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Por que o vidro é o material menos reciclado no Brasil?

Por que o vidro é o material menos reciclado no Brasil?

Ainda que seja cem por cento reciclável e o seu reaproveitamento na cadeia produtiva envolva algumas vantagens ambientais, como a redução de emissão de dióxido de carbono (CO2) e de extração de areia e outras matérias-primas da natureza, o vidro é o material menos reciclado no . Alegando questões estratégicas, a indústria não revela exatamente o quanto produz, mas o mercado estima que a produção anual para o segmento de embalagens gire em torno de 1,5 milhão de toneladas, enquanto o seu reaproveitamento não chega a um quarto desse volume. Fontes especializadas ouvidas nesta reportagem explicam as principais razões para este cenário que leva ao descarte inadequado de mais de 1 bilhão de garrafas de vidro por ano e apontam soluções possíveis para o fortalecimento da logística reversa, algumas em andamento com resultados promissores.

Baixo valor de mercado, lacunas no sistema de coleta seletiva do Brasil, altos custos de transporte e dupla tributação ainda cobrada pelos produtos reciclados são alguns dos principais fatores que dificultam a reciclagem do vidro no país, problemas também comuns a materiais como papéis e plástico, temas de outras reportagens recentes de ((o))eco. Diante desse panorama desafiador para a logística reversa das embalagens pós-consumo, Juliana Schunck, diretora geral da Massfix, afirma que a extração de matéria-prima virgem para a produção tem sido a principal opção das indústrias. A questão preocupa em termos de alto custo ambiental, tendo em vista a finitude da capacidade de provisão da natureza dessa demanda no longo prazo, bem como pela fragilização de uma cadeia promissora para a economia circular.

“Vidro é principalmente composto de areia, matéria-prima barata e ainda abundante. Como falta motivação econômica para mover a cadeia do vidro, a reciclagem não tem tido a força que merece para avançar. A nossa logística reversa é desafiadora porque estamos falando de embalagens pulverizadas em diferentes localidades que envolvem um alto custo de recolhimento, sobretudo, fora dos grandes centros urbanos”, observa a executiva. Não por acaso, a empresa recicladora de vidros que dirige tem 30 anos de atuação e mesmo sendo a maior do setor na América Latina e contando com uma rede de 3 mil pontos de coleta no país, envolvendo 700 cooperativas, ainda enfrenta ociosidade devido à falta de matéria-prima. Segundo relata, a sua capacidade de produção é 30% superior ao volume de material que tem conseguido reciclar.  

Para a executiva, no Brasil é preciso resolver principalmente como captar embalagens em casas, bares e restaurantes, entre outros pontos de consumo, para que essa cadeia possa avançar. Ela assegura que não existe inviabilidade técnica para a expansão da reciclagem de vidro no país e que além de serem reutilizáveis, as embalagens de vidro podem ser infinitamente recicladas como ocorre com as latinhas de alumínio. A diferença é que o valor de mercado, por quilo, alcança R$ 7,00 para o alumínio, enquanto para o vidro chega, no máximo, a R$ 0,30.

Apesar dos percalços, ela acredita que o decreto 11.300 de 21 dezembro de 2022, o primeiro do Brasil a incentivar a logística reversa, não por acaso destinado às embalagens de vidro, deve impulsionar mudanças estruturais no futuro, tendo em vista os prazos estabelecidos para serem cumpridos pelos fabricantes, até 2032, quando o setor deverá alcançar 40% de vidro reciclado na produção. Em função disso, a gerente menciona que algumas empresas fabricantes estão investindo em novos fornos em estados como Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. 

O que determina o decreto sobre percentuais mínimos de vidro reciclado no Brasil

27,25% (2023)

30,00% (2024)

32,00% (2025)

33,00% (2026)

34,00% (2027)

35,00% (2028)

36,25% (2029)

37,50% (2030)

38,75% (2031)

40,00% (2032)

Para ler o decreto na íntegra acesse aqui.

Economia circular ganha reforço com Estratégia Nacional lançada pelo presidente Lula

O tema ganha reforço com a assinatura do decreto que institui a Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quinta-feira (27). Os pilares centrais que orientam as ações envolvem a não geração de resíduos e poluição, a circulação de materiais e produtos em seus mais altos valores e a regeneração da natureza. Essa iniciativa se alinha à Nova Indústria Brasil (NIB), lançada este ano pelo governo federal.

Para Luisa Santiago, diretora executiva para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur, “a assinatura do decreto que institui a Estratégia Nacional de Economia Circular para o Brasil demonstra um compromisso do governo em direcionar o país a um desenvolvimento capaz de enfrentar as principais crises ambientais, como as mudanças climáticas, a perda de e a poluição”. Ela acrescenta que a estratégia traz uma visão completa do potencial da economia circular, indo “muito além da reciclagem, com foco nas importantes agendas  de design circular e de regeneração produtiva da natureza, aspectos cruciais para destravar o crescimento econômico mais acelerado dos setores e modelos de negócios alinhados a uma economia circular”. 

A diretora também menciona como ponto importante da estratégia, “a ênfase em uma transição justa, que reconheça a relevância e necessidade de políticas que garantam que os muitos trabalhadores da economia circular sejam efetivamente incluídos nos mercados da remanufatura, reuso, manutenção e reciclagem, bem como dos trabalhadores do campo e dos ecossistemas naturais que operam cadeias relevantes para a saúde dos sistemas naturais”. 

Cooperativas do Rio buscam melhor renda com venda direta para empresas 

Com mais de 20 anos de atuação como consultor em gestão de resíduos, envolvido com projetos de apoio e fortalecimento dos catadores de materiais recicláveis, Moisés Leão Gil afirma que a reciclagem de vidro sempre foi um problema para as cooperativas no país. Como se não bastasse o baixo valor pago por quilo para esse elo da cadeia, que varia entre R$ 0,10 e R$ 0,20, ainda existem os riscos relacionados aos acidentes pessoais.

Segundo ressalta, uma alternativa de enfrentamento dos desafios relacionados à questão econômica passa pela venda direta para as indústrias dos materiais processados pelas cooperativas e pela eliminação de intermediários da cadeia, resultando em maiores ganhos para as cooperativas. É com esse objetivo que ele conta estar trabalhando nas últimas décadas, contribuindo para que coletivos de catadores tanto se organizem como avancem na quantidade e na qualidade da oferta de materiais coletados. 

Gil menciona que duas grandes empresas fabricantes de vidro do Rio já estão atuando dessa forma, recebendo vidro reciclável diretamente em parceria com as cooperativas do município. Com essa mobilização, já foi possível aumentar o preço do material fornecido de R$ 0,10 para R$ 0,30, por quilo.

Outro aspecto importante para o fortalecimento das cooperativas de catadores envolve a união entre esses próprios elos da cadeia da reciclagem. Na experiência que Gil tem acompanhado no Rio, três redes que tinham divergências políticas se uniram e conseguiram trabalhar juntas nos Jogos Olímpicos de 2016, quando 240 catadores foram mobilizados. 

Mais recentemente, outra grande articulação desse segmento levou à coleta de duas toneladas de embalagens de vidro durante o show da cantora estadunidense Madonna, na praia de Copacabana. Posteriormente, em shows do evento Tim Music, naquela mesma orla, 3,5 toneladas foram coletadas. Os materiais foram fornecidos diretamente para a indústria recicladora de vidros pelos coletivos parceiros. 

Segundo o consultor, esse tipo de mobilização contribui para somar esforços de ampliação da escala para cooperativas que trabalham com pequenos volumes, o que não interessa para as indústrias e nem contribui para elevar o preço de mercado. 

Mas para ampliar a capacidade desse elo da cadeia, Gil explica que é necessário assegurar estrutura adequada de funcionamento das cooperativas e sobretudo equipamentos de segurança dos seus trabalhadores, já que o vidro para a reciclagem precisa ser quebrado e triturado. Esse é um tipo de operação que pode causar acidentes tanto nessa fase do processo, como durante o transporte. 

O armazenamento e o deslocamento da matéria-prima também são questões que exigem planejamento e infraestrutura. “Esses investimentos para estruturar a operação podem chegar a R$ 1 milhão”, ressalta o especialista. Ainda segundo ele, a busca por editais, principalmente de instituições públicas, é uma alternativa para captação de recursos financeiros visando essa estruturação da cadeia. Um edital do Projeto Cataforte, por exemplo, vem sendo aguardado com muitas expectativas. A iniciativa é parte do Programa Pró-Catador, recriado em 2023 pelo governo federal.

Ele cita como outro exemplo positivo de estímulo à logística reversa, o Programa Mãos pro Futuro da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), criado em 2006. No site da instituição é informado que essa iniciativa está presente em 27 estados brasileiros, envolvendo 182 cooperativas e cerca de 6 mil cooperados. As ações são realizadas em parceria com a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla) e com a Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias (Abimapi).

Romper a barreira da tributação é crucial para estimular a reciclagem no Brasil

Para Clineu Alvarenga, presidente do Instituto Nacional da Reciclagem (Inesfa), profissional envolvido há três décadas com a reciclagem de materiais, a principal demanda para estimular essa cadeia produtiva brasileira passa “por romper a barreira da tributação”. Ele argumenta que não pode haver avanço nesse contexto socioeconômico com os produtos gerados pela reciclagem pagando a mesma carga tributária já cobrada na origem. Como exemplo, menciona que uma garrafa de cerveja que sai do Norte ou do Nordeste pagando todos os impostos, gerando empregos e riquezas, ao se transformar em nova garrafa, contendo vidro reciclado, não pode ser tributada da mesma forma que uma produzida com matéria-prima virgem. “É preciso tirar tributos para incentivar a reciclagem”, opina.

Alvarenga afirma que a margem de lucratividade da cadeia da reciclagem é baixa, mesmo trabalhando com altos volumes. Em contrapartida, insumos, combustível para transporte e outras demandas têm custos elevados que se ampliaram no pós-pandemia da Covid-19, quando o excesso de estoques globais fez cair preços de materiais recicláveis que tinham sido mais valorizados economicamente durante a crise sanitária, gerando uma crise generalizada.

Maior recicladora de vidro da América Latina ainda enfrenta ociosidade por falta de matéria-prima. Foto: Massfix/Divulgação.

Ele reitera que embora exista uma grande quantidade de materiais recicláveis gerados pelas indústrias, só ganha força no mercado de reciclagem aqueles que são economicamente viáveis. Diante desse panorama, o presidente do Inesfa defende que instituições públicas e órgãos de controle de qualidade e normatização deveriam determinar que produtos que não são recicláveis paguem mais caro por isso. “Tem que pesar no bolso para gerar mudanças”, opina. Isso vale também para a revisão de design de embalagens e outros aspectos que impedem a sua reutilização ou o retorno à cadeia produtiva como matéria-prima. Do contrário, Alvarenga considera que vai se fortalecer o greenwashing, com discursos de empresarial que não se sustentam na prática de processos de produção e consumo.

A educação para o consumo é outro fator fundamental, apontado por ele, para a superação do desafio de fortalecimento dos elos da cadeia da reciclagem. As observações de Alvarenga encontram respaldo em recente pesquisa do Datafolha que sinaliza para os dilemas relacionados ao engajamento de consumidores no processo de separação de materiais recicláveis pós-consumo. A pesquisa foi realizada a partir de 2.010 pessoas entrevistadas em 112 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 13 e 21 de maio deste ano.

Segundo o levantamento, 21% dos entrevistados relataram a preguiça como barreira à missão de fazer a separação de materiais recicláveis em casa. Outros 18% afirmaram não ter informação suficiente sobre reciclagem para executarem essa tarefa.  Mas as falhas do poder público em relação à coleta seletiva também estão refletidas na pesquisa, já que 42% das pessoas consultadas argumentaram que não fazem a separação devido à falta de acesso a esse tipo de serviço nas cidades onde vivem.

O vidro é um material cem por cento reciclável, embora a sua volta à cadeia produtiva enfrente obstáculos no Brasil. Crédito: Massfix/Divulgação.

Cadeia precisa ser melhor estruturada para enfrentar oscilações recorrentes

Caroline Moraes, gerente de Relações e Institucionais e Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), também ressalta que o mercado de reciclagem no Brasil sempre conviveu com pequenas margens de lucratividade. Diante desse cenário, ela avalia que as oscilações recorrentes podem ter inúmeros desdobramentos que impactam a estrutura dessa cadeia no país, formada por pequenas empresas e organizações sem muita infraestrutura, inclusive financeira. Para enfrentar cenários de turbulências, cada vez mais frequentes, ela defende ações estratégicas que fortaleçam a estruturação de todos os elos envolvidos com negócios de reciclagem.

A especialista também reforça a importância da reciclagem de vidro como contribuição à redução de emissões de carbono e de extração de matérias primas da natureza. Da mesma forma, aponta deficiências na coleta seletiva do país como uma problemática nevrálgica para a qual as cidades brasileiras precisam se mobilizar em busca de soluções envolvendo diferentes segmentos sociais. “Fazer com que esse material reciclável chegue às indústrias é um dos grandes desafios da logística reversa no nosso país”. observa.

A gerente da Abividro também ressalta a importância do decreto de estímulo à reciclagem de vidro para o qual instituições do setor apresentaram contribuições e analisa que essa decisão governamental já tem trazido impactos positivos, incluindo a mobilização de grandes fabricantes, cada vez mais interessados em adquirir material reciclável para atingir as metas estabelecidas.

Reciclagem de vidro demanda infraestrutura para trituração, armazenamento e transporte dessa matéria prima reciclável. Crédito: Massfix/Divulgação.

Como parte do engajamento do setor para alcançar as metas desafiadoras estabelecidas pelo decreto, a gerente menciona os esforços para a criação da organização Circula Vidro, formada em parceria pela Abividro, a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) e o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) com o intuito de gerir a logística reversa de embalagens de vidro no país. 

Para as ações de engajamento da sociedade sobre o tema, as instituições parceiras trabalham como o projeto educacional Ecoa Circular voltado à sensibilização de crianças e jovens estudantes e à geração de conhecimento sobre a reciclagem e o seu papel na economia circular, buscando provocar reflexões críticas envolvendo questões de consumo e produção.   Um curso online para professores também se vincula à iniciativa, com o intuito de trabalhar questões de educação ambiental capazes de tornar os estudantes agentes de transformação que levarão informações para as suas casas. Termos de cooperação com alguns estados e municípios já foram estabelecidos com o propósito de ampliar essas parcerias.

Em parceria entre a Associação Brasileira de Distribuidores e Processadores de Vidros Planos (Abravidro) e a Abividro, também foi lançada em 2023 a Educavidro, uma plataforma de educação a distância com informações técnicas sobre a produção de vidro. O acesso gratuito, com emissão de certificado, se destina a profissionais da construção civil e de outros segmentos que trabalham com esse tipo de material.  

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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