Para PF, Colômbia foi o mandante, mas possível envolvimento de políticos com o crime organizado em cidades do Alto Solimões e nos assassinatos, ficou de fora do inquérito policial. (Imagem: reprodução TV Globo).
Por Elaíze Farias e Leanderson Lima, da Amazônia Real
Manaus (AM) – A Polícia Federal (PF) concluiu o inquérito do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips e confirmou o envolvimento de nove pessoas, entre elas o mandante, conhecido como Colômbia, líder do crime organizado que atua na tríplice fronteira, na região do Alto Solimões, no Amazonas. Durante toda a investigação, ele teve sempre duas identificações: Rubem Dário da Silva Villar e Rubens Villar Coelho, documentos que ele próprio apresentou às autoridades policiais. Colômbia é autoidentificado como “pescador”, natural da cidade de Benjamin Constant, e morador da comunidade Boa Vista, conforme apurou a Amazônia Real.
Em nota enviada à imprensa, a PF disse que nove pessoas foram indiciadas em dois anos de investigação. O mandante Colômbia “forneceu cartuchos para a execução do crime, patrocinou financeiramente as atividades da organização criminosa e interveio para coordenar a ocultação dos cadáveres das vítimas”. O inquérito acrescenta que os demais indiciados participaram da execução dos homicídios e da ocultação dos cadáveres das vítimas. O documento aponta a existência de crime organizado na região de Atalaia do Norte, onde fica a Terra Indígena Vale do Javari, alvo constante de invasões, pesca e caça predatórias.
O inquérito da PF encerra um dos capítulos mais controversos de um crime de repercussão global, ocorrido em junho de 2022. Havia, contudo, a perspectiva de continuidade das investigações até chegar a outros envolvidos, incluindo políticos locais.
“A gente soube que um delegado da PF estava rastreando políticos, mas depois parou, tiraram ele do caso, como soubemos. Não deixaram o inquérito prosseguir”, disse um indígena da região do Vale do Javari à reportagem.
Um dos últimos responsáveis pela investigação, o delegado Francisco Vicente Badenes foi removido do caso em agosto deste ano, de maneira compulsória, causando surpresa nos movimentos indígenas e sociais do Amazonas, que chegaram a soltar notas públicas contra a saída dele. A PF não deu uma explicação oficial sobre a retirada do delegado. Ele também era o responsável pela investigação do Massacre do rio Abacaxis, ocorrido em 2020.
Badenes indiciou Colômbia e Jânio Freitas de Souza, além do ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier. Em 2024, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) suspendeu o indiciamento e impediu a investigação contra Xavier.
Outra liderança ouvida pela reportagem afirmou que sabe da existência de elos entre autoridades políticas e o crime organizado, pesca ilegal e invasão de terra indígena, mas que não há interesse de se investigar.
“Vejo simbiose de políticos com o crime organizado na tríplice fronteira, que é muito clara. Há uma proteção exacerbada em relação a isso. Se perpetuam no poder e têm cobertura. A região do Alto Solimões é muito importante para eles. Esse caso do Dom e Bruno foi a ponta da agulha. Se vasculhassem mesmo, não tenho dúvidas que autoridades graúdas apareceriam”, afirma a liderança.
O indígena relata sua frustração. Ele conta que desde que a investigação foi minguando, os moradores notaram que o inquérito já seria dado como concluído. Sentindo-se desprotegidos, desistiram de denunciar.
“Não tenho proteção alguma. Não vou brincar com esse tipo de gente. Aqui, cada cidade do Alto Solimões tem um gerente designado pela organização criminosa que comanda e que controla tudo. Isso me assusta porque sem a proteção das autoridades somos apenas a parte mais frágil desse processo”, afirmou.
Colômbia está preso em um presídio federal desde o início de 2023. Ele chegou a ficar solto durante alguns meses, mas retornou à prisão por descumprimendo de medidas. Indígenas ouvidos pela reportagem disseram que, mesmo com a prisão de Colômbia, o crime organizado continua forte, “se reestruturando novamente e contratando novos matadores”.
Além de ser o mandante dos assassinatos, ser chefe do crime organizado e fraudar documentos pessoais, Colômbia conseguiu um Rani (Registro Administrativo de Nascimento Indígena) concedido ilegalmente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Benjamin Constant, conforme apurou a Amazônia Real. O servidor do órgão foi afastado da função de chefia, e que a Funai teria iniciado um procedimento interno.
À Amazônia Real, a Funai disse que não possui informações sobre a identidade indígena de Rubens Villar Coelho ou Rubem Dario da Silva Villar e que não há registros internos que confirmem o RANI, mas que “defende a realização de uma investigação minuciosa, que deverá apurar os fatos de maneira criteriosa e verificar a autenticidade de qualquer possível documento associado à identidade indígena mencionada.”
Muitos envolvidos
A Amazônia Real obteve informação de que a investigação policial chegou perto de alcançar políticos locais e seus aliados. Há suspeita de que os réus e outros indiciados correm risco de vida para não abrirem a boca sobre o que sabem, por isso estão em presídios de segurança máxima.
Há também algumas tentativas de manobras para tentar desqualificar a potencialidade e a gravidade do crime, reduzindo o duplo homicídio a uma mera vingança pessoal ou homicídio de ocasião motivado por uma emoção exacerbada, e não uma relação com o crime organizado, incluindo o narcotráfico, com vários interesses locais. “O fato é que são muitos envolvidos”, disse uma fonte.
Há suspeita também de uma pressão deliberada para tentar prolongar o julgamento, que ainda não tem previsão de data, e assim ter motivos para conseguir a soltura dos presos.
Conforme apurou a reportagem, o inquérito prosseguia com a investigação da organização criminosa, apontando os políticos que davam apoio à organização criminosa.
Para um especialista que acompanha o assunto e não quer ter seu nome revelado, o crime organizado prospera e tem impacto não apenas na vida das populações locais, mas também no ecossistema e na natureza, reduzindo a abundância de recursos e aumentando a violência na região da tríplice fronteira.
Filho assumiu
Mesmo preso, Colômbia não perdeu as conexões com o crime. Seu filho teria assumido a função do pai na região e, segundo moradores locais, vem dando recado para uma possível vingança. Todos os indígenas ouvidos para esta reportagem disseram que os moradores locais optaram pelo silêncio e “para deixar as coisas seguirem” por medo de serem mortos.
“O filho assumiu o negócio do pai. Mesmo com a prisão do Colômbia, os crimes continuam. Como será o comportamento dele e de outras figuras na região? Não sabemos. Não basta apenas prender, condenar e deixar o crime organizado continuar. Todos têm medo de falar nisso agora, não há proteção nenhuma, ninguém mais toca no assunto como fazia”, disse um morador. Para ele, a investigação teria que ter continuidade.
“Sem proteção do estado e de autoridades nessa região, o silêncio vai pairar para sempre. As autoridades vão continuar ausentes. Algo muito pior ainda vai acontecer em contrapartida da organização criminosa. Isso não acabou. Apenas começou. Uma segunda parte dessa novela de crimes ainda vai acontecer”, afirmou.
O que diz a defesa
O advogado Américo Leal, que integra a banca de defesa dos réus, composta por Gilberto Alves, Larissa Rubim e Lucas Sá, e todos sob comando da advogada Goreth Rubim, comentou o resultado das investigações da PF. “Esta imputação da Polícia Federal é antiga e o Ministério Público fica remoendo. A PF, dadas as últimas notícias políticas, já não mais reflete a credibilidade de suas conclusões. Devemos, nós da defesa, contestar fundamentadamente tal absurda conclusão”, finalizou.
A Amazônia Real procurou o advogado da família do jornalista britânico, Dom Phillips, mas ele não retornou o pedido de entrevista. A reportagem também tentou contato com o advogado da família do indigenista Bruno Pereira, mas não obteve sucesso.
O MPF foi procurado para informar que medidas vai tomar, mas não enviou respostas. A Justiça Federal também foi indagada se tem data estimada para o julgamento dos réus, mas também não respondeu. A PF também não enviou respostas sobre o assunto e nem deu retorno sobre pedido de entrevistas.
Histórico
Bruno e Dom foram mortos nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus). Na região fica a segunda maior a Terra Indígena (TI) do Brasil, atrás apenas da TI Yanomami, em Roraima e Amazonas. Na região, vivem mais de 6.317 indígenas de sete povos contatados (Kanamari, Kulina, Marubo, Matís, Matsés e Tsohom-Dyapá, este de recente contato, e um grupo de Korubo) e ao menos 16 referências a grupos isolados e não contatados. Outro grupo de indígenas Korubo permanece em isolamento voluntário.
O indigenista ajudava os indígenas da TI Vale do Javari a criarem grupos de vigilância contra os invasores de suas terras. Por meio de câmeras e uso de equipamentos de georreferenciamento, ele ensinava os povos originários a localizarem pescadores ilegais, garimpeiros, madeireiros, o que o tornou alvo dos predadores da floresta.
Em outubro do ano passado, o juiz federal Wendelson Pereira Pessoa, da Comarca de Tabatinga, decidiu que “Pelado”, “Dos Santos”, e “Pelado da Dinha”, vão a júri popular. Na decisão, à qual a Amazônia Real teve acesso, o juiz ressaltou ter baseado sua decisão em laudos periciais, a maioria feitos pela Polícia Federal (PF), que indicam a “materialidade dos homicídios e das ocultações de cadáveres”. Um dos laudos, inclusive, indica como tudo ocorreu:
1. Emboscada das vítimas sobre embarcação, na margem direita do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte;
2. Ocultação dos pertences das vítimas em área de igapó, atrás da residência de um dos suspeitos e à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte:
3. Afundamento da embarcação das vítimas à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte, próximo da comunidade Cachoeira;
4. Transporte dos corpos das vítimas para o local de queima, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel:
5. Transporte dos corpos para inumação, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel;
6. Ocultação de instrumentos possivelmente utilizados na queima e no enterramento dos corpos, atrás da comunidade São Gabriel.
O documento de sentença de pronúncia é rico em detalhes da confissão dos réus. Durante um interrogatório, Amarildo disse que a decisão de matar o indigenista Bruno Pereira decorreu do fato de a vítima ter tirado uma fotografia sua e de sua embarcação, afirmando que aquela era “a embarcação do invasor”. O jornalista britânico Dom Phillips teria morrido por estar junto do indigenista, que já era visado pelos pescadores de Atalaia do Norte (AM), conforme a Amazônia Real relatou em diversas reportagens durante a cobertura do caso.
No início deste mês, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou um recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que seja mantido o julgamento do réu Oseney da Costa Oliveira, por júri popular, pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
No último dia 17 de setembro, ao analisar recurso da defesa dos acusados, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) optou por manter o julgamento de Amarildo e Jefferson pelo Tribunal do Júri, mas acabou rejeitando a sentença de pronúncia contra o réu Oseney, conhecido como “Dos Santos” e irmão de Amarildo, por insuficiência de provas.
Em nota, o MPF insiste que há “suficiência de elementos probatórios indicativos da participação de Oseney no crime”. O recurso ainda não foi apreciado.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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