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Os Arara e o sertanista

Os Arara e o sertanista

Sydney Possuelo chegou na madrugada de quinta-feira passada (12/12) em Brasília depois de uma viagem de dez dias navegando ao longo do rio Iriri, na região da Terra do Meio. Naquela região do sudoeste do Pará, ele foi visitar as aldeias dos Arara — o último povo que contactou pelo método antigo das chamadas frentes de atração da então Fundação Nacional do Índio (Funai). O primeiro encontro ocorreu há mais de 40 anos. “Foi muito emocionante, vários indígenas velhinhos, antigos todos nós, emocionados, nos abraçamos”, contou. Mas nem tudo foi alegria. O mais emblemático sertanista brasileiro vivo, aos 84 anos, chegou em casa num misto de raiva e tristeza com o que viu. 

Brasília (DF) – Procurei o sertanista Sydney Possuelo para uma conversa informal. Eram por volta das 8 horas e ele chegara havia pouco em seu apartamento na Asa Sul. Tem o hábito de deixar a porta aberta para o convidado se aproximar e exclamar um “ô, de casa”. Logo aparece sorridente e hospitaleiro no ambiente que conta a sua própria trajetória, com objetos e fotografias de décadas de expedições na Amazônia. Minha intenção era apenas levar uma foto que fiz quando estive em julho em Altamira e encontrei Akito, indígena histórico dos primeiros contatos dos Arara, que eu entrevistara como parte das investigações de um livro-reportagem que preparo sobre a ocupação da região. Na fotografia, Akito aparece nu e de mãos dadas com Sydney. Ele ainda era uma criança de uns 10 anos de idade. 

Mais do que a imagem, essa é incrível. Ele guardava esse singelo pedaço de papel ao lado da cédula de identidade. Pedi a ele para ver o documento para conferir a grafia de seu nome. A fotografia ainda o faz lembrar do significativo momento que considera um alívio no tormento das centenas de colonos que chegavam à floresta atraídos pela rodovia Transamazônica, que começou a ser aberta em 1970. Os dois, o indígena e o sertanista, nunca mais tinham se visto, e eu fiz questão de colocá-los em contato pelo telefone, numa rápida saudação de amigos. Meses depois, já na cozinha de Sydney em Brasília, nossa conversa ia mansa, recheada de boas recordações desses encontros. Mas, naturalmente, não poderia deixar de evoluir para assuntos nada amenos. 

Possuelo contou que agora no caminho das aldeias dos Arara passou pela mais conhecida invasão da Terra Indígena Cachoeira Seca — o vilarejo Maribel — que há anos se transformou em porto fluvial no rio Iriri onde diariamente chegam caminhonetes carregadas com pessoas e bagagens para acampamento no território demarcado. Nas hospedagens e no pátio do vilarejo, bebidas alcoólicas e música estridente rompem madrugadas e tardes inteiras. O lugarejo também agrega famílias trabalhadoras em busca de sobrevivência. Uma linha de pau-de-arara (caminhões adaptados com bancos de madeira na carroceria), funciona regularmente para transporte de cargas e passageiros por 80 quilômetros em estrada de chão até o município de Uruará, na margem da Transamazônica (BR-230), hoje asfaltada. 

“O que é aquela tal Maribel dentro da terra indígena? Que horror aquilo! É indecente na terra dos Arara. Estão promovendo até festival de pesca de tucunaré lá, na casa dos índios. Isso é um acinte, uma afronta, com apoio de políticos, apoio de organizações não-governamentais. Tem até poste de luz ali. Tá tudo eletrificado. A Norte Energia tem acordo com os índios para mitigar as ações da construção da hidrelétrica (Belo Monte); e trabalha contra os Arara. Deu barco pra índio, deu combustível. E isso é como se fosse mitigação pela obra. O acordo de mitigação, feito na época, foi até um acordo interessante, se fosse cumprido”, principia a falar, compartilhando impressões de sua visita recente. 

A Terra Indígena Cachoeira Seca — a mais desmatada TI da Amazônia em 2013 — teve demarcação homologada em 2016, após 54 anos do início da construção do primeiro trecho da Transamazônica, que literalmente dividiu os Arara em grupos que nunca mais puderam se unir. Depois, em 2023, a Portaria MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) nº 489 dispôs sobre o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Funai nesse território. A publicação atiçou ainda mais a preocupação dos ocupantes de Maribel, que alegam ser descendentes, em grande parte, de soldados da borracha atraídos para o local nos anos 1940. Argumento ineficaz diante a clareza do artigo 231 da Constituição Federal, que garante que mesmo os títulos de propriedade em terras indígenas são nulos, em qualquer situação, sem nenhum efeito jurídico. 

“Alguém já tomou iniciativa de entrar na Justiça pra retirada daquele pessoal dali? Ali é simplesmente uma ordem de de-so-cu-pa-ção!”, exclama Sydney Possuelo, soletrando a palavra para expressar enfaticamente que considera absurda a situação como encontrou os Arara. “A terra já está homologada. É uma ordem que o juiz dá de desocupação. Manda a polícia ir lá e retirar o pessoal. É isso que tem que ser feito.” Ele sabe exatamente o que diz. Por sua iniciativa, nos anos 1980 foi desarticulado um empreendimento muito maior e com concessão do governo federal: o projeto de colonização da Cotrijuí, uma cooperativa agropecuária, com aproximadamente 400 mil hectares para receber colonos do Rio Grande do Sul no território Arara. 

O sertanista voltou à terra dos Arara talvez imaginando que pudesse encontrar melhor situação. Em um em que centenas de terras indígenas não estão delimitadas, demarcadas ou homologadas, os Arara poderiam se considerar privilegiados. Mas, segundo Possuelo, esse povo só teve perdas, “em todos os sentidos”, ao longo dos últimos anos. E tudo isso à vista das autoridades. À reportagem da Amazônia Real, ele nomeou os órgãos públicos que considera omissos diante do roubo de madeira e de alimentos dos rios e florestas do povo indígena: Funai e Ministérios dos Povos Indígenas (MPI), do (MMA) e Ministério Público Federal (MPF), incluindo na lista uma organização não-governamental, o Instituto Socioambiental (ISA), que Possuelo critica por beneficiar ribeirinhos de uma invasão na Terra Indígena Cachoeira Seca.  

“Simplesmente é muito triste voltar lá e ver aquela condição de vida deles. A saúde vai mal, a educação vai mal. É triste”, desabafa Possuelo. Nesta última visita, ele descobriu que um festival do peixe no território demarcado Arara conta com a participação de prefeituras da região, que montam palco e organizam até a ida dos artistas. “É um acinte, uma violência contra os Arara. O que adianta demarcar, se deixa o invasor entrar? O próprio Estado que demarca incentiva as invasões.”

Pressões e constrangimentos

Os anciões da aldeia vendo fotos feitas no primeiro contato (Foto: Wellington Magalhaes).

“Vivemos ameaçados. Todo dia, eles (os invasores) nos perguntam que dia e mês vai sair a desintrusão do território. A gente não fala até porque não sabemos. A gente diz pra falarem com a Funai. Eles ficam com raiva e saem bravos”, conta à Amazônia Real Toto Arara, cacique da aldeia Pyrewá, que luta pela conservação da TI Cachoeira Seca. “Quero garantir o futuro para os meus filhos”, ele me diz, quando pergunto pelo temor à exposição dele próprio na região isolada da Terra do Meio, no sudoeste do Pará. 

A Cachoeira Seca está localizada na Terra do Meio, região de florestas amazônicas apresentada em 2012 pelo MMA na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20) como um tesouro, por se tratar de área altamente estratégica no combate ao desmatamento e na conservação da no bioma. Isso não só pela grande extensão de espécies nativas preservadas, mas também para frear a pressão exercida pelas estradas Altamira-Itaituba (seção da Transamazônica) e pela Cuiabá-Santarém (BR-163). 

A Terra do Meio foi apresentada na Rio + 20 por causa dos investimentos do governo brasileiro e da Comunidade Europeia para a consolidação do mosaico de 10 milhões de hectares constituído por territórios indígenas e por unidades de conservação: Reservas Extrativistas Verde para Sempre, Riozinho do Anfrísio, Iriri e do Xingu, os Parques Nacionais Serra do Pardo e do Jamanxim, a Estação Ecológica Terra do Meio, as Florestas Nacionais Trairão e Altamira, a Floresta Estadual do Iriri e a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu.

Toto Arara conta que na Pyrewá vivem 17 famílias. A aldeia foi criada por ele há menos de um ano, justamente porque sentiu o risco de segurança alimentar para seu povo, pela exploração dos recursos naturais por invasores. Ele denuncia que há outra invasão na Cachoeira Seca, chamada Bem Bom, que calcula ter a mesma idade de Maribel, e que igualmente serve de porto no rio Iriri. Os invasores são atraídos pela flora e fauna farta para alimentação dos povos indígenas, como peixes, tracajás e grandes porcões do mato. 

“Do mesmo jeito que Maribel, a Bem Bom também tem hotel e restaurante. E também tem estrada por onde chegam turistas que vêm da rua, vêm de Altamira. Precisamos desintrusão de tudo, Maribel, ribeirinho. Estão tudo aí, por trás do território. Saem do lugar lá e vem pescar na nossa área. Pescam para comercialização. Os caçadores fazem desmatamento, mas é pra aprontar gado, criar gado, cacau”, relata Toto Arara. “Não sei se tu viu o mapa, desmatamento demais, ramal (vicinais), nós estamos só na ponta da água. Maribel é um carreteiro de apoio, dentro do território. Daqui da aldeia até lá dá uns dois minutos de voadeira. Bem aí tem estrada, bem aqui embaixo, tem ramal em que tiraram  madeira, pra fazenda, pra Maribel, Uruará, Trairão. Tudo vara (atravessa) aí.” 

Em meados de outubro, Toto Arara foi a Brasília e visitou vários órgãos de governo para encontrar a solução dos problemas, como Funai, MPF e Ibama. Ele foi com um grupo de indígenas liderado pela Federação dos Povos Indígenas de Altamira, que reúne 11 povos e cujo representante é Paynaré Xipaia. “Fizemos uma carta denúncia, pois aumentou muito a grilagem, desmatamento e garimpos em terras indígenas. Também denunciamos o PBA-CI (Projeto Básico Ambiental – Componente Indígena), para mitigação de impactos de Belo Monte, que há 11 anos não foi cumprido. Também cobramos as bases de proteção aos territórios que fazem parte das condicionantes de Belo Monte. Em Brasília, fizemos a denúncia à própria ministra Sonia Guajajara”, conta ele. 

Omissões das autoridades

Sydney Possuelo continua atento às demandas indígenas. E, particularmente, o povo Arara marcou uma dos momentos mais importantes de sua vida profissional. O sertanista trabalhou 42 anos na Funai e em 1987 criou o Departamento de Índios Isolados. E foi na tarefa de contato com esse povo que conseguiu oficialmente acabar com a metodologia usada pelas antigas frentes de atração do órgão governamental indigenista, passando então apenas a monitorar os indígenas isolados para proteção física e cultural. 

“Das coisas administrativas, essa mudança de política governamental de contato para não contato reputo como uma das coisas mais importantes que eu possa ter feito”, orgulhava-se em entrevista à agência Amazônia Real, quando devolveu medalha e diploma de Mérito Indigenista. Na ocasião, ele sentiu a desonra de ver Jair Bolsonaro entregar a mesma deferência, em risos de deboche, a um de seus aliados. 

Possuelo contou que o contato com os Arara consolidou definitivamente a ideia de fazer a mudança. “Eu era funcionário da Funai, não era presidente. Foi praticando políticas anteriores que vi que estavam erradas. Houve encontros piores do que esse, mas nesse eu tinha conseguido a melhor de todas as estruturas que já tive para a proteção dos indígenas. Eu consegui helicóptero, médicos, remédios. Mesmo assim morreram índios. Poucos, mas morreram. Você não vai correr atrás do índio com remédios na floresta. Quando fica doente, ele sai correndo e vai se tratar com as ervas dele. E morre lá. Porque não tem erva que cure as doenças como gripes que são levadas pelo contato.”

É por essa razão que, no meio da nossa conversa, Possuelo passou a criticar, com veemência, os órgãos e entidades que deveriam proteger os indígenas. Em primeiro lugar, a Funai. “É omissa. Deveria acompanhar pari passu esse convênio (de mitigação dos impactos da hidrelétrica Belo Monte), exigindo que faça o que está escrito nos acordos. A Funai não faz nada. E o Ministério Público (Federal), o que tem feito? Alguém já tomou a iniciativa de fazer a desocupação (das invasões)? Manda a polícia ir lá e retirar o pessoal. É isso que tem que ser feito. Mesma coisa com os Yanomami, que estão em área demarcada e invadida”, relata. 

O sertanista se pergunta: “Como você vai apoiar ribeirinhos que estão dentro da terra indígena? Vá apoiar os ribeirinhos que estão fora, esses merecem, não os que estão lá dentro. O ISA (Instituto Socioambiental) tem projetos de apoio aos ribeirinhos lá (em Maribel)”, critica Sydney Possuelo a respeito dos projetos que recebem financiamentos em benefício de comunidades. O ISA apoia o movimento indígena, com informações coletadas em décadas por pesquisadores associados, mas o sertanista não deixa de incluí-lo no rol de instituições que contribuem por omissão com danos ao povo Arara. 

Ele tem a sensação de que para entrar em território Arara basta se comportar como invasor. “Se for garimpeiro, a entrada é livre. Continuam a tirar lá da terra indígena quantidade imensa de madeira. A madeira está saindo permanentemente. Você vai na estrada, passam por você vários caminhões carregados. Basta ser invasor, pode fazer o que quiser lá dentro. Como acontece nas terras Kayapó, Yanomami e outras. Eu cruzei agora naquele trecho que vai da Transamazônica até o Iriri, cruzei com vários caminhões madeireiros, cheios de madeira. Como é possível uma coisa dessas? Roubam, desautorizam, humilham os povos indígenas, e fica por isso mesmo. Não tem uma força que se levante pra cobrar isso”, diz. 

“E estamos com tudo favoravel: Presidência, Funai, Ministério do Meio Ambiente e foi criado até o Ministério dos Povos Indígenas”, enfatiza o sertanista que aproveitou quando esteve sentado na cadeira da presidência da Funai, entre 1991 e 1993, para demarcar mais de 160 novas terras indígenas, entre elas a Yanomami. A tarefa, durante o governo Fernando Collor, foi possível pela atenção internacional sobre a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), que aconteceu no período no Rio de Janeiro. 

As tragédias de Altamira

O “paliteiro” de árvores mortas, alagadas pelas águas do lago formado pelo barramento do Rio Xingu por causa da UHE de Belo Monte (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real/2018).

O povo Arara é reconhecido pelos órgãos de governo e MPF como uma história diferenciada de todos os demais impactados pela Belo Monte, a usina hidrelétrica cuja construção teve início em 2011 na bacia do rio Xingu. O antropólogo Márnio Teixeira-Pinto considera que os Arara são exemplo do descaso e da omissão do Estado, seja nas iniciativas para garantias constitucionais, como “para a conservação de seus hábitos e costumes, seja também quanto a sua simples sobrevivência física. Contam-se às dezenas as vítimas Arara”. 

Márnio Teixeira é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e desde 1986 pesquisa os Arara. Ele explica que “seu território jamais esteve garantido”, mesmo depois das demarcações feitas com atrasos de anos. E afirma que “Belo Monte é um capítulo maior da tragédia”. Para o antropólogo, os danos afetam formas nativas de organização social e cotidiano das aldeias de todos os povos afetados pela construção. 

Ele escreveu sua tese de doutorado e viveu muitos meses no território Arara, em pesquisas desde os tempos de contato. E comenta que a presença de Maribel promove coações e impede a retomada de relações sociais entre subgrupos Arara que foram separados desde o início da construção da Transamazônica e nunca mais conseguiram se unir. 

O que dizem as instituições

A Amazônia Real encaminhou às instituições citadas na reportagem um pedido de resposta sobre as críticas e denúncias feitas por Sydney Possuelo e Toto Arara (o pedido de resposta se refere apenas à reportagem, não às citações de outras instituições que seguem abaixo):

Ministério Público Federal

O MPF considera que os Arara são vítimas da ação etnocida da União e da concessionária Norte Energia, potencializando a violência que o Estado comete desde a abertura da Transamazônica, isolando seus grupos. Eles informaram à agência que agressões aos Arara e demais etnias cujas vidas foram violadas por Belo Monte foram relatadas em ação do MPF apresentada à Justiça Federal em 2015, que naquele ano já descrevia diversos impactos na TI Cachoeira Seca, incluindo denúncias de desmatamento (a mais desmatada em 2013), invasões de madeireiros, estradas abertas com fluxo ilegal de madeira, atraso na regularização fundiária acirrando a vulnerabilidade dos indígenas a ponto de não poderem circular livremente em seu território. Junto a isso, vieram o aumento da pressão de pessoas com a construção de Belo Monte, medo, desamparo, insegurança devido a ameaças de não indígenas e a exploração de madeira. O Plano Emergencial, como efeito colateral, produziu insegurança alimentar por causa da distribuição indiscriminada de bens e alimentos. As aldeias foram se esvaziando com homens passando a maior parte do tempo em Altamira, em prejuízo ao trabalho nas roças na Aldeia Iriri. O MPF também cita a contaminação da aldeia por resíduos de embalagens plásticas. 

Essa ação do MPF concluiu que a TI Cachoeira Seca demandava regularização fundiária urgente. Em 2020, Justiça Federal em Altamira em decisão liminar reconheceu que medidas da Norte Energia provocaram interferência na cultura, modo de vida e uso da terra pelos indígenas, causando relevante instabilidade nas relações intra e interétnicas. A Justiça ordenou mudanças na execução do Plano Básico Ambiental Indígena de BM atendendo parcialmente aos pedidos do MPF. Determinou ainda que a União e a Funai apresentassem um cronograma para conclusão de processos de regularização fundiária da TI Cachoeira Seca e TI Paquiçamba. Passados dez anos da propositura da ação e mais de quatro da concessão de liminar, pouco (ou quase nada) se avançou nesse lamentável cenário, afirma o documento encaminhado à agência jornalística. Os impactos avolumaram-se de maneira exponencial, ao passo que os programas de mitigação implementados de forma deficitária e na maioria das vezes unilateral mostraram-se fracassados. O sistema de proteção e vigilância que condicionou a licença prévia da usina e que deveria anteceder as obras até hoje não está operando na TI Cachoeira Seca. Grupos indígenas vivenciam crise sem precedentes, em verdadeiro processo etnocida. Como exemplo, a infestação de morcegos em escola Arara, demandando providências do MPF. O MPF, informou em nota, que segue atuando na esfera judicial e extrajudicial, para combater violações a direitos dos Arara, que merecem tratamento diferenciado por se constituírem em grupo de recente contato. 

Norte Energia

A empresa concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte respondeu que executa as ações do Plano Básico Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI) desde 2013, e que tem previsão de ser revisto a partir do primeiro trimestre de 2025, com tratativas conduzidas entre 2016 e 2022. A companhia alega que já beneficiou 5,5 mil indígenas do Médio Xingu, destinando mais de 1,2  bilhão de reais em iniciativas como a construção de 56 salas de aula, 31 unidades básicas de saúde indígena e a manutenção de 170 profissionais à disposição do Distrito Sanitário Especial Indígena. A empresa diz ter reduzido em 90%os casos de malária na região, feito a manutenção de 500 km de estradas, construído 17 pistas de pouso, 354 sistemas de esgotamento sanitário, 11 unidades de proteção territorial, 970 infra-estruturas para atividades produtivas e implantação de centro de monitoramento remoto na Funai, que monitora 98% das terras indígenas do País. Em nota à reportagem, observou que “apenas cinco escolas foram oficialmente recebidas pelo órgão competente”. 

Funai

A Funai respondeu que está atuando para viabilizar o processo de desintrusão da TI, como uma das condicionantes impostas pela construção da usina de Belo Monte. Recentemente, houve uma intensificação no diálogo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, além do Ministério dos Povos Indígenas, para priorizar a remoção de ocupações irregulares. E que tem realizado operações conjuntas com órgãos como Ibama e Polícia Federal para combater o desmatamento, a pesca ilegal, a caça e outras atividades irregulares na TI Cachoeira Seca. Em 2024, foram realizadas duas grandes operações de fiscalização no território, com a apreensão de equipamentos e notificações de invasores. O órgão disse ainda que tem cobrado reiteradamente a empresa Norte Energia e os responsáveis pelo cumprimento das condicionantes de Belo Monte e que a omissão nesse cumprimento está sendo tratada no âmbito judicial e administrativo, com apoio do MPF. Sobre as ameaças sofridas pelos Arara e as invasões, a Funai informa que tem reforçado o monitoramento territorial e está em diálogo com as forças de segurança para aumentar a vigiância. Diz ainda que tem trabalhado para fortalecer as condições de saúde, educação e segurança alimentar nas aldeias Arara. Em parceria com a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), estão sendo elaborados planos de ação para atender as necessidades da Cachoeira Seca. 

Ministério dos Povos Indígenas, Ibama, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Instituto Socioambiental

Os citados acima não responderam ao pedido de respostas da reportagem. O espaço continua aberto para futuras atualizações.


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