O professor de filosofia na Universidade de Georgetown, Olúfémi Táíwò, afirma que só iremos trilhar o caminho da sustentabilidade planetária se pudermos pensar como os ancestrais.
A inversão cronológica de Táíwò reveste de responsabilidade ancestral o presente, com vistas ao futuro e às futuras gerações. Problematiza a sustentabilidade a partir de novos pensamentos sobre obstáculos hoje existentes, de forma a “descobrir algumas dimensões desconhecidas de problemas antigos”.
“O fio unificador é suprido por um impulso humanista fundamental que volta esse princípio para questões de justiça, equidade e afirmação da dignidade humana”, afirma.
Os prognósticos climáticos são, por vezes, aterradores. Por exemplo, as populações que teriam seu território completamente destruído, com o desaparecimento dos países insulares diante da elevação do nível do mar em decorrência da mudança climática. Um cordel de tantas gerações que se veem privadas de futuro.
A lógica professada por Tàíwò nos remete à clareza ancestral contida na defesa da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), que vem sendo liderada pela pequena nação Vanuatu, arquipélago de ilhas no Pacífico Sul, próximo à Nova Zelândia.
As nações da AOSIS deram início à lógica da reparação por perdas e danos há mais de 30 anos, durante os primeiros encontros climáticos globais. Propuseram que os mais afetados pelas mudanças climáticas deveriam receber financiamento e apoio dos países que mais emitiram Gases Efeito Estufa (GEE), mudando o clima. O que a demanda dos AOSIS gerar de resultados poderá, quem sabe, impulsionar esforços para a dificílima manutenção da temperatura global.
Vanuatu significa “nossa terra para sempre”. É considerado o país com maior índice de felicidade do mundo, de acordo com o Happy Planet Index. “A felicidade é apenas uma consequência de quão respeitosos somos com a natureza, em como gerenciamos a terra, em como gerenciamos a água”, afirma Marcel Merthelorong, romancista local. Vanuatu, o país sempre à beira do desastre que é um dos mais felizes do mundo – BBC News Brasil
Vanuatu e seus pequenos países associados estão pensando e agindo como os ancestrais. Sua proposta nas cúpulas globais tem sido coerente e lúcida. Tem atravessado épocas de diferentes intensidades diplomáticas.
No limiar dos anos 90, quando celulares eram do tamanho de tijolos e notebooks pesavam como paralelepípedos, o mundo estava em ebulição política e cultural. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas nasceu em 1988, mesmo ano em que o Brasil sacralizou, em sua Constituição, o pensamento ancestral como salvaguarda do futuro: o dever de todos para garantir o meio ambiente equilibrado para as atuais e futuras gerações.
Em fevereiro de 1991, em Chantilly, na Virgínia (EUA), começou a surgir o pacto climático global. O local isolado foi escolhido por George Bush para manter afastada a forte pressão das ONGs, conforme relatou Philippe Sands, advogado da delegação da pequena Santa Lúcia.
Nesse espaço, Vanuatu firmou-se como liderança entre os Estados insulares ameaçados pela mudança climática. A clareza de sua proposta sobre perdas e danos persiste nas atuais conferências climáticas, tendo sido instituído como fundo (em que pese com recursos muito aquém do necessário) durante a COP28 de Dubai, visando prevenir consequências das mudanças climáticas que vão além da capacidade de adaptação.
Quando olhamos sob a mesma ótica a destruição que se abateu sobre o Rio Grande do Sul – especialmente diante das constatações do World Weather Attribution (WWA) de que a mudança climática provocada pela ação humana contribuiu para dobrar o risco de ocorrência do evento extremo de chuvas na região – percebemos que a luta de Vanuatu deve ser encampada fortemente pelo Brasil.
Obviamente isso implicará melhores respostas para evitar queimadas e eliminar combustíveis fósseis da matriz energética, situações que ainda não contam com integral vontade política do atual governo, diante das ambições por petróleo e gás, e a sanha do agro-PIB devastador, interesses antagônicos à sustentabilidade.
Não resta dúvida de que o fluxo econômico no Brasil tem demonstrado tendências de, prioritariamente, atender expectativas políticas de governos e da espoliação insustentável do território, inadequado para abordar questões de equidade e garantir as futuras gerações. Dessa forma, a atual postura brasileira divorcia-se dos princípios protetivos constitucionais e demonstra ser insuficiente para exercer o perfil ético necessário para conter a ganância predatória dos petroestados e das Oil Sisters.
Vinte corporações, como Chevron e ExxonMobil, e países como China e Arábia Saudita são responsáveis por 60% de todas as emissões acumuladas de carbono. Há dados, inclusive colhidos por tribunais, de que os líderes da indústria de petróleo e gás sabiam, desde pelo menos 1982, que as mudanças climáticas são impulsionadas por suas atividades, quando os próprios pesquisadores da Exxon ajudaram a vincular as emissões de carbono ao aumento das temperaturas. Conscientemente tomaram decisões que levaram a essa crise.
As digitais da responsabilidade sobre mudanças climáticas é difusa, mas sua proporcionalidade possui comprovação científica, apesar da recusa dos países e corporações responsáveis em assumir compromissos na reparação de perdas e danos.
O maior desafio humanitário que já existiu está posto à mesa de um desarticulado multilateralismo global. Espera-se por processo regenerativo, o que exigirá senso ético diante das crescentes injustiças a que estão sendo submetidas especialmente as populações mais vulneráveis.
É preciso ressaltar o modus operandi dos petroestados e das corporações de combustíveis fósseis, o que por vezes se vislumbra também dentro do próprio governo brasileiro.
Segundo pesquisa do conceituado think tank Influence Map – InfluenceMap Como a indústria do petróleo tem sustentado o domínio do mercado através da influência política -, a cartilha para se opor às alternativas aos combustíveis fósseis possui método bem definido e passa, essencialmente, por três linhas de argumentação, reconhecidas como uma espécie de negacionismo orquestrado: ceticismo em relação à solução, que lança dúvidas sobre a eficácia das fontes alternativas de energia, enfatizando incertezas para dar sobrevida aos combustíveis fósseis; neutralidade política, que defende direitos de escolha do consumidor, soluções de mercado e baixa intervenção governamental, o que enfraquece políticas públicas; e acessibilidade e segurança energética, que questiona custos e viabilidade da transição, não importa o quanto seja importante para a humanidade.
A lógica do lobby é inversa à responsabilidade ancestral proposta por Tàíwò e defendida por Vanuatu e seus parceiros ameaçados de desaparecimento. Defende falsas premissas para garantir a continuidade da matriz fóssil, semeando incertezas e defendendo uma inaceitável sobreposição de escolhas individuais e econômicas aos direitos fundamentais de vida para os seres vivos. Um verdadeiro estado de saque ao presente e o sacrifício do futuro, mesmo quando o clima já apresenta sinais de convulsão.
A Conferência Climática COP29 ocorrerá no Azerbaijão em novembro deste ano. Discutirá, de forma prioritária, o financiamento climático. O Brasil chegará à conferência de Baku levando na bagagem os desastres de Petrópolis (RJ), São Sebastião (SP) e do Rio Grande do Sul, da biodiversidade do Pantanal, seca na Amazônia, fragilização dos Rios Voadores e episódios de calor extremo, entre tantos outros impactos.
O maior desafio humanitário que já existiu está posto à mesa de um desarticulado multilateralismo global. Espera-se por processo regenerativo, o que exigirá senso ético diante das crescentes injustiças a que estão sendo submetidas especialmente as populações mais vulneráveis.
Para pensar de forma ancestral e honrar suas vítimas, o Brasil terá que alinhar-se à pequena Vanuatu e suas propostas humanitárias, abandonando nocivas ilusões petroleiras e a destruidora ambição do agronegócio predador.
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