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TogglePara a comunidade que luta pela saúde do oceano, esta foi a COP em que ele entrou definitivamente na agenda global de combate aos impactos das mudanças climáticas. O otimismo ficou nos inúmeros debates que ocorreram nas zonas azul e verde da Conferência e na presença do oceano nos discursos de autoridades na abertura do evento, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da COP30, André Corrêa do Lago.
Apesar disso, quando as lentes se voltam para os documentos finais da Conferência, o Pacote de Belém, há apenas gotículas de oceano. “O resultado da COP30 em relação ao oceano é desanimador e desproporcional ao esforço que foi colocado, não só na COP, mas no processo que levou à Conferência”, lamentou Alexander Turra, coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.
O chamado documento Mutirão Global, palavra indígena que se tornou parte do vocabulário dos participantes da COP30, menciona o oceano duas vezes. Uma delas reconhecendo que é preciso implementar ações de reflorestamento e reversão do desmatamento e em “outros ecossistemas terrestres e marinhos que agem como sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa e conservando a biodiversidade”. A outra enfatizando a urgência de se tratar, “de forma abrangente e sinérgica, as crises globais interligadas das alterações climáticas, da perda de biodiversidade e da degradação dos solos e oceanos, no contexto mais amplo da concretização do desenvolvimento sustentável”.
“Como é possível atingir as metas dedicadas a reverter o cenário que se coloca nessa frente sem um destaque muito claro para o oceano?”, questionou Turra, que ajudou a coordenar o Pavilhão do Oceano, espaço abrigou mais de 50 mesas e conferências sobre o oceano, a partir de perspectivas estratégicas para o debate sobre mudanças climáticas. Além das atividades do Pavilhão que levou seu nome, o oceano ocupou os dias 17 e 18 das reuniões oficiais para delegações das Nações Unidas e transbordou em outros Pavilhões da zona azul e da zona verde (aberta ao público) como mostramos em matéria para O Eco.
O OCEANO EM ALGUNS DOCUMENTOS DO PACOTE DE BELÉM
O documento reconhece a importância de ecossistemas marinhos ao incluir “ecossistemas terrestres e marinhos que atuam como sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa” e ao reforçar a necessidade de restaurar e manejar ecossistemas marinhos como parte da ação climática. Também menciona a degradação oceânica no conjunto das crises interligadas (clima, biodiversidade e degradação da terra e do oceano). O oceano aparece, portanto, como parte dos ecossistemas-chave para mitigação, adaptação e conservação, mas sem detalhamento específico de ações ou mecanismos voltados ao mar.
Não há menção ao oceano.
Não menciona diretamente o oceano. Há apenas referência indireta à integridade de todos os ecossistemas e à proteção da biodiversidade, incluindo abordagens baseadas em ecossistemas. O oceano é, portanto, implicado, mas não explicitado como parte dos ecossistemas críticos em transições justas.
Não há menção ao oceano.
Não há menção ao oceano.
Não há menções ao oceano.
Não há menção ao oceano.
O documento inclui o oceano de forma explícita ao definir indicadores para adaptação que abrangem ecossistemas marinhos e costeiros, reconhecendo suas vulnerabilidades e papel na redução de impactos climáticos. O oceano surge como parte das tipologias ecossistêmicas relevantes (junto de terrestres, montanhosos, de água doce etc.) e como alvo de restauração, conservação e soluções baseadas na natureza. É um dos documentos mais claros na inclusão do oceano como elemento central nas métricas de adaptação.
Não há menção ao oceano.
Há boas notícias para além dos documentos oficiais
“A COP30 marcou um avanço decisivo na integração das agendas de oceano e clima, com países reafirmando o papel essencial dos ecossistemas marinhos na mitigação e adaptação nas negociações e na cúpula dos líderes”, afirma Marina Corrêa, líder de Oceano do WWF-Brasil. Participante ativa de várias discussões sobre oceano nos diferentes espaços da Conferência, Marina destaca que, “mesmo com lacunas no texto final, Belém mostrou que colocar um oceano saudável no centro das discussões da UNFCCC é indispensável para acelerar reduções de emissões e fortalecer a adaptação rumo à COP31”.
Um dos caminhos que a Conferência em Belém marcou é de que há acordos que serão realizados sem o consenso necessário das nações que formam as Nações Unidas e que podem ser adotados de forma voluntária pelos países. Nesses caminhos, a potência do oceano e de soluções climáticas baseadas nele se fizeram presentes. Um exemplo é a Força-Tarefa pelo Oceano, iniciativa que busca reforçar o compromisso dos países com a inclusão do oceano em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Anunciada durante a reunião ministerial “Da Ambição à Implementação: Cumprindo os Compromissos com o Oceano”, a força-tarefa dá continuidade ao Desafio das NDCs Azuis, lançado na 3ª Conferência dos Oceanos da ONU (UNOC3), em junho deste ano em Nice, por iniciativa da França e do Brasil.

Em cada ciclo de negociações das NDCs, o papel do oceano vem ganhando centralidade e a força-tarefa vem para acelerar essa integração, impulsionando a implementação das NDCs Azuis de forma conectada à resiliência oceânica, expansão de energia limpa, geração de empregos e desenvolvimento de comunidades costeiras. Mais de 60 países já mencionam o oceano em suas NDCs – um tema prioritário, principalmente para os países-ilha e para aqueles que dependem diretamente dos recursos marítimos e os têm conectados à sua cultura, alimentação e organização social. De acordo com a ONU Mudanças Climáticas, 78% das Partes incluíram novas NDCs relacionadas ao oceano, sendo as medidas de adaptação as mais proeminentes, conforme mostra o gráfico abaixo.

Com a criação da força-tarefa, novos países aderiram ao Desafio das NDCs Azuis, que agora reúne dezessete membros, com Brasil e França liderando o movimento. As nações que se juntaram ao movimento na COP30, como Portugal, Canadá e Indonésia, destacaram a adoção de medidas como o investimento na proteção de áreas costeiras, descarbonização do transporte marítimo e o trabalho conjunto com as comunidades tradicionais.
Fiji, formado por mais de 300 ilhas e envolvido com a iniciativa desde antes da Conferência de Belém, destacou que não somente a identidade nacional está intimamente ligada ao oceano, mas também a sua economia e a subsistência de sua população. Na reunião ministerial, uma das falas mais contundentes foi a de Juan Carlos Monterrey, representante do Panamá, para quem não deveriam ser necessários inúmeros documentos e conferências a fim de partirmos para as ações de proteção ao oceano de forma integrada. “O que acontece na Antártica não fica na Antártica”, destacou.
Pacote Azul
Outra novidade da COP30 foi o anúncio do Pacote Azul, um plano coordenado para acelerar soluções nos cinco setores-chave dos Avanços Oceânicos: na conservação marinha, em energia renovável oceânica, no transporte marítimo, na alimentação aquática e no turismo costeiro. “Ele é inspirado no que fazemos nacionalmente com o Plano Clima no entendimento de que sem oceano saudável não temos equilíbrio planetário”, explica Ana Paula Prates, diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Ela lembra que fazem parte desse pacote o Planejamento Espacial Marinho, que organiza as atividades humanas em áreas marinhas, e programas de conservação de ecossistemas estratégicos como o ProManguezal (de 2024) e o ProCoral (de 2025).
Para garantir o monitoramento e a transparência da implementação das ações do pacote, houve o lançamento da Ocean Breakthroughs Dashboard, plataforma de monitoramento das ações propostas, com vistas à redução de 35% das emissões globais até 2050.
Marinez Scherer, enviada especial para o oceano nesta COP30, função inédita na história das conferências, explicou que a plataforma deve reunir dados de diversas fontes e instâncias para fornecer um panorama dos avanços. “Temos desde ações sublocais, aquelas realizadas por comunidades tradicionais – e o Brasil tem muita experiência para mostrar com as reservas extrativistas e as reservas de desenvolvimento sustentável, que desenvolvem soluções para a preservação de corais e manguezais, por exemplo –, passando por ações a nível regional e nacional, como a adesão do Brasil ao Painel do Oceano”.

Painel do Oceano
Outro marco importante foi a entrada do Brasil no Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável do Oceano (Ocean Panel, em inglês), um grupo de chefes de Estado e de governo que atua para impulsionar a transição para uma economia oceânica sustentável, orientada por ciência, cooperação internacional e compromissos concretos. Ao ingressar no grupo, o Brasil compromete-se a gerir de forma sustentável sua Amazônia Azul e elaborar um Plano para um Oceano Sustentável (SOP, do inglês Sustainable Ocean Plan) até 2030.
Para o país, essa adesão representa mais do que prestígio diplomático: é uma afirmação estratégica de que o oceano precisa ocupar o centro das decisões climáticas e de desenvolvimento. Detentor de quase 3,7 milhões de quilômetros quadrados de áreas marinhas sob jurisdição nacional, o Brasil tem muito a ganhar – e a proteger – ao reestruturar sua governança marinha. Integrar-se ao Painel posiciona o país como líder em soluções oceânicas para o clima, abre portas para cooperação técnica e financeira e ajuda a destravar oportunidades econômicas que dependem de uma gestão sustentável dessas áreas.
Financiamento
O financiamento é um ponto crucial e sensível para ações climáticas. Uma estimativa da Ocean Risk and Resilience Action and Alliance e parceiros aponta que seriam necessários de 383 a 717 bilhões de dólares por ano até 2030 para garantir uma economia azul sustentável. Ações para a implementação de sistemas de gestão de resíduos para frear a poluição marinha, ou de aprimoramento das cadeias produtivas relacionadas à pesca e à aquicultura necessitam de investimentos volumosos. Por isso, a união de forças na busca de recursos é mais do que necessária.
Nesse sentido, a Conferência também trouxe avanços. Segundo Marina Corrêa (WWF-Brasil), as iniciativas como a força-tarefa e o Pacote Azul trazem rotas para “transformar ambição em ação concreta, com mais estrutura para a discussão sobre financiamento para soluções baseadas no oceano”. O Pacote Azul prevê o investimento de até 116 bilhões de dólares até 2030 na aceleração de soluções baseadas no oceano, alinhado às ambições da força-tarefa. Há previsão de recursos para financiar a produção de energia renovável em alto mar, promover o desenvolvimento de resiliência em comunidades costeiras e para a produção de alimentos oceânicos e investir na redução das emissões do transporte marítimo e do turismo. Do montante previsto, cerca de 72 bilhões dizem respeito à proteção e à restauração de pelo menos 30% dos ecossistemas oceânicos.
Outras iniciativas complementam esses esforços. A One Ocean Partnership, anunciada na COP30, estabelece uma rede global de territórios e parceiros para apoiar a regeneração de áreas azuis. Seu objetivo é viabilizar pelo menos 20 bilhões de dólares de investimento na Economia Azul Regenerativa até 2030, com expectativa de impactar pelo menos 20 milhões de quilômetros quadrados de área costeira e marinha em todo o planeta. O movimento é inspirado na iniciativa Great Blue Wall, lançada na COP26, em Glasgow, na Escócia, e liderada por países africanos voltados ao Oceano Índico. Através da aliança entre governos, agências internacionais, organizações da sociedade civil, comunidades costeiras e setor privado, este projeto alia a conservação de 2 milhões de quilômetros quadrados a investimentos na economia sustentável marinha.
A Agenda Global de Ação Climática da COP30 prevê, ainda, medidas como um financiamento de mais de 4 bilhões de dólares para a proteção de manguezais através da Mangrove Breakthrough, movimento global que reúne 46 representações nacionais e subnacionais – incluídos o Brasil, os estados do Amapá, Bahia, Maranhão, Pernambuco, Pará e Rio de Janeiro, além do município de Aracaju. Já o movimento Coastal 500, que reúne governos locais de países tropicais em desenvolvimento, como Brasil, Moçambique e Filipinas, pretende mobilizar pelo menos 5 milhões de dólares até 2027 para a proteção de 10 milhões de hectares de áreas costeiras.
Próximos passos da agenda azul
Para Alexander Turra, a COP30 foi um marco inicial da inclusão do oceano na diplomacia climática, mas falhou ao não dar o destaque que o ambiente marinho merece tanto quanto as florestas. “Não é possível que a COP30 não tenha reconhecido o oceano como um aliado na busca de soluções tanto para mitigação quanto para adaptação às mudanças do clima”, observa.
Marinez Scherer avalia que a COP30 foi um ponto de virada para o oceano e trouxe contribuições importantes, mas que os próximos passos devem priorizar a implementação das ações levantadas considerando a transversalidade do tema. “A transição energética precisa ser tratada com urgência e objetividade, com a redução gradual do uso de combustíveis fósseis e maior volume de financiamento climático para as nações mais vulneráveis. Todas essas agendas se conectam, direta ou indiretamente, ao oceano. A COP30 contribuiu para alinhar forças e consolidar estratégias concretas para soluções marinhas. Ação baseada no oceano é ação climática”, sublinha a enviada especial.
Entre as próximas agendas multilaterais com espaço para o oceano, despontam não apenas a COP31 — que será realizada na Turquia e coorganizada pela Austrália — mas também a conferência sobre combustíveis fósseis proposta pela Colômbia para abril de 2026, além da retomada das negociações do tratado global contra a poluição plástica e a I Conferência das Partes (COP1) do Tratado de Alto-Mar (Tratado BBNJ). Há, ainda, a expectativa de acompanhar de perto a implementação dos compromissos assumidos paralelamente pelos países engajados na proteção do nosso oceano único, e garantir que o Pacote Azul não fique à deriva no plano das ideias, mas avance para a implementação concreta.
Nesse processo, não basta apenas olhar para o oceano: é preciso olhar para as pessoas. O percurso que navegaremos para fortalecer o papel do oceano para soluções climáticas determinará se conseguiremos – ou não – transformar realidades e construir um futuro mais justo. Como destaca Carolina Cardoso, Secretária Executiva do Painel Brasileiro para o Futuro do Oceano (PainelMar), ainda há pontos de atenção centrais para que essa transformação seja de fato inclusiva e efetiva. Ela lembra que “mesmo sem alcançar o espaço que merece nos resultados oficiais, a COP30 marcou um ponto de virada para a agenda oceânica: a visibilidade inédita do tema e a criação da força-tarefa oceânica indicam que o oceano começa, enfim, a ser reconhecido como pilar da ação climática global — ainda que persistam lacunas significativas para assegurar a participação efetiva de comunidades tradicionais costeiras e a garantia de seus direitos territoriais”.
Ao integrar ambição climática, implementação concreta e justiça social, o oceano pode é um eixo capaz de fortalecer o combate aos impactos das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, assegurar um futuro mais justo e equânime.
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