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ToggleFísico, pedagogo, diretor de cinema e comerciais para a TV, Guto Carvalho se define como um observador. “Nasci assim. Me lembro que com 4 anos de idade eu já andava atrás de passarinho com meu pai nos cafezais lá de Marília, em São Paulo”, lembra Guto, fundador e coordenador do Avistar Brasil. O evento – maior rede de promoção da observação de aves do país – reuniu 12 mil pessoas na sua décima sétima edição, realizada em São Paulo nos dias 17, 18 e 19 de maio deste ano.
“A observação de pássaros sempre esteve muito conectada comigo. Eu olho passarinho, vejo comportamento, desde sempre. Não sei se é fruto da observação ou se é por eu ser uma pessoa extremamente observadora e curiosa. Ela foi o canal de expressão de uma curiosidade, de uma atitude. E a observação de aves me trouxe muitos amigos, uma rede de conexões de pessoas queridas”, conta.
Em conversa com o ((o))eco, o coordenador do Avistar Brasil afirma que o momento é especial para a cultura da observação. “Existe um conceito da física que é a mudança de fase. Mudança de fase é o ponto de ebulição e congelamento. Você vai esfriando a água, ela ainda é água até que em um momento ela vira gelo. Eu penso que a gente vive uma mudança de fase na observação de aves. Por vários indicadores que um evento como esse [o Avistar], com a potência que teve, oferece. Números não são o melhor parâmetro, mas sinto a densidade das ações em todas as faixas etárias. Tivemos 149 trabalhos apresentados em palestras. Além disso, um fato que chamou muito a atenção é que dessas 149 palestras, 74 foram propostas por mulheres, 74 de homens e 1 não binário. A quantidade e a qualidade do conhecimento produzido em todo o Brasil reflete o grau de envolvimento da sociedade com a natureza, a diversidade de temas, de faixas etárias, de empreendimentos envolvidos, desde secretaria de estado até criador dos jogos de cartas, isso para mim fala de um ecossistema, de atividades que tem como eixo central as aves, a natureza e as pessoas”, comemora.
O início e uma mudança de agenda
Guto Carvalho foi publicitário e produziu comerciais para a televisão durante anos. Teve uma produtora e atuava no “mercado do mal”, como definiu o período. “Cansei de trabalhar com o mundo publicitário, cansei não, mas tinha um olhar crítico. Paralelamente, eu pegava as pontas dos negativos que sobravam dos filmes que eu fazia e ia fotografar passarinho. Na época não tinha câmera digital, em 1997/1998, e o filme era muito caro”.
“Quando a gente fechou a produtora, eu percebi que havia um problema na comunicação do meio ambiente, que é sempre muito focada em agenda negativa. E em publicidade a gente sempre fala em agenda positiva. Então achei que esse olhar publicitário teria alguma contribuição a dar para a conservação. Foi quando a gente começou a trabalhar no que viria a ser o Avistar”, explica.
Guto conta que no ano 2000 criou um grupo de email com os parceiros de observação e a partir dele surgiu o Avistar. “Foi quando deixou de ser um passatempo e passou a ser um envolvimento com conservação, a partir de um olhar publicitário. As aves sempre trazem uma agenda positiva, não que a gente não deva falar da agenda negativa como destruição, fogo, seca, tudo isso é muito importante. Mas o meu foco sempre foi tentar chegar nas pessoas pelo lado da beleza, da diversidade, da liberdade. Esse trio de atrativos das aves para mim sempre foi um canal para abrir espaço na conversa sobre conservação”, reforça.
Observação e turismo
Segundo o Sebrae, o birdwatching – turismo para observação de aves – vem apresentando um importante crescimento em todo o mundo, especialmente no Brasil, onde são estimados cerca de 100 mil observadores. E o potencial no país é enorme. No mundo, onde a atividade está consolidada, os números impressionam e impulsionam a economia. No ano passado, a agência americana United States Fish and Wildlife Service divulgou que os Estados Unidos movimentam mais de 40 bilhões de dólares por ano com os 45 milhões de observadores de aves. Em todo o planeta, a estimativa é de que 100 milhões de observadores geram em torno de 90 bilhões de dólares anualmente neste tipo de turismo.
Ao ((o))eco Guto Carvalho disse que no início este foi um dilema para os amantes da observação.
“Quando a gente começou o Avistar havia essa dúvida, se a gente devia focar no turismo internacional que já existia na época e alcançar rapidamente um público pequeno, mais seleto, ou se a gente deveria investir nisso como uma estratégia de conservação, não de turismo. E tentar implantar a cultura de observação de aves no Brasil como uma estratégia para falar com as pessoas da importância de conservar o meio ambiente. E a gente ficou com essa segunda opção. Nesse cenário, do ponto de vista de turismo internacional, ele sempre foi relativamente pequeno. Do ponto de vista de uma cultura, um estilo de vida no Brasil para brasileiros, nossa opção, as mudanças foram radicais. Na época não existiam 500 observadores no Brasil e hoje a gente pode falar de 100 mil, 200 mil. E a gente vê que a observação de aves hoje tem todo um ecossistema de negócios que vai muito além do turismo. É vestuário, editorial e produção de conhecimento. A agenda de observação de aves é infinitamente mais ampla do que o turismo. E nós optamos, já na época, de investir esforços em desenvolver esse ecossistema de atividades ligadas à observação. Me parece que foi uma estratégia acertada e o resultado disso é que hoje a gente teve um desenvolvimento orgânico da base de observadores, que se deu com as pessoas que vão observar na zona rural de casa. Noventa por cento do volume da observação de aves no Brasil não se dá pelo turismo, não são pacotes turísticos. Isso agora está se consolidando, mas ela se dá a partir da pessoa que descobre um brejinho pra chamar de seu, um pedacinho de mato pra chamar de seu. E isso é que é fundamental, é isso que pode mover uma forma de conservação onde as pessoas estão cuidando dos ambientes naturais, na zona rural de suas cidades, na praça, na praia ou na fazenda do tio”, destaca Guto.
Ciência cidadã
O interesse crescente pela observação no Brasil contribui com a ciência através das trocas de informação e tipificação de aves. Guto ressalta também a importância da formação do trabalho científico. “Uma ornitologia pujante que surgiu no Brasil nos anos 1980, 1990 trouxe toda a formação de campo, em forma de guias, de livros, de trabalhos, pesquisas, artigos, toda a ciência que deu base para o crescimento da observação de aves”, pontua.
“É todo um fenômeno social de ciência cidadã. Não apenas de uma pessoa contribuindo, mas toda uma sociedade que tinha em si um amor às aves e precisava encaminhar esse amor de uma forma construtiva, de uma maneira positiva. Não a gaiola, que foi a maneira tradicional no Brasil de expressar o amor às aves, esse amor com sentido trocado. Mas a partir do conhecimento, da ornitologia de campo produzida, a partir da difusão disso, via iniciativas como o Avistar, como as possibilidades materiais com a fotografia digital, as redes sociais catalisando uma plataforma que soube capturar o espírito brasileiro, a necessidade de fazer amigos, a cooperação, a troca de dados que é o Wikiaves, tudo isso entrou numa espiral positiva que vem alimentando e retroalimentando a difusão da cultura da observação de aves com todos as suas características, muitas delas de grande valor para a conservação”.
Educação ambiental e a geração de naturalistas
Neste crescimento de interesse pela observação, o coordenador do Avistar destaca a importância do envolvimento de gerações. “As aves são muito cativantes, você fala de passarinho e transforma qualquer espaço em mesa redonda. O Avistar tem o kids há 10, 12 anos, mas a gente vê agora uma espiral de interesse das crianças e como a gente tem um trabalho longo, hoje temos jovens naturalistas. A gente recebeu recentemente a visita de representantes da principal feira mundial e todos se surpreenderam com o quanto a observação de aves no Brasil é jovial. A faixa etária em outros países é bem mais alta. Eu acho que isso em parte é porque no Brasil a gente teve a tranquilidade de não investir em negócios e sim trabalhar a observação enquanto estilo de vida, cultura e aí deu espaço para a atividade infantil e a educação ambiental que vem junto com isso. A gente fica muito feliz em ver, é uma prova de que o caminho está mais ou menos certo”, aponta.
Apoio governamental
No bate-papo com ((o))eco, Guto Carvalho analisou a participação de governos no apoio à observação de aves. Ele destaca que a atividade foi uma iniciativa da sociedade civil e que as diferentes instâncias governamentais têm feito a sua parte.
“No plano São Paulo e no plano ICMBio, há 14 anos fizemos as primeiras iniciativas para facilitar a observação de aves nos parques. O que acontece é que a máquina estatal tem o seu tempo e a sociedade é mais ágil. Talvez a observação de aves, por ser muito focada, ela não é uma ação em rede com outras iniciativas. Isso é quase uma autocrítica e olhando a observação, percebo que ela é um pouco bolha e isso retarda outras iniciativas que são mais eficazes sobre a máquina governamental. A gente entende que a atividade é muito mais orgânica. Tanto é que não existe, por exemplo, nenhuma agremiação nacional de observação de aves, não existe uma sociedade, as pessoas nunca pararam para fazer. E isso diminuiu um pouco a repercussão frente ao ente estatal. O Estado gosta de falar com a sociedade civil constituída”, analisa.
Em contrapartida, o coordenador do Avistar enxerga iniciativas interessantes de órgãos ambientais que souberam usar a observação de aves como um parceiro importante para alimentar e atualizar as listas de aves de suas áreas protegidas, por exemplo. “Observadores contribuem com muitas espécies para as listas geradas em plano de manejo. Tanto em São Paulo quanto no Rio, onde o Inea abraçou a causa e foi pioneiro em diversas iniciativas, fazendo passarinhadas nos parques do estado do Rio de Janeiro. Isso trouxe a contribuição de manter vivas as listas de espécies”, diz.
Desafios e novos horizontes para a observação
Satisfeito com os resultados da mais recente edição do Avistar, Guto Carvalho vê um longo caminho para a atividade no país. “Acho que precisa de um pouco de tempo para que a observação se torne uma cultura no país. É preciso destacar alguns pontos: a observação e a saúde. Se as pessoas se dessem conta de quão bem isso faz para a saúde a expansão da cultura seria muito maior. A observação de aves e o autoaprendizado e a disciplina. O objetivo não é aumentar a observação e sim a conservação. A observação tem hoje no país 100, 200 mil participantes. Para ampliar, precisamos entender que isso é também uma educação da cidadania. A gente não consegue analisar isso independente, não é um fator só da observação de aves, é um fator de cidadania geral que é uma deficiência da sociedade brasileira. Uma oportunidade de crescimento”, resume.
Segundo Guto, embora existam diversas estratégias de marketing quando se quer promover a observação de forma mais eficiente, o crescimento orgânico é muito mais consistente e mais consolidado. “Importante destacar que eu faço uma distinção muito grande entre a observação em si e o turismo de observação de aves. O turismo pode ser mais promovido, é uma questão de promoção de destino, de organização das estruturas do receptivo, isso tem um longo caminho a ser percorrido. Isso é o âmbito do empreendedorismo. Percebo que diversas entidades públicas ligadas ao setor do turismo e ao empreendedorismo como Ministério do Turismo, secretarias estaduais de turismo, Sebrae, Embratur, todos estão atentos a isso. E eu acredito que a gente deve passar por uma etapa de fomento do empreendedorismo na área do turismo de observação de aves bastante significativo”, diz.
O papel do Avistar
“O nosso trabalho é formar público para esse turismo. Nosso trabalho é formar observadores, difundir a cultura. Não adianta você ter um tremendo incentivo ao turismo se não tiver observadores nacionais e internacionais. Na medida que você cria a cultura da observação, e já criamos em boa parte, ela se difunde, se fortalece, começam a surgir espontaneamente inúmeros serviços como pousadas, lotes, guias. As histórias de observadores, de pessoas que começam a fotografar e se tornaram profissionais do segmento são inúmeras. Boa parte dos melhores guias e dos melhores operadores, todos começaram como observadores. Aí tem um crescimento orgânico, sistematizado e essas pessoas que foram por esse caminho já estão se formalizando dentro da estrutura do turismo. Outros seguiram o caminho de buscar o empreendedorismo, por exemplo em vestuário e publicação de livros. O ecossistema de negócios ligados na relação entre pessoas e natureza vai desde saúde com banhos de florestas, caminhadas contemplativas, meditação na floresta, a livros, editoras, guias de campo, aplicativos. Agora, por exemplo, estamos atentos a iniciativas como jogos de computador, games baseados nas aves brasileiras. Teremos a primeira maratona de desenvolvimento de jogos ligados à observação de aves em São Paulo entre os dias 5 e 7 de julho. Nesse caminho que vem até agora, ((o))eco foi desde sempre um parceiro muito importante. Logo na segunda ou terceira edição do Avistar a gente já estava junto, fazendo parcerias em projetos. A sociedade como um todo assumiu esse desenvolvimento. Assumiu o desafio de criar a cultura da observação de aves e a gente vê um resultado lindo hoje”, finaliza.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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