“Destruir áreas que ajudam na produção de água só vai agravar o problema da falta de água”. O entendimento é do mestre em Ecologia Rodrigo Dutra da Silva sobre o Projeto de Lei 151/2023, de autoria do deputado estadual Delegado Zucco (Republicanos), aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul na última terça-feira (12).
O PL, que recebeu 35 votos a favor e 13 contra, altera o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul a fim de permitir intervenções e supressão da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente (APPs) para a construção de barragens de irrigação. A medida, entretanto, bate de frente com leis federais que versam sobre a proteção florestal.
De acordo com Dutra, o texto do projeto cria conceitos que conflitam com o Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12) e com a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), o que, em sua visão, certamente levará a medida proposta a judicialização. Para virar lei, o PL ainda precisa ser sancionado pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
O Código Florestal Brasileiro estabelece as APPs e normas sobre a proteção da vegetação nativa nessas áreas, justamente, a fim de preservar recursos hídricos e a biodiversidade como um todo. A Lei da Mata Atlântica também dispõe sobre a proteção, definindo regras para o desenvolvimento sustentável na utilização da flora do bioma.
Os conceitos conflituosos, que têm feito deputados e entidades do meio ambiente a se posicionarem contra o PL, referem-se ao entendimento de “utilidade pública” e “interesse social”. Segundo Dutra, está ocorrendo uma “generalização” de ambos os conceitos.
O PL pretende classificar obras de infraestrutura de irrigação como de “utilidade pública” e as áreas destinadas ao plantio irrigado como de “interesse social”, o que permitiria a construção de barragens em APPs para atividades particulares de agricultores.
“Pela Lei 12651/2012 e Lei da Mata Atlântica, são exceções para interesse coletivo, aqui [no PL] generaliza para uso dos conceitos para interesses privados”, aponta o analista. “Estes conceitos conflitam com legislação federal, portanto trazem insegurança jurídica”.
Risco para o meio ambiente
Além de uma distorção de conceitos, o projeto, na visão de especialistas, pode, na contramão de seu objetivo principal, agravar ainda mais a escassez de água. Nos últimos anos, o Rio Grande do Sul vem sendo castigado por temporadas de seca que afetam o fornecimento de água à população e geram perdas de safras aos produtores rurais.
Na justificativa do PL, o deputado Zucco argumenta que uma das formas de tornar a agricultura gaúcha menos dependente das condições atmosféricas é a prática da irrigação. Para o socorro nas temporadas “de escassez de água”, a alternativa seria a acumulação das águas durante o período chuvoso, por meio de barramento dos rios e córregos.
Entretanto, como este tipo de intervenção em área de vegetação nativa é limitada pela lei, o PL do deputado provoca uma flexibilização da legislação ambiental, nos casos em que não houver outra alternativa técnica e/ou locacional para as obras de irrigação.
Procurado pela reportagem, o parlamentar disse que as APPs só poderão ser utilizadas em atividades de baixo risco de impacto ambiental, excepcionalmente, quando descartada qualquer outra alternativa para irrigação, cumprindo todas as obrigações para o licenciamento e a compensação ambiental prevista em lei, na forma do regulamento.
Analista ambiental há mais de duas décadas, Dutra chama atenção, porém, ao fato de não haver qualquer medida compensatória no PL para as APPs que venham a ser desmatadas. “O mais gritante para mim é permitir novos desmatamentos sem nem iniciar a recuperar os passivos para cumprir a Lei 12.651/2012”, comenta o mestre em Ecologia.
O Código Florestal aborda a recuperação de passivos em APPs e reserva legal nos biomas, por meio do Programa de Regularização Ambiental (PRA). Dutra aponta, porém, que o Rio Grande do Sul ainda não implementou o programa e, portanto, não recupera nascentes e margens de córregos e rios, o que poderia ajudar na produção de água.
“Estima-se que 300 mil hectares deveriam estar sendo recuperados. E o PL atual permite a destruição de mais APPs”, pondera o analista ambiental.
Diante das crises provocadas pelas temporadas de estiagem, Dutra reconhece que a irrigação é necessária e possível em alguma medida, porém, feita de outra maneira.
“Deveria estar em um grande plano de uso da água no Estado, em conjunto com os comitês de bacias, com ampla recuperação de áreas de preservação permanente para a produção de água. E não de forma isolada, autorizando mais destruição de APPs, o que deve aumentar o problema no médio e longo prazos”, finaliza o especialista.
Em resposta, o deputado Delegado Zucco disse, em nota, que o PL “não compromete o meio ambiente, antes mesmo pelo contrário, garante a preservação de água para uso na agricultura e pecuária sem agredir as bacias hidrográficas. O projeto surgiu do intuito de fazer a reserva da água nos períodos em que o RS enfrenta a estiagem”, afirmou.
O parlamentar argumentou, ainda, que outros estados, como Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e São Paulo, “contam com legislações no mesmo sentido, porém, regulamentadas por decreto ou resolução”.
No texto de justificativa do projeto, Zucco também aborda os “aspectos constitucionais” da proposta, ressaltando que é “competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, dispor sobre o fomento à produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar, bem como registrar, acompanhar, e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios”.
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