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ToggleImagine se, em áreas de conflito pelo uso da água, a gestão das outorgas fosse retirada do poder público e passasse a ser feita por entes privados, especialmente grandes usuários, como fazendas e indústrias? Pois essa é a proposta do Projeto de Lei (PL) nº 754/2015, de autoria do deputado Antonio Carlos Arantes (PL), que visa instituir uma Política Estadual de Agricultura Irrigada Sustentável.
Com quase nove anos de existência, o PL voltou a tramitar com rapidez na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em dezembro passado. Na última quarta-feira (8), foi aprovado na Comissão de Minas e Energia, sob relatoria de Gil Pereira (PSD), depois da aprovação da Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária.
O novo texto, com 59 artigos, vai passar ainda pela Comissão de Agropecuária e, em seguida, pode ser levado novamente a Plenário. A primeira votação ocorreu no dia 7 de maio, recebendo 42 votos sim, 15 não e zero branco. Os contrários constituem as bancadas do PT, PSOL, PCdoB, PV e Rede.
O ambientalista Rodrigo Lemos, professor de planejamento ambiental da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus Rio Claro, explica que são muitos e graves os riscos que o projeto, abraçado pela direita e extrema direita mineira, trazem para a segurança hídrica do estado.
“Esse PL mistura duas pautas: a outorga coletiva e um programa de agricultura irrigada sustentável em Minas Gerais. Os dois tem problemas”, aduz, para então se fixar sobre as contradições da outorga coletiva proposta com qualquer planejamento responsável dos recursos hídricos, especialmente em áreas de conflitos, que são aquelas onde não há mais, em tese, volumes outorgáveis de água, às quais o projeto se destina.
“O primeiro problema é que ele cria a possibilidade de que pessoas jurídicas, instituídas a partir de usuários de água, façam a gestão da oferta e das estruturas hídricas. Isso cria um problema muito grande, porque você joga a lógica de gestão dos recursos hídricos para o ente privado. Você coloca para o ente privado a questão do bem público. Isso é muito complexo. Principalmente para o monitoramento e com todos os déficits hídricos que a gente já tem”.
Nessa proposta, complementa Rodrigo Lemos, os comitês de bacia hidrográficas seriam apenas órgãos consultivos, em algumas situações. “Caso esse projeto prossiga, acredito que uma forma de amenizar o problema é classificar essas outorgas coletivas como outorgas de grande porte, que, pela 13.199 [Política Estadual de Recursos Hídricos, de 1999] tem que ter a validação do respectivo comitê de bacia”.
Áreas em conflito
E quais são e onde estão as áreas passíveis de aplicação do PL? O texto traz a definição de área de conflito como “a sub-bacia em que for constatado tecnicamente que a demanda pelo uso de recursos hídricos é superior à vazão ou ao volume disponível para a outorga de direito de uso”, o que, segundo Rodrigo Lemos, abre margem para um universo de áreas maior do que o já reconhecido pelo Igam.
No mapa do órgão, existem 102 áreas de conflito, distribuídos pelas seguintes bacias hidrográficas: Rio Parnaíba (59); Rio São Francisco (39); Rio Grande (1); Rio Doce (1); Rio Pardo (1); e Rio Jequitinhonha (1).
“O mapa do Igam é um ato formal de declaração de conflito, mas o PL não apresenta a metodologia que será adotada para comprovar tecnicamente onde ‘a demanda é maior que a oferta’. E essa análise não existe para o estado de Minas Gerais com clareza e tranquilidade, principalmente porque para fazer essa avaliação a gente usa a base de dados de outorga, que é uma base de dados muito deficitária em relação aos usos, ela consegue pegar praticamente apenas os grandes usuários”.
Entre as áreas nitidamente em conflito, mas não mapeada pelo Igam está o Alto Rio das Velhas, que abastece a região metropolitana de Belo Horizonte. “O comitê [da bacia hidrográfica] já reconheceu em mais de um momento, no plano diretor de recursos hídricos e em oficio para o próprio Igam, que a oferta e a demanda não são mais compatíveis. Mas a gente tem uma complexidade muito grande [para formalização do conflito pelo Igam], por conta da tolerância para captação de água para Belo Horizonte”, expõe.
Situações como essa, salienta Rodrigo Lemos, gera cenários muito complexos. “Por exemplo, a retirada de água de Bela Fama, que não consegue manter vazão residual posterior a esse ponto. Ou seja, a gente retira tanta água, que a que sobra no rio é muito pouquinha, comparada à que tinha. Isso é muito ruim para a dinâmica ambiental e de manutenção dos cursos d’água”.
Licenciamento ambiental
Acrescenta-se a esse caldeirão de problemas o fato de que a outorga é um instrumento com um déficit de adesão muito grande, principalmente entre os pequenos usuários, que são menos estruturados para requisição das outorgas. “Até recentemente, o Igam [Instituto Mineiro de Gestão das Águas] diz que a gente tinha 20% de usos outorgados, que estão com os grandes usuários, grandes irrigantes, indústrias, empresas, saneamento, tratamento. O pequeno agricultor tem dificuldade muito grande de fazer valer esse cadastro, seja de uso insignificante, seja de outorga efetiva”, explica.
Outro ponto muito preocupante é o que propõe que as estruturas de irrigação passem a ser consideradas de interesse público. “Isso flexibiliza o licenciamento ambiental de várias intervenções em áreas de relevância ambiental, de interesse ambiental etc.”, pontua.
Nesse aspecto, ressalta, há que considerar a grande limitação atual para garantir a produção de água e os sistemas ecológicos. “O PL não coloca quais serão as sanções negativas que o usuário outorgado sofreria, caso não mantenha por exemplo vazão residual. Isso tem que estar muito claro no processo, assim como a lógica de monitoramento”.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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