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Os ecossistemas urbanos do Brasil ameaçados por lei-4: precisa-se de mais cuidado

Os ecossistemas urbanos do Brasil ameaçados por lei-4: precisa-se de mais cuidado


Por Valter M. Azevedo-Santos, Vanessa S. Daga, Lívia H. Tonella, Renata Ruaro, Marlene S. Arcifa, Philip M. Fearnside e Tommaso Giarrizzo

O ambiente aquático urbano no precisa ser melhor protegido. Um primeiro passo necessário é a revogação da Lei 14.285/2021. Em abril de 2022, uma coalizão de quatro partidos políticos apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ao Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando a revogação desta lei [1]. A ação prossegue sem decisão [2]. Pareceres jurídicos indicam que a lei é, de fato, inconstitucional [3, 4], embora isso de forma alguma garanta uma decisão favorável à ADI. Em qualquer caso, a necessidade de maior cuidado com os ecossistemas urbanos vai além da necessidade de revogar a lei recentemente promulgada.

Acreditamos que o código florestal (Lei 12.651/2012) precisa ser aprimorado para que os mecanismos legais reflitam as evidências científicas relacionadas à conservação dos ambientes e da (por exemplo, [5-11]). Aumentar o tamanho das APPs estabelecidas com base no conhecimento científico é, portanto, um ponto a ser aprimorado na Lei 12.651/2012 e aplicado aos ecossistemas urbanos [12].

Os cursos de água urbanos já são impactados por espécies não nativas, efluentes, desmatamento, canalização e outros fatores (por exemplo, [13-18). Portanto, além de um futuro aprimoramento da Lei 12.651/2012 com base em evidências científicas, recomendamos a implementação imediata de projetos de recuperação de ecossistemas aquáticos e ciliares em áreas urbanas. As iniciativas necessárias incluem a remoção de construções públicas e privadas dentro ou perto dos cursos de água, a recuperação da vegetação ribeirinha original, a instalação de bueiros ecológicos para permitir a livre circulação de organismos aquáticos (por exemplo, [19]) e o controlo da poluição, incluindo a instalação de barreiras superficiais para remover, pelo menos, dos resíduos sólidos flutuantes que vêm da cidade.

Em conclusão, a recentemente aprovada Lei 14.285/2021 é um claro ataque ao Código Florestal do Brasil (Lei 12.651/2012). O fato de a recente lei permitir que os governos municipais definam as larguras das faixas de vegetação protegida (APPs) ao longo dos cursos d’água permite que os políticos locais reduzam ou eliminem as APPs urbanas. A redução ou eliminação das APPs resultaria em inúmeros efeitos negativos sobre os ecossistemas aquáticos, incluindo o aumento do assoreamento e da poluição e a perda de biodiversidade, tanto nos cursos de água como nas APPs. Portanto, um passo principal é a revogação da Lei 14.285/2021. Deve ser dada maior atenção à conservação dos ecossistemas urbanos, incluindo a fauna e a flora. [20]


A foto que abre este artigo mostra o igarapé do Educandos, zona central de Manaus, durante a vazante do rio Negro (Foto: Alberto César Araújo/ Amazônia Real).


Notas

[1] Maimoni, A., Maimoni, A., Melo, J. A. T., Carneiro, R. A., Correa, F. S., Aragão, E., Novaes, M., de Lima, M. S. V., Lopes, R. E., Ormay Júnior, L. C., 2022. Excelentíssimo senhor Ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal. Processo: ADI/7146. 18 de abril de 2022.

[2] STF (Supremo Tribunal Federal), 2022. ADI 7146 processo eletrônico público.

[3] Antunes, P. B., 2022. Limites interpretativos da Lei nº 14.285. Consultor Jurídico, 01 de agosto de 2022.

[4] Wacheleski, Y. S., da Silva, A. R., 2022. Áreas de preservação permanente em zona urbana consolidada e a inconstitucionalidade da Lei nº. 14.285/2021. Direito Administrativo, 08/11/22.

[5] Casatti, L. 2010. Alterações no Código Florestal Brasileiro: Impactos potenciais sobre a ictiofauna. Biota Neotropica 10(4): 31–34.

[6] Magalhães, A. L. B., Casatti, L., Vitule, J. R. S. 2011. Alterações no Código Florestal Brasileiro favorecerão espécies não-nativas de peixes de água doce. Natureza & Conservação 9(1):121–124.

[7] Brancalion, P. H., Garcia, L. C., Loyola, R., Rodrigues, R. R., Pillar, V. D., Lewinsohn, T. M., 2016. A critical analysis of the Native Vegetation Protection Law of Brazil (2012): Updates and ongoing initiatives. Natureza & Conservação 14(Suppl. 1): e1–e16.

[8] Valera, C., Pissarra, T., Filho, M., Valle Júnior, R., Oliveira, C., Moura, J., Fernandes, L. S., Pacheco, F. A. L., 2019. The buffer capacity of riparian vegetation to control water quality in anthropogenic catchments from a legally protected area: A critical view over the Brazilian New Forest Code. Water 11(3): art. 549.

[9] Pissarra, T. C. T., Valera, C. A., Costa, R. C. A., Siqueira, H. E., Martins Filho, M. V., Valle Júnior, R. F., Fernandes, L. F. S., Pacheco, F. A. L., 2019. A regression model of stream water quality based on interactions between landscape composition and riparian buffer width in small catchments. Water 11(9): art. 1757.

[10] Brito, J. G., Roque, F. O., Martins, R. T., Hamada, N., Nessimian, J. L., Oliveira, V. C., Hughes, R. M., Paula, F. R., Ferraz, S. F. B., 2020. Small forest losses degrade stream macroinvertebrate assemblages in the eastern Brazilian Amazon. Biological Conservation 241: art. 108263.

[11] Dala-Corte, R. B., Melo, A. S., Siqueira, T., Bini, L. M., Martins, R. T., Cunico, A. M., Monteiro-Júnior, C. S. et al., 2020.Thresholds of freshwater biodiversity in response to riparian vegetation loss in the Neotropical region. Journal of Applied Ecology 57(7): 1391–1402.

[12] Thomaz, S. M., Rosado, A., Pires, A. P. F., Padial, A. A., Alves, G. H. Z, Ortega, J. C. G., Silva, J., Dacol, K. C., Lacerda, N., Tófoli, R., Cionek, V., 2021. Nota técnica da Associação Brasileira de Limnologia para subsidiar as discussões sobre alterações das Áreas de Proteção Permanentes (APPs) urbanas propostas pelo PL 2.510/2019 (Câmara dos Deputados) e PL 1.869/2021 (Senado). Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno). Grupo de Trabalho em Conservação e Políticas Públicas de Águas Continentais.

[13] Gubiani, É. A., Daga, V. S., Frana, V. A., da Graça, W. J., 2010. Fish, Toledo urban streams, São Francisco Verdadeiro River drainage, upper Paraná River basin, state of Paraná, Brazil. Check List 6(1): 45–48.

[14] Cunico, A. M., da Graça, W. J., Agostinho, A. A., Domingues, W. M., Latini, J. D., 2009. Fish, Maringá urban streams, Pirapó River drainage, upper Paraná River basin, Paraná State, Brazil. Check List 5(2): 273–280.

[15] Martins, R. T., Couceiro, S. R. M., Melo, A. S., Moreira, M. P., Hamada, N., 2017. Effects of urbanization on stream benthic invertebrate communities in Central Amazon. Ecological Indicators 73: 480-491.

[16] Azevedo-Santos, V. M., Coelho, P. N., Deprá, G. D. C. 2018. Ichthyofauna of the Ribeirão Frutal and tributaries, upper Rio Paraná basin, Minas Gerais, Southeastern Brazil. Biota Neotropica 18(3): art. e20180517.

[17] Giarrizzo, T., Andrade, M. C., Schmid, K., Winemiller, K. O., Ferreira, M., Pegado, T., Chelazzi, D., Cincinelli, A., Fearnside, P. M. 2019. : The new frontier for plastic pollution. Frontiers in Ecology and the Environment 17(6): 309–310.

[18] Ottoni, F. P., South, J., Azevedo-Santos, V. M., Henschel, E., Braganca, P., 2023. Freshwater biodiversity crisis: Multidisciplinary approaches as tools for conservation. Frontiers in Environmental Science 11: art. 246.

[19] Makrakis, S., Castro-Santos, T., Makrakis, M. C., Wagner, R. L., Adames, M. S. (2012). Culverts in paved roads as suitable passages for Neotropical fish species. Neotropical Ichthyology 10: 763–770.

[20] Esta é uma tradução parcial de Azevedo-Santos, V.M., V.S. Daga, L.H. Tonella, R. Ruaro, M.S. Arcifa, P.M. Fearnside & T. Giarrizzo. 2023. Brazil’s urban ecosystems threatened by law. Land Use Policy 131: art. 106721.


Sobre os autores

Valter M. Azevedo-Santos possui graduação em ciências biológicas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e mestrado e doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em conservação da biodiversidade aquática. Ele é professor na Faculdade Eduvale de Avaré e docente permanente na Universidade Federal do Tocantins-Porto Nacional.

Vanessa S. Daga possui graduação em ciências biológicas pela Universidade Paranaense, especialização em desenvolvimento e e mestrado em recursos pesqueiros e engenharia de pesca pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, e doutorado em ciências biológicas – zoologia pela Universidade Federal do Paraná. Ela estuda ictiofauna, espécies introduzidas, reservatórios e homogeneização biótica.

Lívia H. Tonella possui doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR. É professora de Direito da Universidade Federal do Tocantins e da Faculdade Serra do Carmo, Palmas, TO.

Renata Ruaro éprofessora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus de Curitiba, atuando no Departamento de Química e Biologia. É doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá. Possui interesse em conservação e manejo de recursos naturais em bacias hidrográficas, especialmente no desenvolvimento e aplicação de ferramentas de biomonitoramento.

Marlene S. Arcifa possui graduação em natural e mestrado e e doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor sênior no Departamento de Biologia da USP, Ribeirão Preto. Tem experiência na área de ecologia, com ênfase em ecologia de ecossistemas. Estuda cladocera, ciclomorfose e eutrofização.

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Tommaso Giarrizzo possui graduação em ciência agrária tropical e subtropical pela Universidade de Firenze (Itália) e doutorado em biologia marinha pela Universidade de Bremen (Alemanha). Ele é professor visitante no Instituto de Ciências do Mar, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza e professor colaborador na Universidade Federal do Pará, Belém e Altamira. É pesquisador do CNPq Nível 1D. Estuda a dinâmica nos ecossistemas aquáticos, inclusive peixes em mangues na costa do Pará e o acúmulo de microplástico em peixes de água doce na Amazônia.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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