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ToggleDurante a campanha eleitoral, uma das maiores promessas de Lula era acabar com o teto de gastos, sancionado por Michel Temer em 2016, que impedia o crescimento do gasto primário do governo, colocando como teto o orçamento de 2017 e apenas corrigindo-o pela inflação durante os 20 anos seguintes. A medida era completamente inconsistente e, em diversos anos, sequer foi cumprida. A promessa do atual presidente era animadora.
Logo após assumir, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enviou ao Congresso a nova proposta fiscal do governo, que guiará grande parte das políticas macroeconômicas e substituirá o teto de gastos. A medida é conhecida como NAF, ou novo arcabouço fiscal. O NAF continua limitando o gasto primário, mas permite um crescimento das despesas a depender do crescimento das receitas. A despesa pode crescer 70% da receita, com um piso de 0,6% e um teto de 2,5%, além da correção inflacionária. A lógica é que crescer menos que as receitas é necessário para evitar déficits e estabelecer um teto para o crescimento é importante para criar uma reserva em tempos de boa economia. Por outro lado, o piso permite que, em momentos de crise, o governo possa ter margem para controlá-la.
Voltando ao antigo teto de gastos, uma das principais críticas ao regime fiscal era o efeito de “achatamento” de alguns gastos do governo. Acontece que a despesa não pode simplesmente não crescer, pois há gastos que crescem com regras próprias. Diversas despesas do governo crescem de acordo com o salário mínimo, como, por exemplo, a previdência, que representa quase metade dos gastos primários e, além de acompanhar o salário mínimo, cresce conforme cresce o número de aposentados. A solução, nesse caso, é não permitir mais o aumento real do salário mínimo e impedir que mais pessoas se aposentem (o que fez a reforma da previdência). Felizmente, os gastos com saúde e assistência social continuaram crescendo acima da inflação com o teto de gastos. Porém, se os gastos não podem crescer e alguns estão crescendo, outros precisam diminuir. Aí está o efeito de achatamento.
Tá, mas se foi assim com o teto de gastos, porque estou falando da política econômica do Lula? Por que o NAF mantém o mesmo problema de achatamento dos gastos, pois não permite o crescimento suficiente das despesas o quanto elas precisam. Lula prometeu, além de acabar com o teto (e, na verdade, apenas criou um novo teto), praticar uma política de aumento real do salário mínimo, expandindo fortemente os gastos previdenciários. Pelo NAF, despesas como saúde e educação (e muitas outras) tem regras próprias, e crescem 100% das receitas. O efeito achatamento é o mesmo, algumas despesas crescem mais do que os 70% do aumento das receitas e outras despesas precisam ser reduzidas.
Um estudo conduzido pelos economistas David Deccache, Paulo Zahluth Bastos e Antonio José Alves Jr. intitulado “o novo regime fiscal restringirá a retomada do desenvolvimento em 2024?” e publicado em nota no CECON da Unicamp, simulou cenários de frustração para a arrecadação de receitas do governo, e concluiu que os cenários de aumento das despesas dos próximos anos não são suficientes para estimular o nível de desenvolvimento da economia desejado pelo governo. Na melhor das hipóteses, sobraria para 2024 um valor de R$24,6 bilhões para o crescimento de todos os gastos que não sejam saúde, educação e previdência. Isso significa um aumento nominal de 3,81% nas demais despesas.
Considerando a inflação, prevista em 4,85%, há uma queda real nas demais despesas de 1,04%. Lembrando, este é o melhor cenário de aumento das receitas possível. Aliado ao fato de que o novo PAC representa um grande passivo nos gastos com investimento (90%, em 2024), o NAF mantém o efeito achatamento do teto de gastos, restringindo os gastos discricionários e, portanto, diversos gastos relacionados ao meio ambiente.
Um detalhe importante, é que o estudo considera apenas frustração na arrecadação de receitas. No entanto, há também a possibilidade de que as despesas que crescem de acordo com regras próprias cresçam mais do que o previsto pelo governo, intensificando ainda mais o efeito achatamento.
Agora, podemos observar os possíveis entraves na política ambiental gerados pela política de austeridade fiscal. Evidentemente, não é possível prever com exatidão qual será o destino dos gastos relacionados ao meio ambiente daqui pra frente. Apesar do já previsto efeito de achatamento, que atinge fortemente os gastos discricionários, não dá pra afirmar quais deles irão sofrer cortes. Porém, podemos usar como base o que fez o regime de teto de gastos com a destinação de recursos para políticas ambientais.
No segundo relatório do projeto “A inserção do Brasil no século XXI e seu desempenho macroeconômico” produzido pelo Centro Celso Furtado em parceria com o CORECON do Rio de Janeiro, intitulado “As perspectivas da economia em 2024 e o novo arcabouço fiscal”, podemos encontrar uma tabela de variação das despesas do governo por função, entre 2016 (ano de aprovação do teto de gastos) e 2022. Pressionados pelo aumento do gasto com previdência social e assistência social, a grande maioria das despesas do governo sofreu diversos cortes. Aí está o dado alarmante para a política ambiental: os gastos com gestão ambiental reduziram em 52%.
Gastos que indiretamente também impactam na gestão ambiental também obtiveram grandes cortes: Ciência e tecnologia perdeu 35,9% de seu orçamento, organização agrária 61%, energia 44,7% e, o maior corte de todos, saneamento, com uma perda de 85,6%. Fica claro que a política do teto de gastos restringiu fortemente os gastos do governo relacionados à política ambiental.
Evidentemente estes cortes não precisam se repetir nos próximos orçamentos, e dependem de decisões políticas do governo. O estudo analisa o período Temer/Bolsonaro, onde houve uma destruição intencional da política ambiental. Entretanto, pela mesma tabela do relatório citado anteriormente, fica claro que a imensa maioria das funções precisaram sofrer cortes. De 28 funções apresentadas, apenas 7 apresentaram aumento em seus orçamentos, e apenas 2 tiveram um aumento acima de 10%. Tudo indica que o efeito achatamento se manterá firme, e continuará atingindo fortemente a política ambiental.
O passivo ambiental
Há, além da pressão gerada pelo novo teto de gastos, um outro grande passivo sendo gerado no que tange à política ambiental: o próprio passivo ambiental. As mudanças climáticas tornam desastres climáticos cada vez mais frequentes, e exigem gastos de adaptação, mitigação e resposta a desastres. No “Monitor de atos públicos” da análise mensal de outubro do Política Por Inteiro, projeto do Instituto Talanoa, são identificadas 24 normas relacionadas a desastres, 22 delas classificadas como resposta a desastres. O número é muito maior que os números para normas institucionais e de terras e territórios, ambos com 8 atos identificados.
Outubro foi um mês atípico, com onda de calor, seca severa e grande impacto do El niño e exigiu um esforço muito maior de respostas a desastres que outros meses do ano. Porém, meses como o último outubro tendem a ser cada vez mais frequentes, tendem a deixarem de ser atípicos, pressionando os gastos ambientais com respostas a desastres e comprimindo ainda mais despesas relacionadas à adaptação. Por um lado, os desastres climáticos pressionam por um aumento nos recursos e, por outro, o NAF pressiona por uma redução PAC toma conta de quase todo o gasto com investimento. A conta não fecha, e o governo precisa fazer escolhas. Não há como simplesmente não responder a um desastre, e quem perde, no final, são os gastos com adaptação. Acontece que, caso não haja investimento em adaptação agora, o passivo fiscal gerado por desastres futuros será ainda maior. É uma bola de neve.
Para onde vão os investimentos?
Como disse anteriormente, o PAC é o principal passivo dentro dos gastos com investimento para os próximos anos, representando cerca de 90% destes. Dentro do PAC há um tópico importante chamado cidades sustentáveis e resilientes, com um investimento de R$557.1 bilhões. Grande parte dos investimentos deste tópico estão alocados no minha casa minha vida, mas há R$10,5 bilhões destinados para prevenção de desastres, um grande ponto positivo. No tópico “transição e segurança energética”, com investimentos de R$449,4 bilhões, 61% dos recursos são destinados às áreas de petróleo e gás, que recebem R$273,8 bi. Em período de desastres cada vez mais frequentes, a atenção a este fator recebe 27 vezes menos recursos que empreendimentos que são a causa deste problema.
Evidentemente, há também atenção para energias renováveis, afinal, o tópico é sobre segurança e transição energética. Porém, estes recursos são extremamente focados na matriz elétrica, com projetos de energia solar e eólica. Entretanto, a disparidade entre estes investimentos e os recursos destinados à energias fósseis é gritante, e denunciam uma pouca atenção do governo com a transição energética, que dá nome ao tópico.
A política monetária
Investir em energias fósseis hoje é um grande atraso, é imediatismo. Sustentabilidade (de qualquer ponto de vista) não pode, por definição, ser imediatista. Neste aspecto, entra outro grande problema na conta: a alta taxa de juros. O raciocínio, que escutei em uma palestra do professor Carlos Eduardo Young, é muito interessante. Taxa de juros tem relação com o custo do tempo, ou seja: com altas taxas de juros, previsões para investimento de longo prazo se tornam mais caras, pois o tempo se torna mais caro, encurtando o horizonte temporal de tomada de decisão. Assim, um manejo sustentável dos recursos é desfavorecido, pois este está intimamente relacionado com longo prazo, e incentiva-se decisões imediatistas e, portanto, não sustentáveis. Nesse tópico em específico, é importante deixar claro que, com a independência do Banco Central, não é o governo que decide qual será a taxa Selic. O presidente se posiciona, desde antes da eleição, contra a alta taxa praticada atualmente.
Qual o resultado desse modelo?
Uma alta taxa de juros aliada a um teto de gastos restringe fortemente a capacidade de investimento de um governo, e tem como consequência a redução dos gastos em importantes setores. No âmbito da política ambiental, a situação é ainda mais dramática, pois o passivo ambiental exige uma ampliação dos gastos conforme os desastres se tornam mais comuns. Em um regime de austeridade fiscal, como o praticado atualmente, o governo não tem possibilidade de expandir os gastos como deve, e depende de financiamento externo, seja de fundos internacionais ou emissão de títulos, como fez Haddad com a emissão de “títulos verdes”, contraindo dívida em dólar para o Brasil. O país da biodiversidade não pode depender do resto do mundo para preservar a própria biodiversidade.
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