Produzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Fundação para a Liberdade de Imprensa (Flip), da Colômbia, documento aborda questões como os riscos físicos, as dificuldades geográficas e econômicas e a censura como ameaças ao jornalismo. Na foto acima, cobertura fotojornalistica da ação noturna de agentes do GEF do IBAMA, com apoio da PRF e Forças Armadas, contra o avanço do garimpo na Terra Indígena Yanomami (Foto: Bruno Kelly/Ibama/Abril 2023).
O Brasil e a Colômbia são os países em que mais líderes ambientais são assassinados anualmente, como comprova relatório publicado em 2023 pela ong internacional Global Witness. Segundo o documento, dos 177 assassinatos de líderes ambientais em todo o mundo em 2022, 60 ocorreram na Colômbia e 34 no Brasil.
Além da violência explícita, que coloca em risco a integridade física dos que buscam retratar essa realidade, os jornalistas da Amazônia lidam diariamente com questões como as barreiras no acesso à informação e as dificuldades geográficas e econômicas.
Diante desse quadro, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Fundação para a Liberdade de Imprensa (Flip), da Colômbia, se uniram para produzir o relatório “O papel do jornalismo na defesa da Amazônia: uma análise comparativa do Brasil e da Colômbia”, lançado esta semana.
O documento analisa as condições que afetam o direito à liberdade de expressão, com foco no jornalismo e em outras formas de produção de informações de interesse público, na Amazônia Ocidental brasileira e na Amazônia colombiana. E ressalta a importância do jornalismo ambiental para a proteção dos direitos dos povos indígenas e combate a atividades ilegais que ameaçam a existência da floresta e seus habitantes.
Foram realizadas 42 entrevistas na Colômbia e 22 no Brasil com jornalistas e membros de organizações da sociedade civil locais e nacionais. Para produzir o trabalho, a Abraji e a Flip também analisaram documentos e mapearam os meios de comunicação nas duas regiões.
O capítulo dedicado à Amazônia Ocidental brasileira destaca que os conflitos locais são marcados pela exploração da floresta, como o desmatamento e o garimpo ilegal, e também por questões fundiárias e violência ligada a facções criminosas.
A jornalista Kátia Brasil, cofundadora da Amazônia Real, foi uma das entrevistadas e abordou os riscos enfrentados pelos jornalistas que trabalham na região, com ameaças que vêm de grupos criminosos e dos poderes político e econômico.
“Dizem que a imprensa é o quarto poder. A gente tem, realmente, um poder grande de contar as verdades sobre o que acontece na sociedade. [Mas, com a violência,] todas são violadas: a liberdade de imprensa e de expressão, porque essas pessoas [com influência política e econômica] se acham no direito de fazer o que querem com o trabalho do jornalista”, afirmou.
Outro jornalista entrevistado, que preferiu não ter o nome publicado, relatou ameaças sofridas em Roraima, o estado em que atua. Ele tem medo de morrer por causa do trabalho que realiza. “Tenho conhecimento de colegas que tiveram que ir embora do estado por ameaças de morte, por conta de garimpeiros”, contou.
O jornalista Alan Alex, de Rondônia, editor do site Painel Político, precisou deixar o estado devido às ameaças que recebia. “A gente trata de cidades que têm cinco, dez, quinze mil habitantes. Nessas cidades, o jornalista mora, praticamente, ao lado do comerciante ou do político que está denunciando. Assim, fica sujeito a sofrer ameaças ou coação de qualquer espécie, de uma forma muito rápida e brutal. Isso inibe o jornalismo na região amazônica. A gente tem pouquíssimos jornalistas que fazem um trabalho independente. A grande maioria se resume a reproduzir releases”, afirma.
O relatório “Amazônia: Jornalismo em Chamas (2023)”, publicado pela Repórteres Sem Fronteiras, mostra que de 30 de junho de 2022 a 30 de junho de 2023 foram registrados 66 casos de ataques à imprensa nos nove estados da Amazônia Legal, 16 deles ligados a cobertura de temas como agronegócio, mineração, povos indígenas e violações de direitos humanos.
E, além disso, as características geográficas da região muitas vezes dificultam o trabalho dos jornalistas devido às distâncias e ao tamanho do território.
Para Catarina Barbosa, jornalista investigativa amazônida que faz parte da diretoria da Abraji, a inacessibilidade é, em certa medida, intencional e estrategicamente pensada para facilitar a dominação. “O termo certo é invadido. Para poder ser usurpado, ter seus minérios explorados, para poder colocar gado em cima, plantar soja para um lucro que a gente está acostumado a ver nos noticiários e que acontece o tempo todo”, diz sobre o território da Amazônia.
“Os jornalistas que estão operando nesse contexto têm que fazer um cálculo permanente de até onde podem ir ou não. Ao contar determinadas histórias, quais são os calos que vão estar pisando, quais as potenciais represálias que grupos de poder podem gerar e como isso vai impactar seu trabalho”, afirma Artur Romeu, diretor do escritório da Repórteres Sem Fronteira para a América Latina.
As dificuldades para obter financiamento também afetam o jornalismo amazônico, assim como a interferência de políticos locais. “A falta de investimentos enfraquece meios e iniciativas de comunicação locais, que lutam para se manter funcionando com pouco dinheiro”, afirma trecho do relatório.
Censura

Outra dificuldade apontada no documento são as tentativas de censura contra o trabalho jornalístico por meio do Poder Judiciário. “O assédio judicial é uma estratégia que vem sendo cada vez mais usada para minar a liberdade de expressão e de imprensa, usando um mecanismo do próprio Estado democrático para tanto”, diz o relatório.
O jornalista Lúcio Flávio Pinto, do Pará, referência em jornalismo investigativo sobre crimes contra o meio ambiente e colaborador da Amazônia Real, enfrentou, entre 1992 e 2012, mais de 30 ações judiciais.
O relatório destaca também que a Amazônia Real teve uma reportagem censurada, em 2022, por tratar da irregularidade de uma embarcação que navegava pelo rio Amazonas, promovendo uma festa durante a pandemia de Covid.
Dom e Bruno

O crime contra o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, assassinados no Vale do Javari em 2022, é abordado no relatório a partir do ponto de vista de jornalistas que vivem na região e ainda lidam com o abandono e a insegurança.
“O caso chegou como uma bomba aqui na cidade”, descreveu Nailson Tarzon, jornalista de Atalaia do Norte, município onde ocorreram as mortes.
Ele foi um dos primeiros a receber a notícia do desaparecimento dos dois e lembra que o caso teve um grande impacto na região. No entanto, as promessas de melhorias em políticas públicas de proteção não foram concretizadas.
Radialistas e comunidades da região descrevem dificuldade de acesso a informações, que muitas vezes são enviadas primeiro a profissionais de fora, em um menosprezo ao trabalho que realizam.
Para garantir a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, a agência de jornalismo independente e investigativa Amazônia Real não recebe recursos públicos, não recebe recursos de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas com crime ambiental, trabalho escravo, violação dos direitos humanos e violência contra a mulher. É uma questão de coerência. Por isso, é muito importante as doações das leitoras e dos leitores para produzirmos mais reportagens sobre a realidade da Amazônia. Agradecemos o apoio de todas e todos. Doe aqui.
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