Órgão ambiental do Amazonas liberou licença de instalação para Potássio do Brasil na comunidade Lago do Soares, em Autazes (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/2022).
Manaus (AM) – Após o governador do Amazonas Wilson Lima (União Brasil) anunciar na segunda-feira (8) a liberação da licença de instalação (LI) para as obras de exploração de potássio em área que se sobrepõe à comunidade Lago do Soares, território reivindicado pelos Mura, em Autazes (AM), lideranças ouvidas pela Amazônia Real alertam para riscos de conflito.
Os indígenas afirmaram que não vão aceitar a atividade sem o consentimento e avisam para a possibilidade de conflitos caso a pauta da mineração de potássio não volte a ser analisada pela Justiça. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região derrubou, em 30 de março, uma decisão da juíza Jaíza Fraxe, que impedia o licenciamento ambiental pela da Potássio do Brasil, agora concedido pelo governo de Wilson Lima.
A outra esperança é o início dos trabalhos do Grupo Técnico de Delimitação e Demarcação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que deve começar a partir de maio.
Felipe Gabriel Mura, que recentemente assumiu o cargo de tuxaua da comunidade Lago do Soares, na bacia do rio Madeira, disse que a empresa Potássio do Brasil continua pressionando os moradores a aceitarem a exploração minerária.
“Eles têm trabalhado aqui e agora a empresa está alugando terras para poder passar com seus equipamentos. São terrenos de criação [de gado] dos indígenas. Esperamos que depois da notícia de hoje (08), a Funai não mude novamente a data para iniciar os estudos”, afirmou.
O canteiro de obras está tão próximo das casas que os moradores avistam facilmente os trabalhadores da empresa Potássio do Brasil. “Estão a dois minutos, de lancha, da escola da comunidade”, disse o tuxaua, que alerta para o impacto social que começa a perturbar os moradores.
Conforme a Amazônia Real revelou, os trabalhos da Potássio do Brasil começaram antes mesmo da liberação da licença. Indígenas relataram abertura de picadas, desmatamento e marcação de áreas georreferenciadas. Os indígenas avistam periodicamente drones sobrevoando a comunidade.
A Assessoria de Imprensa do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão estadual licenciador, disse que a LI refere-se à escavação e montagem da estrutura iniciada, sem autorização de funcionamento. O nome técnico é “lavra subterrânea sem beneficiamento”.
“As LIs serão liberadas por atividade dentro de um cronograma que deve ter um prazo mínimo de análise de 30 dias para cada atividade a ser licenciada e ainda não dá direito de operação/exploração”, disse o Ipaam, em nota enviada à Amazônia Real.
O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou, informando que “considera irregular a licença concedida pelo governo do Amazonas por meio do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) à empresa Potássio do Brasil para exploração de potássio na região de Autazes (AM) e irá adotar as medidas cabíveis”.
Para o MPF, a licença viola direitos constitucionais, normas internacionais e também direitos dos povos indígenas. Desde 2016, o órgão mantém um processo judicial que questiona a liberação da exploração de potássio. O assunto está judicializado e passou por diferentes julgamentos.
Contradições do governo
Wilson Lima e a Potássio do Brasil negociam livremente a atividade mineradora no Estado – projeto orçado em 2,5 bilhões de reais – por terem ao seu lado indígenas favoráveis à mineração de potássio. No anúncio de segunda-feira, o governador estava acompanhado de vários políticos locais e empresários do Amazonas, além de um grupo de Mura que apoia a mina de silvinita. O minério é matéria-prima para a fabricação de fertilizantes e o Brasil importa o produto.
O professor William Mura é da Terra Indígena Apitica e faz parte do grupo de lideranças de sua etnia que apoia os Mura do Lago do Soares, contrários à mineração de potássio. Ele comentou que o anúncio do governador do Amazonas não foi surpresa, mas que os indígenas não vão entregar sua terra. William destacou que as obras já vinham sendo realizadas antes mesmo da liberação da licença. Para o professor, a possibilidade de conflitos é iminente.
“A gente não vai baixar a guarda e nem entregar nosso território. Se continuar como está, vai causar impacto e os Mura não vão aceitar. Para tomar essa decisão, o governo do Amazonas e o Estado brasileiro deveriam explicar o que vai acontecer. Mas não trouxeram especialistas, ninguém sabe o que pode acontecer caso ocorra uma tragédia, um acidente, se perfurar e fazer algo. Simplesmente estão chegando sem avisar nada e sem dialogar”, disse.
Ele criticou a postura contraditória dos governos do Amazonas e do Brasil na sua retórica ambiental nas agendas internacionais. “Defendem lá fora o meio ambiente, a floresta amazônica, a sustentabilidade. Aqui dentro do nosso país estão entregando a Amazônia para a mineração. Negando o direito de um povo indígena”.
Em nota divulgada na tarde de segunda-feira (8), a comunidade Lago de Soares cobrou providências e demarcação da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas e do MPF. Na nota, eles pedem a retirada imediata “de todos os invasores que cometem a ilegalidade dentro do nosso território, pela qual vem causando todos os tipos de impacto sociocultural, ambiental e territorial em nosso território Mura”.
“Os avanços da política do governo, autorizando a exploração em nosso território para extração de potássio e outros minerais, contra os direitos natos do Povo Mura, têm um cenário genocida e etnocida formado para invadir nossos territórios, apagar nossa identidade cultural, retirar nossos direitos. E cada dia surgem novos ataques que afetam nossa saúde, educação, e nossa integridade física, cultural e territorial”, diz trecho da nota.
Herton Mura, também professor e liderança da etnia, salientou que está em curso uma ação grave de violações de direitos e de tentativa de “esconder a existência de indígenas Mura no Lago do Soares”.
“As autoridades não querem falar como vai ser a vida desse povo daqui pra frente. Um povo que já vem sofrendo vários ataques antes mesmo da licença ser autorizada. Não existe lei que ampare mineração em terra indígena. O Lago do Soares pode não ser homologado, mas é um território tradicionalmente ocupado. A Constituição Federal garante nossos direitos. O STF reconheceu nosso direito”, disse.
Herton Mura também chamou atenção da “ausência da Funai” e na falta de uma medida que garanta os direitos dos indígenas.
“A gente vê uma Funai praticamente inativa. Embora já tenha feito o GT, até então já existe um processo de demarcação. Mesmo assim, o governo está abrindo mineração dentro de terra indígena. O movimento indígena está calado. Isso é um desgaste para a população indígena. A gente fica sem saber para quem recorrer. É uma tristeza para os indígenas, que apostaram na eleição do presidente Lula, apostou na Funai e na criação de um MPI”, disse.
Para Herton, sem uma resposta imediata e dura, os Mura vão precisar lutar sozinhos contra a mineração de potássio, mas não vão desistir seu território.
“Está todo mundo preocupado em falar da Amazônia como a solução do planeta para diminuir a crise climática, mas ninguém quer saber da situação do Lago do Soares e dos parentes Mura. Como se a mineração não fosse influenciar na questão climática, uma vez que corre risco de contaminar a bacia amazônica com cloreto de sal”.
Em nota de repúdio, a Associação dos Povos Indígenas do Amazonas (Apiam) afirma que as comunidades Mura não foram consultadas nem foi realizado o Estudo do Componente Indígena no processo de licenciamento ambiental, o que viola o direito à consulta livre, prévia e informada estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A Apiam também destacou para os riscos de “grande movimentação de pessoas vinda de outras regiões, riscos de transmissão de doenças, destruição da terra e do meio ambiente, contaminação das águas, diminuição dos alimentos são preocupações que afligem as comunidades e só se agravam diante dos efeitos das mudanças climáticas que são resultados do modelo de desenvolvimento econômico ganancioso da sociedade não indígenas”.
A Funai foi procurada para responder sobre a licença da instalação e se vai manter o cronograma do GT de Delimitação e Demarcação da TI Lago do Soares, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
A reportagem também procurou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileia (Coiab) para se posicionarem sobre o assunto, mas também não responderam.
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