Cali (Colômbia) – Desprezadas na hora da conservação, as pastagens naturais do planeta ainda guardam inúmeras espécies e estocam o carbono que aquece o planeta, mas somem rapidamente para dar espaço a lavouras e até pela erosão de culturas e tradições. Salvá-las pede mais proteção privada e de governos.
Diretor do Centro de Ecologia da Conservação do renomado Instituto Smithsonian, na Virgínia (Estados Unidos), Peter Leimgruber percorreu o planeta avaliando como evitar a extinção de grandes animais, como elefantes e tigres asiáticos, pandas chineses, gazelas e cavalos da Mongólia.
As jornadas em campo e o vaivém das espécies revelado por satélites que nunca dormem lhe contaram como a mão humana muda diferentes ambientes naturais no mundo todo, geralmente para pior.
“O Pampa brasileiro é provavelmente um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo”, reconheceu a ((o))eco na 16a conferência (COP16) dos quase duzentos países ligados à Convenção da Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas.
Restrito ao Rio Grande do Sul, o bioma é um dos mais arrasados do país pelo crescimento de lavouras de soja, pinus e eucaliptos. Também falta proteção legal para manter suas mais de 3,6 mil espécies de plantas, mamíferos, aves e peixes.
“O Pampa tem apenas 2,3% do território brasileiro, mas abriga 9% da biodiversidade nacional”, lembrou o mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria (RS) Pedro Pascotini, gerente da Alianza del Pastizal na ong Save Brasil.
Além disso, as regiões com pastagens naturais igualmente guardam na vegetação e no solo gases que, se forem liberados na atmosfera pelo crescimento de lavouras e outras frentes destrutivas, reforçam a crise climática.
“Todos esses ecossistemas são importantes em biodiversidade, em serviços ecossistêmicos, para manter culturas. São parte dos patrimônios brasileiro e global”, ressaltou Leimgruber.
Um dilema dos campos naturais é sua fácil “mudança” para lavouras e outras economias. É mais barato plantar capins exóticos, como o annoni, ou trocar uma pastagem nativa por soja, do que fazer isso no meio da Amazônia.
Mantidos no passado por grandes animais já extintos, os cenários únicos dessas regiões são mantidos hoje por milhões de cabeças de gado. Mas a pastagem exagerada degrada várias delas, como na África e no Cerrado brasileiro. Estradas, cercas e incêndios rompem com os caminhos naturais que as espécies abriram ao longo de milhares de anos para comer e procriar.
O legislativo federal também pode ajudar a destruir os campos nativos. Se forem aprovados, projetos de lei de ruralistas tramitando no Congresso desprotegem 48 milhões de ha dessas pastagens no país todo, uma área maior que a do Paraguai.
“Ampliar a conservação em terras privadas é essencial para evitar mais perdas de biodiversidade”, disse o coordenador da Alianza del Pastizal no Brasil, Pedro Pascotini (Save Brasil).
Já existem 1.877 Reservas Particulares do Patrimônio Natural no país, as chamadas RPPNs, reservando parte de fazendas para conservação. No Pampa, Pantanal e Cerrado são 331 delas, mostram bases como da Confederação Nacional de RPPNs.
Atuante também nos demais países pampeanos, Argentina, Uruguai e Paraguai, a Alianza promove a produção de carne certificada em fazendas com pelo menos metade da área com pastagens naturais.
Há 355 fazendas produzindo carne certificada em 44 municípios gaúchos. A área com pastos nativos é pouco maior que a da cidade de São Paulo (SP), ou 177 mil ha. “Os produtores recebem em média 9,5% acima da média do preço de mercado pelo quilo da carne”, contou Pascotini.
Isso ajuda a manter tradições associadas aos cenários e ambientes naturais no estado sulista, bem como metade das espécies de aves do Pampa, incluindo 21 ameaçadas de extinção.
Essa amarração de conservação e economia pode crescer em outras regiões do país onde quase todas as terras estão em mãos privadas, complicando ou encarecendo desapropriações para decretar parques nacionais e outras unidades de conservação.
“Um produtor no vermelho não protege o verde”, lembrou Cristina Tófoli, coordenadora de projetos no Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).
A ong apoia no Pantanal, bioma com mais de nove em cada hectares em fazendas privadas, iniciativas para ampliar a sustentabilidade da pecuária em pastos nativos, passada de geração a geração. Já foram envolvidas 85 fazendas no Mato Grosso e o projeto seguirá em breve para o Mato Grosso do Sul.
“A certificação das fazendas facilita a captação de recursos para conservação e melhorar a produção”, disse.
Se forem bem conduzidos, esses esquemas econômicos como no Pampa e Pantanal podem ser reconhecidos no Brasil e lá fora como fontes de conservação, disse Carlos Eduardo Sturm, chefe de gabinete na Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
“Grandes áreas de pastagens já foram ocupadas no Brasil e estamos longe da meta de conservação desses ambientes”, disse. Acordos globais pedem que ao menos 30% dessas áreas sejam mantidas, até o fim da década.
Conforme o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), a cobertura dessas áreas públicas e privadas no Pantanal (4,6%), Pampa (2,95%) e no Cerrado (8,62%) está bem longe do prometido. Na Caatinga (9,16%) e Mata Atlântica (10,38%) a situação não é menos preocupante.
Sturm comentou que a ideia é manter um uso sustentável de pastagens nativas para que formem corredores entre parques nacionais e terras indígenas, cruzando por áreas conservadas em assentamentos e fazendas. “Estamos olhando para paisagens nos biomas e entre biomas para manter processos ecológicos, do local à grande escala”, resumiu.
O governo quer regulamentar esses outros meios de conservação até o início do ano que vem, como mostramos em ((o))eco.
Erosão tradicional
O enredo de ameaças sobre os campos nativos envolve ainda a chamada “erosão” de culturas e tradições que os conservaram ao longo da história. Isso ocorre por fatores como pressões econômicas ou menor interesse dos filhos pelos negócios dos pais.
No Pantanal, Pampa e outras regiões com campos nativos, cada vez mais fazendas são vendidas – todas ou aos pedaços – ou arrendadas para capins exóticos ou soja. Os novos produtores são do Brasil todo e outros países.
“Também há uma grande perda de conhecimento”, avaliou Amy Johnson, diretora do programa Virginia Working Landscapes do Instituto Smithsonian.
Doutor em Ecologia da Produção e Conservação de Recursos Naturais pela Universidade de Wageningen (Holanda) e pesquisador no Instituto Serapilheira, André Junqueira lembrou que saberes e culturas são naturalmente dinâmicos.
“Não é uma visão romântica de que isso seja estático”, disse. “Mas há muito perda e erosão de conhecimentos e práticas associadas à biodiversidade ao longo do tempo”, destacou.
Segundo ele, é necessário proteger e restaurar essas riquezas e suas conexões simultaneamente. “É o que chamamos de restauração biocultural”, resumiu. “Trazer para o debate quem detém esses conhecimentos é uma forma inclusiva e legítima de conservação”, ressaltou.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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