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Presidente do Ibama não descarta exploração de petróleo na Foz do Amazonas

Presidente do Ibama não descarta exploração de petróleo na Foz do Amazonas

Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, Rodrigo Agostinho também sinalizou preocupação com falhas estruturais para responder a eventuais acidentes ambientais, mas disse que veto não foi pessoal. Ele também comentou o projeto de pavimentação da BR-319, que vê com preocupação (Foto: Ascom/Ibama).


Brasília (DF) – Em 2023, o Ibama (Instituto Brasileiro do e dos Recursos Naturais Renováveis) negou uma licença para a Petrobras perfurar um bloco na costa do Amapá, mas a pressão para autorizar essa exploração na Foz do Amazonas continua. A Petrobras, respaldada por setores do governo Lula, insiste na liberação para explorar combustíveis fósseis na região. Um parecer recente de técnicos do Ibama recomenda o veto ao projeto, mas o órgão ainda aguarda esclarecimentos adicionais da Petrobras antes de tomar uma decisão final, esperada para novembro.

Ciente de que a exploração de petróleo é um dos maiores calos que o Ibama tem que lidar, o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, ainda aguarda uma solução. Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, ele lembra que o Ibama não se opôs a essa exploração por conta do aquecimento global, nem por uma decisão pessoal dele. “Foi porque a estrutura de apoio a um eventual incidente estava em Belém, 860 quilômetros dessa área onde a Petrobrás quer fazer esse poço”, disse. E lembrou que 70% dos manguezais brasileiros estão na região.

Agostinho pondera a necessidade de uma transição energética, mas reconhece que “o mundo ainda usa muito petróleo, e o é um grande produtor”. A discussão sobre o licenciamento envolve ministros do governo que divergem sobre a permissão de exploração na Amazônia, em especial entre os Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, liderados por Alexandre Silveira e Marina Silva, respectivamente. Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já manifestou interesse na exploração.

À Amazônia Real, a assessoria de imprensa do Ibama disse que “o parecer produzido pela área técnica não é o único documento do processo administrativo que define a tomada de decisão do Ibama” e houve recomendação de envio do documento para a “ciência e apresentação de esclarecimentos e complementações pela empresa”.

Outro tema abordado na entrevista é o controverso licenciamento da BR-319, estrada que conecta Manaus a Porto Velho, suspenso por decisão judicial. Para Agostinho, sem uma boa governança, essa obra pode se tornar uma “grande frente de desmatamento”. 

Foz do rio Amazonas (Foto Enrico Marone/Greenpeace) e BR-319 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Rodrigo Agostinho, 47 anos, assumiu o Ibama em fevereiro de 2023. Com um histórico de defesa ambiental e passagem pela política, ele carrega consigo o desafio de enfrentar pressões por exploração de recursos naturais ao mesmo tempo que combate o desmatamento e o garimpo ilegal na Amazônia. Na entrevista, comenta ainda sobre a exploração de potássio no Amazonas e os esforços do governo para combater o garimpo. Leia a seguir a entrevista:

Amazônia Real – O Ibama vai  autorizar a exploração do petróleo pela Petrobras na foz do rio Amazonas? 

Rodrigo Agostinho – O Ibama analisa o que é entregue pelos empreendedores. No Brasil, a legislação divide o licenciamento de petróleo e gás entre os Estados e o governo federal: a exploração em terra é responsabilidade dos Estados, e no mar, do Ibama. Assim, na Bacia de Campos e na Bacia de Santos, temos mais de 80 poços perfurados anualmente, todos com licença do Ibama. A transição energética é urgente, e precisamos descarbonizar, mas o mundo ainda usa muito petróleo, e o Brasil é um grande produtor. O Ibama realiza o licenciamento poço por poço, mas não faz parte do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e, portanto, não decide sobre as estratégias energéticas do País. Nosso papel é avaliar se cada estrutura oferece segurança em caso de acidentes e a capacidade de resposta.

Essa área foi leiloada há pelo menos dez anos, e a Petrobras não é a única com projetos. Há pelo menos 20 lotes, com projetos da Petrobras e de outras empresas. Estamos falando de uma região muito grande, na margem equatorial, que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá, com cinco bacias geológicas sedimentares, algumas com atividade de petróleo há muito tempo, como no Rio Grande do Norte e Ceará. A Foz do Amazonas, em particular, é uma região sensível. Na costa do Maranhão e Pará, estão 70% dos manguezais brasileiros. É uma região desprovida de estrutura: se acontecer um acidente na Bacia de Santos, temos portos, embarcações e aeronaves próximas para uma resposta rápida. Esse foi o principal motivo para a negativa do Ibama, em maio do ano passado, ao projeto da Petrobras de perfurar um poço de pesquisa. O motivo não foi o aquecimento global ou uma decisão pessoal, mas sim a falta de estrutura de apoio, que estava a 860 quilômetros da área de perfuração, em Belém.

A Petrobras está agora apresentando novos estudos, uma nova proposta, e montando uma estrutura em Oiapoque, a cerca de 150-160 quilômetros do local, bem mais próxima a um eventual acidente. Quando a Petrobras concluir a entrega de todos os requisitos, o Ibama analisará e decidirá se autoriza ou não, com base na análise técnica da equipe. Mas, como eu disse, o Ibama não decide sobre a política energética, a gente olha projeto por projeto. Existe hoje alguma proibição de explorar petróleo naquela região? Não. Só que cada projeto tem que passar pelo licenciamento. No ano passado, negamos o pedido da Petrobras, que depois solicitou reconsideração sem apresentar novidades. Agora, com novas condições e uma base em Oiapoque, o Ibama avaliará se essas medidas são suficientes. Também é necessário um plano de comunicação social para as comunidades que possam ser afetadas por um eventual incidente ou pela operação, e isso também faz parte da análise do Ibama.

A governança da Br-319
Trabalhadores trabalham em manutenção da BR-319 no trecho entre Porto Velho e Humaitá (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Amazônia Real – Recentemente, em visita a Manaus, o presidente Lula disse que as obras de pavimentação da BR-319 vão acontecer, incluindo o trecho  mais controverso, o trecho do Meio. A sua gestão no Ibama é a favor da obra? O que pode ser feito para evitar mais devastação ambiental naquela área?

Agostinho – É uma situação muito, muito pesada. O Ibama não é a favor ou contra nenhuma obra. Ele cumpre um processo institucional de licenciamento. É um longo processo de avaliação para dizer se existe viabilidade e, se houver, quais condições seriam necessárias para que uma obra possa acontecer. A BR-319 já existe, não é uma nova estrada; ela conecta Porto Velho a Manaus e atravessa a Amazônia diagonalmente. Sem um bom projeto e governança adequados, temo que ela possa dividir a Amazônia em duas áreas distintas, facilitando o desmatamento. O governo passado emitiu uma licença prévia, que não autoriza obras, e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) ainda não protocolou o pedido de licença de instalação, nem os estudos necessários. Até agora, o único documento apresentado pelo Dnit foi um plano ambiental básico, um estudo preliminar. Portanto, o licenciamento dessa obra não está atualmente com o Ibama.

Há uma liminar que suspendeu a licença prévia temporariamente, mas a AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu, e agora o Judiciário deve decidir sobre o mérito. Na emissão da licença prévia, toda parte da governança do desmatamento não foi incluída. Entendo que foi um equívoco da gestão passada. Historicamente, quem constroi uma estrada não assume a responsabilidade pela gestão do entorno, e isso é um tema bastante controverso. No caso da pavimentação, é crucial definir quem assumiria o controle sobre a governança territorial daquela área. Existem muitas estradas no mundo que conseguiram preservar a natureza. Mas na Amazônia elas sempre foram focos de muitos desmatamento.  As duas estradas com o maior número de focos de incêndio nesta temporada são a BR-163 e a BR-270, que é a Transamazônica.

Amazônia Real – Um novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a BR-319, já foi apresentado? 

Agostinho – Não, não, nunca foi apresentado um estudo de impacto ambiental. Esse estudo é condição para que o Ibama possa fazer uma avaliação e decidir ou não pela emissão de uma licença. As informações que a gente tem é que o Dnit está fazendo esses estudos. Mas nada foi protocolado até agora. Uma vez protocolado esse tipo de estudo, o Ibama faz análise, mas não é ele que decide que obra vai ser feita. Ao mesmo tempo que autoriza muitas coisas, o Ibama também nega. 

Amazônia Real – No Amazonas, há um conflito entre a mineradora Potássio do Brasil e indígenas Mura, com parte dos indígenas sendo contrária ao empreendimento, enquanto outros são a favor. O MPF e os Mura contrários querem que o Ibama avalie os estudos de impacto, pois o empreendimento está em uma área sob estudo pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para demarcação [Terra Indígena Lago do Soares] Por que o Ibama alega que isso não é de sua competência?

Agostinho – Como aquela área ainda não foi reconhecida como terra indígena, o Ibama entende que a responsabilidade pelo licenciamento é do estado do Amazonas. O Brasil, como grande produtor agrícola, precisa de potássio e, atualmente, depende muito da importação. Por isso, há interesse em explorar essas jazidas, que se encontram a 400 metros de profundidade. Contudo, se a área for demarcada como terra indígena, a responsabilidade pelo licenciamento passaria ao Ibama, e, em tese, sequer tem a possibilidade legal de ter mineração. A Constituição Federal, no artigo 231, cria a possibilidade de mineração em terras indígenas, mas isso depende de regulamentação, que nunca foi implementada. A legislação atual é clara: a proximidade de uma terra indígena não torna automaticamente o Ibama responsável. Se a Justiça decidir que a competência é do Ibama, assumiremos a responsabilidade de avaliar a viabilidade do projeto, incluindo os estudos apresentados ao órgão estadual.

Amazônia Real – Como tem sido as ações para combater o garimpo em terras indígenas. Por que é tão difícil acabar e qual é o orçamento do Ibama para essas operações? 

Agostinho – Já destruímos mais de 2 mil balsas em dois anos e mais de 70 aeronaves dentro de terras indígenas. É um volume assustador, mas estamos lidando com dificuldades. A primeira é a ausência do Estado em muitas regiões do Brasil notadamente na Amazônia. As indústrias de informática têm comprado muito ouro com as guerras na Ucrânia e a de Israel. E o ouro subiu ainda mais, porque muitos países continuam fazendo reservas. O Brasil continua vendendo legalmente e ilegalmente ouro. Em fevereiro do ano passado, começamos a operação nos Yanomami, onde estamos até hoje. Houve uma redução significativa do problema, mesmo sendo um território de 8 milhões de hectares. A gente atua também destruindo os garimpos ao longo dos Rios Madeira e Tapajós. E estamos organizando uma grande operação no território dos Munduruku. 

Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama durante operação contra o garimpo na TI Yanomami (Foto: Felipe Werneck/MMA).

Amazônia Real – A crise climática tem gerado secas e cheias extremas na Amazônia e em outras regiões do país. O Ibama atua diretamente nessa questão?

Agostinho – Ultrapassamos o limite de 1,5°C há cerca de 15 meses, algo que os cientistas acreditavam que só aconteceria por volta de 2040. A quantidade de gás carbônico na atmosfera dobrou nos últimos 20 anos, mesmo após convenções como a de Mudança Climática de 1992 no Brasil (ECO-92), e o Acordo de Paris. Isso está impondo uma série de desafios para muitos países, e, no Brasil, os estudos indicam que enfrentaremos períodos de chuvas intensas, mas curtos, e secas prolongadas. Isso tem uma série de implicações: em períodos de seca, temos problemas na geração de energia, pois o Brasil depende muito de hidrelétricas. Na agricultura, o período de chuvas antes permitia até três safras na mesma área, mas agora temos secas que começam pelo menos 30 dias antes e terminam 30 dias depois do esperado, prolongando o período de estiagem em quase 60 dias. Isso tem consequências enormes para a , os animais morrem por falta de água e intensificam os incêndios florestais. Não é a mudança climática que causa o incêndio florestal, mas ela cria as condições, e a atividade humana acaba sendo um grande estopim. Recentemente, registramos a maior seca em algumas regiões, com episódios históricos em 50, 70, e até 124 anos, como em Brasília, que nunca havia vivido uma estiagem tão severa.

Amazônia Real – Com relação aos recursos, como o Ibama está fortalecendo sua estrutura para lidar com as mudanças climáticas?

Agostinho – O Ibama é o principal executor da política nacional de meio ambiente, mas sua função não se confunde com a de Defesa Civil. Em períodos de seca, a atuação da Defesa Civil e do Ministério da Defesa, que levam água, alimentos e medicamentos para comunidades isoladas, como as mais de duas mil comunidades afetadas na Amazônia, é muito importante. Para fortalecer nossa atuação, conseguimos contratar todos os aprovados no último concurso, e temos um novo concurso com 460 vagas para repor as perdas de pessoal. Também ganhamos uma nova estrutura, com foco em emergências ambientais e responsabilidade climática. Reforçamos o setor de combate a incêndios florestais e atendimento à fauna, cuidando de animais feridos e providenciando água e alimentos em situações críticas. A gente teve que resgatar um número gigantesco de animais feridos nos incêndios. Pela primeira vez, incluímos as mudanças climáticas no nosso planejamento estratégico. Recebemos um aumento extraordinário no orçamento, somando mais de 100 milhões de reais além do previsto, para a compra de veículos e equipamentos de combate a incêndios. Dobramos o número de helicópteros.

Apesar do reforço, as mudanças climáticas tendem a se agravar, e o Brasil precisará de uma estrutura mais robusta para enfrentá-las. Temos disponível para combate a incêndios algo em torno de 20 aeronaves. Este ano, contamos com cerca de 3.200 brigadistas entre Ibama e ICMBio. É uma loucura, operação de guerra. O recurso extraordinário veio do governo federal, complementando nosso orçamento, além de fundos adicionais para atuar no pantanal e na Amazônia. O Fundo Amazônia também tem sido essencial, e estamos em negociação com o BNDES para um projeto de 750 milhões de reais, que deve ser aprovado no início do próximo ano e fortalecerá o Ibama.

Ao longo da última década, perdemos uma boa parte de nossa equipe. Em 2014, o Ibama tinha 6.300 servidores; hoje, temos 2.700, com mil a caminho da aposentadoria, e perdemos 89 escritórios, uma boa parte na Amazônia. Agora estamos em um processo intenso de reconstrução. O Fundo Amazônia também auxiliará os Corpos de Bombeiros nos Estados, priorizando equipamentos para incêndios florestais. E aí o próprio BNDES acabou conseguindo fazer alteração desses projetos em conjunto com os corpos de bombeiros. Vou dar exemplo. Tinha vários batalhões pedindo a compra de escadas para incêndios em edifícios. Tivemos até 200 grandes incêndios simultâneos no país, e contamos apenas com 100 brigadas, metade composta por indígenas e mais de 30% por quilombolas. Se a gente não trabalhar também com os estados no combate a esses incêndios a gente não vai conseguir avançar. 

Rogrido Agostinho, presidente do Ibama (Foto: Felipe Werneck/MMA).

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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