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Pistoleiros ameaçam famílias de agricultores em Porto Velho

Pistoleiros ameaçam famílias de agricultores em Porto Velho

Famílias acampadas na região aguardam a reforma agrária e sofrem ataques há mais de um mês. Comissão Pastoral da Terra afirma que pistoleiros ameaçam e agricultores sentem medo e pedem providências por parte de órgãos públicos. Na foto acima, um registro de câmera de vigilância do último dia 13 de março, mostra homens armados em uma picape branca invadindo o Acampamento Terra Santa(RO) (Foto: Acampamento Terra Santa).


Manaus (AM) – Cerca de 80 famílias de pequenos agricultores e posseiros que vivem no Acampamento Terra Santa, na Gleba Seringal Belmont, em Porto Velho (RO), denunciam ser vítimas de ameaças e intimidação há mais de um mês. Na manhã da última sexta-feira (15), os ataques se acirraram quando um grupo de homens não identificados e armados invadiu a comunidade e tentou sequestrar alguns dos acampados, que já haviam recebido ameaças de morte dias antes. 

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Rondônia afirma que as famílias começaram a relatar os momentos de medo entre os dias 12 e 14 de março, quando três homens desconhecidos chegaram ao acampamento em uma picape branca. Elas estavam armadas com um fuzil e pistolas. Os homens invadiram os acessos à comunidade e fotos feitas por uma câmera de segurança, localizada na estrada, os flagrou rondando a área.

Homens armados com um fuzil e pistolas em uma picape branca invadem Acampamento Terra Santa(RO), e deixam clima de insegurança entre os acampados (Foto: Acampamento Terra Santa).

Um dos acampados, que não quis se identificar por medo de represálias, relata outras violências. “Um dos homens perguntou se eu estava tirando foto e apontou a arma para o meu lado, querendo ver meu celular. Perguntei para eles se era da polícia, disseram que era da Polícia Civil. Perguntei pelo distintivo, mas aí eles não gostaram. Pediram para eu desbloquear a tela do telefone, tiraram fotos e passaram arquivos para outro aparelho”, afirmou.

O morador do Acampamento Terra Santa afirma que os suspeitos foram embora por causa do barulho de foguetes disparados por pessoas da comunidade. “Se não fossem os foguetes, nem sei o que eles iriam fazer comigo”.

O Lote B40 do Seringal Belmont é uma área de terra pública da União, localizada atrás do Parque Natural de Porto Velho, a poucos quilômetros do núcleo urbano da cidade. A terra é reivindicada pelas famílias para reforma agrária. Essas pessoas vivem no acampamento desde 2014, mas em 2020, no auge da pandemia de Covid-19, foram despejadas durante uma reintegração de posse.

Em setembro de 2022, a Justiça de Rondônia decidiu pela suspensão da reintegração de posse. No mesmo mês, os acampados denunciaram o ataque de homens fortemente armados na comunidade, que torturaram os adultos e atearam fogo em residências das famílias

Cinzas de residência coletiva incendiada durante ataque ao Acampamento Terra Santa em setembro de 2022 (Foto: CPT-RO/19/09/2022).

Os agricultores foram retirados do local e montaram um acampamento próximo a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Porto Velho, durante mais de um ano. Outra decisão judicial decidiu pela volta dos agricultores à região em outubro de 2023.

Agente da Articulação da Amazônia da CPT, Josep Iborra Plans disse em entrevista à Amazônia Real que, além de serem ameaçados pelas forças policiais do Estado, os moradores de Terra Santa são intimidados por grileiros e latifundiários da região, interessados em fazer loteamentos na área para empreendimentos imobiliários. “As atuações policiais têm sido abusivas e suspeitas contra esse grupo desde quando eles tentaram retornar naquela área. Agora teve a Polícia Ambiental que foi lá de forma abusiva e também tinha um carro da Polícia Civil encoberto”, disse. Ele relatou ainda a presença de pessoas que declararam ser da facção Comando Vermelho e ameaçaram os acampados.

“Tem algumas pessoas que estão escondidas porque são ameaçadas de morte, estão sob programa de proteção e não querem ficar mais expostas. Para eles essa exposição não ia ajudar. Outros também têm medo de aparecer e serem vistos andando com certas lideranças. Isso faz com que o pessoal tenha medo de falar abertamente sobre o que está acontecendo”, afirmou o agente da CPT. 

Esta é a segunda denúncia de violência contra a ocupação em um mês. No dia 8 de fevereiro, os agricultores foram surpreendidos com a presença de viaturas da Polícia Militar e da Polícia Ambiental de Rondônia no local. Segundo a CPT, a violenta operação policial na ocupação não contou com a presença de oficiais de Justiça ou ordem judicial. 

Segundo os relatos, alguns dos policiais, que estavam encapuzados e sem identificação, invadiram as casas e  jogaram no chão os pertences e objetos dos moradores. Ainda durante a operação foram recolhidas ferramentas de trabalho como foices e facões, além de uma espingarda de pressão. 

Os agentes teriam ameaçado voltar com violência noite se as famílias não deixassem o acampamento. Uma denúncia para que fossem adotadas medidas protetivas em relação a comunidade foi encaminhada ao Ministério Público de Rondônia  no mesmo dia dos ataques.

A CPT pediu medidas de salvaguarda para as famílias da comunidade e solicitou a identificação dos locatários e dos passageiros do carro usado nos ataques da última semana, que está registrado em nome de uma empresa de aluguel de veículos. Também solicitou apuração sobre a atuação de milícias armadas que estão aterrorizando o acampamento.

A ocorrência do dia 15 de março foi registrada na delegacia da Polícia Civil de Porto Velho. Os vídeos e fotografias dos agressores, além da foto e placa do veículo, foram encaminhados para a Comissão de Direitos Humanos da OAB de Rondônia, Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado, Comissão Nacional de Combate à Violência, Ouvidoria Agrária do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Ministério Público, Conselho Estadual e Conselho Nacional de Direitos Humanos, além da Corregedoria da Polícia Civil de Rondônia. 

Procurado pela reportagem, o Ministério Público de Rondônia informou que o conflito agrário foi submetido à Comissão de Conflitos Fundiário do Tribunal de Justiça do Estado, cujos participantes são a Advocacia Geral da União, Defensoria Pública do Estado de Rondônia, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Município de Porto Velho. As Polícias Civil e Militar de Rondônia não responderam aos questionamentos enviados por e-mail.

Sem reforma agrária

Segundo Welington Lamburgini, assessor jurídico da CPT de Rondônia, uma ação discriminatória do Incra está em processo na Justiça Federal desde 2008. “A situação dessas famílias começa com um histórico de uma ação ajuizada em 2008, que é a retomada da terra ao reconhecer que é pública. Porém, 15 anos depois, o Incra não havia respondido uma emenda judicial inicial, que mandou corrigir o polo passivo da ação”, disse.

Nesse meio tempo, enfatizou Lamburgini, aconteceu a expulsão das famílias e a ocupação de grileiros no local. “A violência policial e outras violências têm sido registradas em torno do grupo de famílias e a CPT têm denunciado isso”.

Após serem expulsos por grileiros do Acampamento Terra Santa, familias ficaram acampandas em frente ao Incra em Porto Velho(RO) (Foto: Reprodução de vídeo/ Francisco Costa/ 11/12/2022).

O assessor jurídico disse ainda que uma decisão monocrática impedindo os antigos posseiros de retornar a área deve ser revisada pelo plenário do Tribunal de Justiça de Rondônia em breve. As famílias do Acampamento Terra Santa já conseguiram cancelar pelo Incra um georeferenciamento irregular do local,  inclusive com duas sentenças favoráveis ao retorno às suas antigas posses.

Para Amanda Michalski, ouvidora vinculada à Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado de Rondônia, que acompanha o caso junto à CPT, os conflitos de campo em Terra Santa são fruto da ausência de política pública para reforma agrária da área. 

“A partir do momento em que o Incra reconhece que aquela área é da União e não consegue fazer a retomada, para liberação e regularização para camponeses e produtores agrícolas familiares, isso vai gerar um desconforto. A morosidade do Incra em fazer essa retomada contribui para que os fazendeiros e grileiros continuem efetivando a posse nessa área que deveria ser destinada para reforma agrária”.

Em resposta à reportagem da Amazônia Real, o superintendente do Incra em Rondônia, Luís Flávio Carvalho Ribeiro, informou que o levantamento ocupacional na área está sendo realizado para atender a uma demanda judicial. Quanto ao posicionamento sobre a situação dos acampados e regularização para reforma agrária, o órgão afirmou que  “será necessário aguardar a decisão judicial e conclusão do processo para quaisquer ações da autarquia agrária no local”.

Conflitos no campo são violentos na Amazônia 

Celebração de 15 anos da passagem da irmã Dorothy Stang em Anapu(PA) (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real 12/02/2020).

Dados da CPT apontam que, dos 14 assassinatos por conflito no campo registrados no primeiro semestre de 2023, onze ocorreram na Amazônia Legal, o que torna a região a mais violenta no campo brasileiro.

Os maiores causadores das violências no campo são os fazendeiros (19,75%) e o governo federal (19,33%), seguidos por empresários (16,95%), governos estaduais (13,31%) e grileiros (8,54%). Os tipos de conflitos são muitos: os dados indicam que 878 famílias tiveram suas casas destruídas, 1.524, seus roçados e 2.909, seus pertences. Cerca de 554 famílias foram expulsas das terras que ocupavam, e 1.091 foram despejadas judicialmente. Ocorreram ainda 143 crimes de pistolagem, 85 crimes de grilagem e 185 crimes de invasão.

Amanda Michalski ressalta que conflitos entre camponeses e latifundiários na Amazônia são conflitos por territórios demarcados de terras indígenas, reservas extrativistas, contras seringueiros e em territórios quilombolas. 

Quem mais sofre a violência por terra, de acordo com os dados da CPT, são os povos indígenas e suas comunidades, atingidas em 38,2% dos casos, seguidos dos trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%). 

“O estado de Rondônia encontra-se geograficamente na região conhecida como sul da Amazônia ocidental, e essa região tem um foco muito grande na questão do avanço da fronteira agrícola, que está vinculada a expansão do agronegócio. O agronegócio nessa região está vinculado às questões de violência no campo por conta da ausência de reforma agrária e da regularização de terras públicas para serem destinadas a famílias no campo”, analisou Michalski.


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