Foto: Reprodução/Acervo do projeto
A Amazônia passa por um período crítico de aumento da degradação florestal. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), somente em agosto foram 38.266 focos de queimadas, cerca de 120% a mais do que no mesmo período do ano passado. O cenário é de avanço da devastação, porém a ciência aponta que há caminhos para promover a proteção e a restauração do bioma a partir do fortalecimento das comunidades e saberes locais.
Uma proposta da metodologia de restauração florestal biocultural foi elaborada e testada com sucesso em estudo desenvolvido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em parceria com indígenas de quatro aldeias Tupinambá no oeste do Pará, na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns.
O projeto analisou o efeito de incêndios frequentes em florestas de terra firme e a percepção das comunidades indígenas sobre a degradação a fim de propor uma metodologia de restauração com articulação de conhecimentos científicos e tradicionais. Os resultados reforçam a compreensão dos efeitos em larga escala do fogo. Nas áreas estudadas, a biomassa acima do solo diminuiu 44% nas florestas queimadas uma vez e 71% nas afetadas duas vezes, com perdas de biodiversidade que variam de 37% a 51%.
“Florestas queimadas tornam-se mais vulneráveis a novos incêndios, criando uma espiral de degradação e vulnerabilidade social, com potenciais efeitos devastadores para territórios, comunidades e serviços ecossistêmicos oferecidos pela floresta”, explica Ima Célia Vieira, doutora em Ecologia e pesquisadora do Museu Goeldi, onde coordenou o projeto ‘Recuperação de áreas degradadas por incêndios florestais em comunidades/aldeias indígenas no oeste do Pará’. O resultado alcançado virou capítulo no e-book ‘Avanços no conhecimento sobre monitoramento, ecologia e manejo integrado do fogo – o legado da chamada CNPq-PREVFOGO-Ibama 33/2018′.
A atenção para os povos e comunidades tradicionais da Amazônia se justifica pela vulnerabilidade dessas populações aos impactos da degradação, assim como o protagonismo que elas têm mostrado na defesa dos territórios e da biodiversidade. Dados do MapBiomas revelam que, de 1985 a 2023, as Terras Indígenas (TIs) foram as áreas mais preservadas do Brasil, com perda de apenas 1% de sua vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a redução foi de 28%.
No contexto do projeto, os indígenas Tupinambá das aldeias Muratuba, Juarituba, Mirixituba e Jaca elaboraram um plano de restauração que busca transformar as áreas degradadas em florestas sociais. A abordagem é denominada biocultural, pois combina o manejo da regeneração natural com o enriquecimento da floresta com espécies úteis para as comunidades, fortalecendo a produção local e os múltiplos valores que a floresta oferece.
“A restauração biocultural tem o potencial de transformar florestas degradadas pelo fogo em florestas sociais de uso múltiplo, em diálogo com a ciência, e empoderar as organizações comunitárias para ampliar o seu protagonismo em projetos socioambientais na Amazônia”, afirma Ima Vieira, que atualmente coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia NEXUS. No âmbito deste INCT será organizada a rede de restauradores, que irá ampliar e diversificar a iniciativa realizada no Tapajós.
O estudo ‘Os motores e impactos da degradação da floresta amazônica’, publicado na revista Science, aponta que a degradação ameaça 38% das florestas remanescentes na Amazônia. É nessas florestas que a restauração biocultural pode ser adotada, sobretudo em territórios coletivos, como é o caso de Tis, territórios quilombolas e Resex.
O avanço do fogo aliado à exploração madeireira ilegal são os principais indicativos da tendência de aumento da degradação florestal, que é caracterizada pela perda de qualidade das florestas remanescentes onde há queda de serviços ecológicos, climáticos, econômicos e sociais.
Por exemplo, as áreas afetadas emitem mais CO2 por ano; liberam um terço a menos de água para a atmosfera, o que dificulta a formação de chuvas; e possuem as maiores perdas de biodiversidade, como demonstra os dados sistematizados neste policy brief produzido por especialistas de diversas instituições científicas, incluindo o Museu Goeldi.
O documento apresenta ainda recomendações para políticas públicas, como a necessidade de monitoramento e divulgação dos números relacionados à degradação, a criação de mecanismos de incentivo à qualidade das florestas em reservas legais, a criação de fundo emergencial para prevenção e combate ao fogo em anos de secas extremas e a incorporação dessa agenda no Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAm).
Um dos objetivos dessas propostas é direcionar esforços para os territórios onde a degradação está mais concentrada. Segundo os estudos, de 2018 a 2022, mais da metade da degradação florestal na região ocorreu em apenas 25 municípios, entre eles: São Félix do Xingu, Altamira, Paragominas, Novo Progresso, Santarém e Santana do Araguaia, no Pará. Além disso, essa atenção às localidades pode ajudar na construção de respostas que levem em conta os impactos em aspectos ambientais e socioeconômicos do problema, como avalia Ima Vieira.
“Os incêndios florestais são prejudiciais aos ecossistemas florestais e às comunidades locais. A passagem do fogo reduz temporariamente a quantidade de biomassa, afeta a composição das espécies e ameaça os meios de subsistência locais, uma vez que queima as áreas de extrativismo”, analisa Ima Vieira, que também assessora a FINEP em temas relacionados à Amazônia.
*Com informações do Museu Goeldi
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