Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Pelo menos 11 espécies de pássaros não são mais avistadas ou escutadas em parque no Pará

Pelo menos 11 espécies de pássaros não são mais avistadas ou escutadas em parque no Pará

Foto: Damilice Mansur/Arquivo pessoal

“No final da tarde, quando eu ia tomar banho de igarapé, eu escutava o uru-corcovado cantando. Era lindo ouvir o bicho”. O rosto do biólogo Danielson Aleixo se ilumina ao contar essa memória de infância no Parque Ecológico Gunma (PEG), localizado em Santa Bárbara, na região metropolitana de Belém (PA). O uru-corcovado é uma ave que remete vagamente a uma galinha, de plumagem marrom avermelhada, e que mora em bando na serrapilheira, camada de folhas em decomposição que cobre o chão das florestas.

Cercado pelo desenvolvimento urbano e pelas plantações de óleo de palma e de açaí, essa floresta de 540 hectares é um refúgio para a . O PEG é um dos últimos trechos de mata primária em terra firme na região metropolitana da capital paraense. Dados do Laboratório de Ornitologia e Bioacústica da Universidade Federal do Pará (Lobio | UFPA), de 2007 a 2020, indicam a existência de, pelo menos, 300 espécies de pássaros existentes no parque. Para comparação, o Pará abriga 965 espécies, de acordo com o site Wikiaves, quase um terço delas frequenta o PEG.

O Wikiaves é uma plataforma interativa voltada à comunidade brasileira de observadores de aves. Seu objetivo é promover a observação de aves e a ciência cidadã, oferecendo gratuitamente ferramentas para registro fotográfico e sonoro, identificação de espécies e comunicação entre observadores.

O levantamento do laboratório da UFPA também revela uma realidade preocupante, mas que é invisível aos olhos. No mínimo 11 espécies de aves não são mais avistadas ou são cada vez menos escutadas no PEG. O uru-corcovado, por exemplo, cujo canto costumava acompanhar as caminhadas de Danielson pela floresta, não é encontrado ou ouvido no parque desde 2007. Essa ave não está ameaçada de extinção, como aponta o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), já que ainda pode ser ouvida em outras florestas paraenses (como a Floresta Nacional de Carajás, por exemplo).

O monitoramento indica também que pelo menos três espécies de aves, além o uru-corcovado, não são mais avistadas na floresta há mais de 20 anos: o uirapuru-viado, o torom-do-pará e o tovacuçu. Outras sete espécies estão cada vez mais raras, tanto visualmente quanto auditivamente: o curica-urubu, o topetinho-do--central, o anambé-de-peito-roxo, o anambé-rabo-branco, a marianinha-de-cabeça-amarela, o papagaio-moleiro e o mutum-cavalo. Esses sinais indicam um declínio preocupante nas suas populações.

A situação do PEG é crítica e complexa: embora seja uma propriedade privada, a associação que o gere enfrenta recursos limitados em um contexto de rápido crescimento econômico e urbano. Sem reconhecimento como uma unidade de conservação ambiental, o parque não se beneficia de legislações ou políticas públicas específicas.

A bióloga Maria Luisa da Silva, docente da Universidade Federal do Pará (UFPA) e criadora do Lobio, ressalta que esse fenômeno é um dos primeiros sinais de uma ameaça à Amazônia como um todo, mas que é pouco ou nunca mencionado. Algumas florestas parecem estar em boas condições, com árvores verdes e em pé, mas, na verdade, estão ameaçadas, e a vida selvagem, especialmente os pássaros, já estão em perigo.

De acordo com a cientista, a biodiversidade sonora é fundamental para entender os ecossistemas. “Como cada pássaro tem seu próprio canto, eu sei qual é a biodiversidade de um local pela diversidade de sons que ele apresenta”, explica. Silva é a primeira mulher a integrar a International Bioacoustics Society (IBAC), destacando-se na pesquisa sobre a acústica ambiental e a preservação da biodiversidade.

Em 2005, a cientista estabeleceu um anexo do Lobio nos arredores de Gunma, projetado para facilitar o acesso à floresta e otimizar suas pesquisas de campo. O local permaneceu ativo até o início da pandemia. As gravações alimentaram o departamento de sons amazônicos do Arquivo Sonoro Neotropical, a maior biblioteca sonora da América Latina, criada por Jacques Vielliard e hospedada pela Universidade de Campinas (Unicamp).

Durante o período, Silva observou uma queda significativa na presença de diversas espécies no parque: “Nas minhas idas a campo, notei que várias espécies de aves, antes abundantes e com cantos frequentes, estão desaparecendo”. O casal de biólogos Danielson e Fernanda Freitas, que frequentam o parque diariamente, também notaram essa mudança.

Nas horas mais quentes, a maioria das aves do Parque Ecológico do Gunma se esconde nas copas das árvores, ficando invisível ao olho nu. Foto: Dany Neves/Arquivo Pessoal

Desde janeiro de 2023, o casal retornou às bordas do parque e fundou a Pará Birding Tour, uma empresa de ecoturismo focada na observação de aves. No entanto, tem notado mudanças preocupantes, incluindo o avanço urbano ao redor da área, que pode estar contribuindo para a fuga de algumas espécies.

O que está ocorrendo no Gunma não é incomum. É um fenômeno semelhante ao que já ocorreu na Mata Atlântica (em parte localizada no sudeste do Brasil) e no sul do Amazonas: o declínio da biodiversidade, que pode resultar na perda gradual de fauna e na diminuição da vida sonora.

Além do desmatamento dentro dos limites do Parque Ecológico do Gunma (PEG), o nível de conservação também deve considerar o impacto das atividades em seu entorno. A cientista Maria Luisa alerta para o efeito de borda, que ocorre nas áreas adjacentes à mata. Mesmo sem intervenções diretas, o desmatamento pode se intensificar à medida que grandes árvores caem, formando clareiras e reduzindo a floresta ao longo do tempo.

O parque enfrenta uma pressão crescente, cercado ao sul e a leste pela rodovia PA-391 e pelas comunidades de Bom Jesus e Nova Santa Bárbara. A ocupação das bordas resultou em desmatamento, com florestas secundárias sendo derrubadas para dar lugar a moradias. Essa expansão urbana tem contribuído para a diminuição da biodiversidade, como evidenciado pela extinção do uru-corcovado, enquanto a comunidade de Bom Jesus se desenvolvia às custas da floresta.

O rio Araci define o limite norte do parque, enquanto seu último corredor ecológico se estende ao longo do Furo das Marinhas, que é o braço de rio que separa a Ilha do Mosqueiro do Continente. Entretanto, o parque corre o risco de se tornar uma ilha, já que a construtora MB Capital iniciou, em 2021, a construção de um grande terminal logístico e industrial nas proximidades, apoiada pela prefeitura de Santa Bárbara. O empreendimento ocupa uma área de 220 mil metros quadrados.

Enquanto a biodiversidade permanece invisível e sem avaliação adequada, iniciativas como as de Danielson e Fernanda, voltadas à observação de aves, buscam transformar a percepção local sobre o parque, promovendo uma maior valorização da natureza.

No contexto mais amplo, o geógrafo e pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), Tiago Veloso, enfatiza que o isolamento de uma unidade de conservação pode ser prejudicial a longo prazo para a fauna e flora, pois as espécies ficam restritas e a reprodução interna torna-se insuficiente. Entre 2019 e 2020, um estudo conduzido pelo IFPA abordou as unidades de conservação na região metropolitana de Belém, mas o PEG não foi incluído devido às restrições da pandemia. Contudo, a preservação efetiva depende do planejamento das áreas circunvizinhas para garantir conexões ecológicas.

Danielson e Fernanda acreditam que por meio do turismo é possível mudar a forma como a população local vê o parque, e assim participar da sua preservação. Mas não é uma pauta fácil: como Danielson explica, “o maior desafio é fazer com que acreditem que o turista está querendo contemplar. A contemplação da biodiversidade é um tabu para muitos de nós aqui”.

Esta reportagem foi realizada com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo Puraqué, PyLadies Manaus, PyData Manaus e a Open Knowledge Brasil.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo InfoAmazonia, escrito por Igor Kloenckner

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Portal Amazônia e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor

Postes Recentes