Real relatou em diversas reportagens durante a cobertura do caso. 

O documento traz ainda, em outro momento, o diálogo entre os réus confessos, quando Amarildo chamou o colega para cometer o crime. “Bora, ‘Chico’ (Jefferson), é hoje que eu vou me vingar desse cara”, disse referindo-se ao indigenista. Na confissão, os réus disseram que levaram aproximadamente quatro horas para escavar o terreno e enterrar os corpos do jornalista e do indigenista.

A última audiência do caso aconteceu em 27 de julho deste ano. Foram três sessões naquele mês, nos dias 17, 20 e 27. Na ocasião, a Justiça Federal realizou novas audiências atendendo à defesa dos réus, que alegava que nem todos as testemunhas haviam sido ouvidas. No último dia ocorreu um novo depoimento dos réus, mas na ocasião, eles optaram por ficarem em silêncio. 

Para justificar a manutenção da prisão dos réus, o juiz de Tabatinga afirmou que “a garantia da ordem pública estaria em risco com a soltura dos réus”, já que o crime teve repercussão internacional. “Soltar os réus quando a instrução processual provou indícios do cometimento de dois homicídios seguidos da ocultação de cadáveres causaria comoção popular”, declarou.

A tese da legítima defesa   

À Amazônia Real, o advogado Américo Leal – integrante da banca de defesa dos réus, que é composta por Gilberto Alves, Larissa Rubim e Lucas Sá, e todos sob comando da advogada Goreth Rubim – comentou a decisão da Justiça Federal de Tabatinga (TRF1). “A decisão não é justa. Existem outros recursos a interpor”, comentou. Leal atuou na defesa do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado a 30 anos de prisão pelo assassinato da missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang.

A defesa do trio no caso Bruno e Dom chegou a emitir uma nota detalhando os recursos que pretende buscar junto à Justiça. “Além dos embargos de declaração, ainda caberá recurso para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e para o STF [Supremo Tribunal Federal]”, disse a nota descrevendo o caminho que o processo deve fazer a partir de agora.

A defesa de Amarildo, Osney e Jefferson classificou a decisão como “omissa e contraditória com o que há no processo”, e disse que por conta disso, apresentará o recurso de embargos de declaração para que o próprio juiz possa melhor decidir sobre as questões levantadas pela defesa.

Nos autos, a defesa dos réus chegou a pedir a exclusão da qualificadora da emboscada, um fato que a Amazônia Real denunciou desde 7 de junho de 2022. Pediu ainda a absolvição dos acusados, afirmando que foi “devidamente comprovado que agiram em legítima defesa após terem sido surpreendidos por tiros de arma de fogo de Bruno Pereira”.

O advogado da família do indigenista Bruno Pereira, João Calmon, comentou a decisão de levar o caso para o júri popular. “Recebemos com serenidade e confiança nos próximos passos da instrução processual”, disse. “Há prazo para interposição de recurso por parte dos réus, de acordo com o artigo 581 do Código de Processo Penal. Enfrentada esta questão, os autos serão remetidos ao Tribunal do Júri.”

A Amazônia Real procurou o advogado da família do jornalista britânico Dom Phillips, Rafael Fagundes, para comentar a decisão, mas até a publicação da reportagem ele não havia retornado o contato. 

O procurador jurídico da União Nacional dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliésio Marubo, se manifestou por meio de nota sobre o caso. “Sobre a decisão da Justiça de levar os réus dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips à júri popular, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) reforça, mais uma vez, que a decisão já era esperada, tendo em vista a condução do processo”, disse. 

Marubo disse confiar na Justiça e nas instituições do que estão envolvidas na resolução do caso. “Aguardamos a continuidade das investigações e pedimos que a justiça seja feita”, finalizou.

Histórico do crime

Bruno Pereira e Tom Philips em Atalaia do Norte (Foto: Gary Carlton/The Observer).

Bruno Pereira e Dom Philips foram dados como desaparecidos no domingo 5 de junho de 2022, na data em que é comemorado o Dia Mundial do . O crime ocorreu durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que por sua vez, só ordenou a busca ao indigenista e ao jornalista depois de 24 horas, por causa da pressão da mídia internacional e das redes sociais. 

Dom Phillips trabalhava como colaborador do jornal The Guardian. Bruno Pereira era servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) e estava trabalhando em um projeto da Univaja, que capacitava uma equipe de vigilância para os próprios indígenas protegerem suas terras. 

Bruno e Dom foram mortos em uma emboscada, mas seus corpos só foram localizados 10 dias depois. O jornalista e o indigenista foram mortos a tiros, tiveram seus corpos esquartejados e queimados, conforme denúncia do MPF. 

O crime foi em represália às denúncias de que os ribeirinhos estavam invadindo a Terra Indigena (TI) Vale do Javari, no Amazonas, para pescar ilegalmente pirarucu e tracajás (quelônios da Amazônia). O jornalista britânico estava investigando o caso e, para isso, contava com a ajuda do indigenista brasileiro. Na sentença, o juiz afirma que no caso que vai a júri popular não será incluído a análise do mandante do crime, já destacado como um chefe de uma máfia de pescadores ilegais no Vale do Javari.

Do MPF, o magistrado manteve em sua sentença essa descrição sobre o mando do crime: “Restou igualmente comprovada a ligação de Amarildo com Rubén Darío da Silva Villar (vulgo “Colômbia”, que também apresentava identidade falsa como Rubens Villar Coelho). Colômbia é responsável pelo financiamento dos pescadores, fornecendo-lhes os materiais necessários para a pesca e caça ilegais”.

A defesa tentou pedir a nulidade do processo, alegando que o MPF não foi capaz de mostrar documentos que provassem que “Colômbia” teria feito pagamento aos acusados das mortes de Bruno e Dom, o que atestaria ser um crime de mando. O magistrado Wendelson Pereira Pessoa afirmou que essas afirmações são da autoridade policial (PF) e são objeto de outro inquérito, não cabendo anular o caso que agora vai a júri popular.

No dia em que foram assassinados, Bruno e Dom passaram na comunidade ribeirinha de São Rafael, localizada no município de Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus), no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru. Segundo a Univaja, a última informação de avistamento deles é da comunidade São Gabriel, que fica rio abaixo da comunidade São Rafael. 

Repercussão mundial

Amarildo da Costa de Oliveira (à esquerda), é réu no caso Bruno e Dom (Foto: Reprodução/Re1de Amazônica)
Amarildo da Costa de Oliveira (à esquerda), é réu no caso Bruno e Dom durante a audiência de instrução (Foto: Reprodução/Rede Amazônica) .

O primeiro réu a confirmar participação no crime foi o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, em depoimento no dia 14 de junho. O irmão de “Pelado”, Oseney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”, negou envolvimento com o crime. No dia 17 de junho de 2022, a PF chegou a afirmar que apenas os irmãos Amarildo e Oseney de Oliveira eram os autores do duplo homicídio, e que não havia um mandante do crime. Versão, que foi contestada pela Univaja.

O terceiro suspeito de participação no crime, Jefferson Lima da Silva, vulgo “Pelado da Dinha”, foi preso no dia seguinte. “Pelado” e Jefferson da Silva admitiram às autoridades policiais que mataram, esquartejaram e queimaram os corpos de Bruno e Dom, escondendo os restos mortais na floresta que margeia o rio Itacoaí.O assassinato brutal na floresta amazônica deu origem ao “Projeto Bruno e Dom”, da organização internacional Forbidden Stories  que, antes que o crime completasse um ano, criou um consorcio internacional para dar continuidade ao trabalho de jornalistas assassinados ou sob ameaça. A Amazônia Real foi convidada a integrar o consórcio, formado por 16 veículos de comunicação de dez países. Na ocasião, a agência publicou as reportagens especiais sobre a BR-319, sobre a exploração de ouro no rio Madeira, e sobre a criação do grupo Guerreiros da Floresta, também no Vale do Javari.


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