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Porongaço exige demarcação e protagonismo na COP30

Porongaço exige demarcação e protagonismo na COP30


Belém (PA) – As luzes das porongas, instrumento de trabalho usado por seringueiros, iluminaram as ruas de Belém (PA) durante a COP30. Mais de mil extrativistas de todos os biomas brasileiros marcharam em defesa dos direitos das populações tradicionais e exigiram que suas vozes e soluções estejam presentes nos espaços de decisão global sobre o clima.

Sob o “Porongaço dos Povos da Floresta”, seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, pescadores artesanais, quebradeiras de coco, indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais caminharam usando uma poronga na cabeça, que foi acesa com óleos da floresta, como andiroba e copaíba. 

A marcha também marcou os 40 anos de atuação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e ocorreu paralelamente às atividades oficiais da COP30. Da Praça Eneida de Moraes, no bairro da Pedreira, os participantes seguiram em caminhada até a Aldeia Cabana, na Avenida Pedro Miranda,  entoando o lema “a morte da floresta é o fim da nossa vida”. Os extrativistas empunharam cartazes, faixas e palavras de ordem para reforçar a luta pela demarcação de territórios extrativistas e para garantir que o papel dos povos da floresta na defesa dos territórios seja reconhecido.

O presidente do CNS, Júlio Barbosa de Aquino, afirmou que realizar o Porongaço durante a COP30 é um marco histórico para as populações extrativistas. Ele destaca que a conferência ocorrer na Amazônia torna o ato ainda mais simbólico. “São 40 anos bem vividos, com um grande legado para comemorar”, disse.

O que é o porongaço

Mais de mil porangas que iluminam e simbolizam a força e a luta dos extrativistas ocuparam a cidade. (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

A poronga remete aos empates, uma forma histórica de resistência não violenta criada entre as décadas de 1970 e 1980 e liderada por Chico Mendes para proteger territórios de uso coletivos contra o desmatamento e a grilagem.

Segundo Aquino, a poronga, que hoje é símbolo da instituição, foi a luz que orientou gerações de extrativistas na mata e também iluminou a alfabetização de jovens e adultos nos seringais, origem do Projeto Seringueiro no Acre. Aquino explicou que o objetivo do ato foi mostrar ao Brasil e ao mundo que os extrativistas seguem vivos, organizados e em resistência. 

“Nós transformamos a poronga num símbolo, para que ela servisse para construir a nossa libertação, a nossa saída do processo de escravidão que era muito forte. O seringueiro era analfabeto, o seringueiro era explorado pelo patrão de todas as formas. Queremos mostrar que o seringueiro existe, que a quebradeira de coco existe, que o pescador existe, que a floresta existe e que esse povo protege essa floresta”, disse.

De acordo com o CNS, as reservas extrativistas e os projetos de assentamento agroextrativistas preservam mais de 42 milhões de hectares de florestas e rios, o equivalente a 5% do território brasileiro. Nessas áreas, segundo Aquino, o uso sustentável da floresta contribui para armazenar cerca de 25,5 bilhões de toneladas de CO2, volume que corresponde a aproximadamente 11 anos das emissões totais do País. O dióxido de carbono é o principal gás do aquecimento global, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis como carvão e petróleo.

Aquino ressaltou que o Porongaço foi um ato pacífico, mas também de reivindicação para que políticas públicas, como o programa TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre), cheguem plenamente às comunidades. “O Porongaço é o momento de mostrar para o mundo quem somos nós”, diz, reforçando que a Amazônia não pode ser vista apenas como um território de exploração econômica, mas como uma região que precisa proteger tanto a biodiversidade quanto as populações que a sustentam.

Ao fim da marcha, o CNS entregou um documento à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. O texto cobra a implementação urgente de programas de apoio à produção sustentável, ações efetivas contra o desmatamento ilegal e medidas de segurança diante das ameaças constantes sofridas por extrativistas. O movimento também reivindica que as reservas extrativistas, as reservas de desenvolvimento sustentável e outros territórios tradicionais sejam oficialmente incorporados à Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil. Para a CNS, eles devem ser reconhecidos nos acordos climáticos nacionais e internacionais em razão de sua contribuição direta para frear o desmatamento, preservar a vegetação nativa e manter importantes estoques de carbono.

A poronga como símbolo da resistência

Poranganço pelas ruas de Belém. Mais de mil porangas que iluminam e simbolizam a força e a luta dos extrativistas ocuparam a cidade. (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Aos 75 anos, Tanagildo “Gatão” Matos, liderança extrativista nascida em Oeiras do Pará, falou da poronga como quem revisita a própria história. Herdeiro de um modo de vida passado de pai para filho, ele aprendeu ainda criança a usar a pequena lamparina presa à cabeça, um tipo de ferramenta fundamental para quem caminha nas áreas de mata antes do amanhecer ou trabalha em lugares sem acesso à energia elétrica na Amazônia. 

“Ela ilumina o caminho e você consegue trabalhar, inclusive no corte da seringa ou de qualquer outra coisa que for fazer, com a poronga na cabeça, porque você tem os braços livres. E ela é útil até hoje em qualquer lugar que esteja escuro”, afirmou.

Para Gatão, a poronga é mais que um instrumento de trabalho. Ele explicou que, mesmo com lanternas e energia fotovoltaica chegando a algumas regiões, a poronga segue indispensável em casas, roçados, casas de farinha, caminhos e varadouros onde a escuridão domina. “Por isso está na nossa camisa, está nas nossas propagandas, de mostrar como o trabalho se dá. E se dá até hoje”.

Tanagildo “Gatão” Matos, liderança extrativista nascida em Oeiras do Pará (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

O extrativista contou que começou a trabalhar com o pai “assim que aprendeu a andar”, coletando seringa e produtos como maçaranduba e breu. Cresceu vendo crianças aprenderem a nadar aos três anos “para sobreviver no território”, onde rios fazem parte do cotidiano. Sua defesa da floresta, afirmou, não é um sentimentalismo, mas a proteção do conjunto que garante a vida nas reservas: “Não defendemos só a floresta. Defendemos os bichos, a água, os peixes, as pessoas”, refletiu.

Para ele, o simbolismo da poronga deve dialogar com o mundo sobre a necessidade de reduzir emissões antes de apostar apenas na adaptação climática, que considera o último recurso. E defende que a COP30 avance na criação de fundos que possam ser diretamente acessados por comunidades extrativistas para garantir educação, saúde, comunicação e qualidade de vida nos territórios.

“A ideia é mostrar nosso simbolismo, fazer com que os ‘caras’ prestem atenção no que nós estamos fazendo e isso ajuda a esclarecer a mente dessas pessoas, a pensar no processo de redução de poluentes na atmosfera. Essa é a primeira grande tarefa”, destacou.

Mulheres extrativistas na linha de frente

Leíticia de Moraes em frente a sede do CNS em Belém, (PA) (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Letícia de Moraes, vice-presidente do CNS, definiu o Porongaço como um dos momentos mais emblemáticos da COP30 para os povos da floresta. Para ela, a marcha das mil porongas acesas é um gesto político e simbólico. “Queremos dar o recado de que na floresta tem gente”, disse. 

A liderança lembrou que, por décadas, as populações tradicionais foram tratadas como “os outros” na Constituição e seguiram invisibilizadas nas políticas públicas. Marchar com a poronga na cabeça, explicou Letícia, é também resgatar a ancestralidade da luta extrativista iniciada por Chico Mendes, “a luz que iluminou nosso caminho e abriu oportunidades deixadas pelos nossos mais velhos”. 

Letícia ressaltou ainda o protagonismo das mulheres na coordenação do Porongaço. “Por muito tempo, as mulheres também ficaram invisíveis. Hoje, nós lideramos o ato, organizamos cada detalhe, puxamos a agenda política”, afirma. Ela lembra que, nos empates, as mulheres estiveram ao lado de Chico Mendes, mas raramente eram reconhecidas. Agora, disse, o ato simboliza uma nova virada. 

Dona Nice Machado (à esquerda) no Poranganço pelas ruas de Belém (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

“Isso é para mostrar que na Amazônia tem mulher e é preciso pensar políticas públicas para os corpos femininos da Amazônia. Precisamos fazer com que o financiamento chegue de forma direta a essas que têm as suas vidas violadas e que tem também muitas outras coisas que atravessam os nossos corpos, as nossas vivências”, afirmou.

A liderança observou que as mulheres da Amazônia acumulam múltiplas jornadas, como cuidadoras, pescadoras, coletoras de açaí, marisqueiras, mães e trabalhadoras. Mas,  ao mesmo tempo, enfrentam violências e seguem na linha de frente da defesa do território. 

Para Letícia, a luta também é contra a ideia de que as populações tradicionais precisam “ser alguém” apenas por meio da educação formal, como ouviu na infância. “Era como se minhas antepassadas não fossem ninguém. Nossas histórias não podem ser apagadas”, disse. Por isso, considera essencial afirmar às próximas gerações, especialmente às meninas, que a luta tem continuidade e raízes profundas. 

“A gente quer que essa casa comum, que é a terra, continue a existir e existir com dignidade, com qualidade, com oportunidade para os nossos filhos. Porque o pensamento das mulheres da floresta é sempre nos filhos. Quando a gente pensa nos filhos, a gente pensa em construir caminhos também de luz, assim como a poronga, para os que vão vir depois, para que eles não necessitem, principalmente as meninas, passar pelas resistências que a gente passa”, disse Letícia.

‘A realização de um sonho’

Luane Bezerra Adelino, extrativista e moradora da Ilha Cajubinha, no município de Muaná, na região do Marajó (PA) (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Luane Bezerra Adelino, 37 anos, também celebrou o papel central das mulheres extrativistas. “As mulheres estão ganhando autonomia, ocupando a linha de frente. Ainda tem quem ache que o lugar da mulher é só no fogão, mas hoje estamos mostrando que podemos estar onde quisermos”, disse. “É uma corrente, uma mulher puxa a outra. Estamos deixando um legado para nossas filhas, mostrando que elas podem, sim, defender a floresta e seus territórios.”

Moradora da Ilha Cajubinha, no município de Muaná, na região do Marajó (PA), Luane integra a diretoria do CNS. Ela participou pela primeira vez do Porongaço durante a COP30 e descreveu o ato como “a realização de um sonho”. Para ela, a poronga simboliza a luz que guia os povos da floresta na defesa dos territórios. “A poronga abre nossos caminhos, nos direciona e representa a sabedoria de manter a floresta em pé com a gente dentro”, disse.

A extrativista contou que, apesar de seus avós terem utilizado a poronga no trabalho, esta foi a primeira vez em que ela própria usou o objeto. Chegar à marcha, afirmou, exigiu um grande esforço coletivo. “Não tínhamos recursos para vir da Ilha do Marajó. Então descemos para os territórios, colhemos açaí, pegamos camarão, vendemos nossos produtos, o patuá, andiroba, mel, para conseguir pagar as passagens e a alimentação”, relatou. “Foi o próprio extrativismo que nos trouxe até aqui”, finalizou.


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