A política brasileira encerra o ano de 2023 com um balanço ambíguo para a nossa democracia: de positivo, há a reconstrução democrática liderada pelo presidente Lula, que envolve as instituições, a economia, o meio ambiente e os direitos sociais. De preocupante temos a manutenção de uma forte polarização política e social.
A reconstrução democrática já era uma necessidade logo após as eleições de 2022, quando se enfrentaram nas urnas dois projetos de sociedade antagônicos: um projeto democrático, baseado em direitos e na solidariedade, representado por Lula, versus um projeto autoritário, calcado na violência e na exclusão, representado por Jair Bolsonaro.
A vitória por margem estreita do atual presidente, o tamanho da destruição promovida por Bolsonaro e a manutenção de uma hegemonia conservadora no Congresso exigiram de Lula uma pactuação ainda em 2022, expressa na PEC da Transição. Com sua aprovação, ele garantiu um patamar político e social básico para o começo do mandato, com o aumento real do salário-mínimo e o Bolsa Família em 600 reais.
A tentativa de golpe do 8 de Janeiro foi a prova definitiva de que Bolsonaro, se fosse vitorioso, teria destruído nossa democracia. Derrotado, o bolsonarismo iniciou um movimento de contestação do resultado cujo real objetivo era tomar o poder perdido nas urnas. Foi um movimento com uma estratégia ampla que combinou mobilização social com os acampamentos em frente aos QGs do exército em todo o país; mobilização digital com a máquina de fake news operando em alta nas redes sociais; e testes de ações diretas violentas contra os poderes, como foi o atentado com bomba no aeroporto de Brasília em 24 de dezembro de 2022.
A mobilização democrática sob a liderança de Lula foi capaz de derrotar o golpe e o presidente produziu dois poderosos símbolos de unidade nacional: a cerimônia de posse em 1 de janeiro de 2023 com os representantes do povo brasileiro subindo a rampa e passando a faixa presidencial para o novo mandatário; e a reunião em 9 de janeiro com todos os governadores, representantes do STF e do Congresso Nacional que marcou o repúdio à tentativa de golpe de Estado bolsonarista.
Desde então, a reconstrução democrática brasileira avançou: internacionalmente, o Brasil se reposicionou como um ator relevante, que está na mesa das negociações globais; no meio ambiente, retomamos uma política de reconhecimento da emergência climática e voltamos a apresentar bons resultados no combate ao desmatamento da Amazônia; quanto aos direitos sociais, os avanços são evidentes, como mostra o crescimento da cobertura vacinal das crianças e também nas políticas de combate à fome; na economia, os indicadores positivos de crescimento do PIB, geração de empregos e controle da inflação indicam uma vida melhor para a maioria da população.
Os desafios democráticos seguem vultosos: por exemplo, o governo Lula não conseguiu dar respostas rápidas para os péssimos indicadores educacionais. O principal nó a ser desatado segue sendo a relação entre os poderes, especialmente com o Congresso Nacional. Trata-se de um problema político por excelência: a maioria dos atuais parlamentares foram aliados de Bolsonaro e trabalharam pela vitória do ex-presidente em 2022. Ignorar isso tem levado a muitas interpretações voluntaristas sobre os embates do governo Lula com o parlamento, como se fosse apenas uma questão de vontade do presidente compor ou não. O fato é que esse conflito não tem solução definitiva fora das urnas, com uma mudança concreta da correlação de forças da política brasileira.
É aqui que entra a dimensão da polarização política. Pesquisas de opinião mostram que o eleitorado segue perfilado entre lulistas e bolsonaristas. Aqui e acolá, ouvimos críticas de que Lula teria um comportamento contraditório com declarações que estimulam a polarização, indo na contramão do seu slogan de governo, que prega a união.
Ora, mais uma vez é preciso afirmar que a polarização não se dá pela vontade do presidente ou de outra força política, mas que é, na verdade, um dado da realidade. A polarização é o novo normal da política brasileira. Ela resulta de um processo de radicalização das desigualdades sociais e dos conflitos políticos que é global e que tem origem na crise econômica internacional de 2008.
A polarização não precisa ser eterna. Pesquisas qualitativas indicam que as pessoas estão cansadas dessa dinâmica. Contudo, desfazer a radicalização leva tempo e exige a construção de um novo pacto democrático que precisa estar organicamente enraizado na sociedade, para além da articulação junto às elites políticas e econômicas.
O paradoxo de 2023 é que a reconstrução da democracia precisava justamente da concertação entre elites e instituições e Lula fez isso com maestria. Mas isso reforça nas pessoas a desconfiança contra o sistema político e, por consequência, a polarização.
Em 2024, Lula se dedicará mais a rodar o país e já iniciou isso no anúncio, em São Paulo, de moradias populares na ocupação Copa do Povo, do MTST. Críticos dirão que ele alimenta a polarização pelo caráter eleitoral dessas agendas, como se fosse razoável para um presidente não participar das eleições. Ao contrário, é somente com a participação ativa de Lula na disputa eleitoral que o novo pacto democrático ganhará legitimidade. O bolsonarismo precisa ser combatido ativamente em cada cidade brasileira para que a reconstrução da democracia se consolide e a polarização seja superada.
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