A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado pode votar nesta quarta (4) a PEC 3/2022, conhecida como PEC das Praias. A proposta transfere terrenos no litoral da União para seus atuais atuais ocupantes – sejam pessoas físicas, estados ou municípios, bastando para estes últimos a inclusão da área em previsão de expansão urbana no Plano Diretor. As áreas poderiam, então, ser cedidas a terceiros sem qualquer controle federal. A PEC estava parada há 6 meses na CCJ devido à repercussão negativa.
A proposta recebeu em julho um segundo parecer de seu relator, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Nele foram incluídos alguns pontos levantados em audiência pública realizada no fim de maio, como um maior prazo para a União realizar as transferências (de 2 para 5 anos), a possibilidade do ocupante recusar a transferência da área e, tentando aplacar a maior crítica ao projeto, a previsão de que seja “assegurado, sempre, livre e franco acesso” às praias e ao mar, “em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”.
A PEC, porém, ainda tem pontos que preocupam ambientalistas, como trecho que prevê “domínio dos ocupantes não inscritos, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos 5 (cinco) anos antes da data de publicação desta Emenda Constitucional e seja formalmente comprovada a boa-fé”, em oposição a inciso anterior que fala da transferência dos chamados terrenos de marinha a “ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União”. Esse ponto da lei tem sido criticado como um incentivo à grilagem de terras, já que não há critérios estabelecidos para o que seria uma ocupação não-registrada de boa-fé.
Além disso, a perda de titularidade da União sobre a totalidade dos terrenos no litoral – apenas as áreas não ocupadas ou administradas diretamente pelo governo federal continuariam sob gestão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) – é apontada por ambientalistas como um fator que causará dificuldades ao combate às mudanças climáticas, com efeitos como a erosão e o aumento do nível do mar. Além disso, caso aprovada, a PEC levará a um aumento da pressão da especulação imobiliária, inclusive sobre povos e comunidades tradicionais.
Para Ronaldo Christofoletti, presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da UNESCO e coordenador do Programa Maré de Ciência, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), essas áreas desempenham um papel crucial, “atuando como barreiras naturais contra esses impactos” ambientais. “Urbanizar essas áreas é enfraquecer nossa capacidade de adaptação climática em um momento em que ela é mais necessária do que nunca”, destacou o pesquisador.
Jogo político
A PEC das Praias voltou à “superfície” do debate político em meio a um momento conturbado em Brasília, em um momento em que as atenções estão voltadas para outros flancos – as revelações do inquérito do golpe, o anúncio do pacote de corte de gastos do governo e as eleições para a presidência das casas legislativas, por exemplo. Este último ponto, inclusive, pode ter tido papel decisivo na volta da proposta.
Segundo apuração da comentarista Ana Flor, da GloboNews, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (UNIÃO-AP), pautou a matéria como forma de “pagar pedágio” à oposição, de quem busca garantir apoio em sua candidatura à presidência do Senado, para a qual ele é atualmente apontado como franco favorito – o PL, partido do relator Flávio Bolsonaro, declarou apoio à candidatura do senador amapaense após as eleições municipais.
O bloco governista, porém, segue contrário à proposta, e a decisão de Alcolumbre não foi fruto de acordo entre as lideranças partidárias – o que pode causar a retirada de pauta da proposta, de acordo com a repórter Fernanda Rouvenat, também da GloboNews. Para a sessão de quarta-feira, a PEC das Praias é o quinto item da pauta. Caso a proposta seja aprovada, ela seguirá para o Plenário do Senado, onde será promulgada sem possibilidade de veto presidencial em caso de aprovação por 3/5 dos senadores (49 do total de 81). Na Câmara, a PEC foi aprovada em 2022, após tramitar por 11 anos.
Enquanto a proposta estava parada na CCJ, outras foram protocoladas no Senado em resposta à sua repercussão. Foram os casos de projetos de Leila Barros (PSB-DF, presidente da Comissão de Meio Ambiente da casa) e Rogério Carvalho (PT-SE), que buscam garantir o acesso e impedir a urbanização de paisagens naturais e corpos d’água. Esperidião Amin (PP-SC), um dos maiores defensores da PEC no Senado, também protocolou um projeto que tenta garantir o acesso às praias – prevendo detenção de seis meses a dois anos e multa para quem o dificultar.
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