Nesta quinta-feira (11), ambientalistas e pesquisadores denunciaram a reabertura irregular de uma estrada abandonada em Magé (RJ) que destruiria o habitat único de espécies de peixes-das-nuvens ameaçadas de extinção. A retomada da Estrada do Bananal, antigo percurso de terra batida que conectava os bairros de Jardim Esmeralda e Sertão, seria uma alternativa para escapar da nova praça de pedágio na rodovia Rio-Teresópolis. Abandonado há cerca de 40 anos, o caminho foi reclamado pela Mata Atlântica, já em estágio de regeneração avançado, e atualmente é usado apenas por animais, como onças-pardas e gatos-mouriscos.
A promessa de reabrir a antiga Estrada do Bananal foi feita pelo vereador Silmar Braga (PL-RJ), em vídeo gravado ao lado do atual prefeito de Magé, Renato Cozzolino (PP) nesta terça-feira (9). “Vamos começar na próxima quinta-feira a abrir a Estrada do Bananal”, promete o prefeito. Autor da indicação para a obra e aliado de Cozzolino, o vereador tem base eleitoral na região da estrada.
Nesta quinta (11), como prometido nas redes sociais, a retroescavadeira tomou o rumo do Jardim Esmeralda. De sobreaviso pela postagem do vereador, parte da equipe do Projeto Base da Coruja, que faz pesquisa e monitoramento na região, foi atrás do maquinário.
“Não podemos deixar a estrada passar por esse meio sem fazer nada. Nós fomos na prefeitura, na secretaria de Meio Ambiente, na polícia e no Ministério Público. E fomos no local onde disseram que as máquinas estavam. Eles já tinham avançado num trecho da estrada, mas nós conseguimos pará-los antes deles entrarem muito na mata que está se regenerando”, conta Carlos Alberto Silva, biólogo e coordenador do Projeto Base da Coruja. O grupo protocolou uma denúncia no MPRJ de Magé, que já instaurou um inquérito para apurar o ocorrido.
Conforme o biólogo Jorge Pontes, que foi ao local na manhã desta sexta-feira (12), foram abertos cerca de 300 metros para dentro da floresta. “Eles derrubaram árvores, galhos, troncos, fizeram arrasa quarteirão, foram entrando. Se deixasse, a máquina ia direto até lá dentro”, conta o pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A retroescavadeira já foi removida do local.
“A prefeitura simplesmente sem projeto, sem consultar moradores, sem fazer estudo ambiental, chegou lá, obra eleitoreira, com o vereador na frente, dizendo que ia abrir e acabou”, denuncia o pesquisador da UERJ. ((o))eco pesquisou os Boletins Informativos Oficiais do município, desde 2023, e não encontrou a publicação de nenhum projeto ou contrato referente à empreitada.
O trajeto da Estrada do Bananal, em si, é curto. São menos de três quilômetros de extensão, num terreno alagável, enlameado e de relevo acidentado. No meio do antigo leito da estrada foi erguida ainda uma subestação de transmissão de energia, um obstáculo concreto que obrigaria, não apenas a reabrir uma velha estrada, mas abrir um novo caminho – e desmatar floresta adentro.
“A abertura da estrada, além de desmatar áreas já regeneradas, tem o impacto da fragmentação. O traçado dessa tal suposta estrada vai passar justamente por cima do ambiente onde foi descoberto esse peixe-das-nuvens, que é uma espécie ameaçada. Tem vários impactos. Fora o tráfego de veículos, a obra em si…”, lista o biólogo da UERJ.
Em novo vídeo divulgado nas suas redes sociais, na noite de quinta-feira (11), o vereador Renato Cozzolino praticamente admite que a reabertura da estrada seria feita à revelia da questão ambiental. “A gente não tem esse conhecimento [de área ambiental na região]. O conhecimento que eu tenho é esse aqui”, afirma o vereador enquanto aponta para uma escritura, datada de 1995. “Essa era a indicação que a gente tem [sic], então a indicação é legal, a minha indicação e a do vereador Werner [Saraiva (AVANTE-RJ)]. Agora se há outras situações hoje, o ICMBio e outras coisas, quem tem que ver é a Secretaria de Meio Ambiente, a procuradoria… Nós fizemos a nossa parte”, alega o parlamentar.
Apesar da aparente suspensão – ao menos temporária – do empreendimento, fontes locais compartilharam com ((o))eco que há uma movimentação para retomar a obra na próxima quinta-feira (18), independente do posicionamento dos órgãos ambientais.
A estrada que, segundo afirma o vereador, ainda aparecia no mapa na década de 90, hoje é uma floresta em regeneração. E não é qualquer floresta, trata-se de Mata Atlântica, bioma protegido por lei própria que restringe o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração, condicionado à autorização do órgão ambiental competente. Etapa que, conforme a denúncia, o parlamentar e a prefeitura simplesmente ignoraram.
“Tem árvores mais grossas que um garrafão de vinho de cinco litros”, ilustra Antônio Motta sobre a atual situação da Estrada do Bananal.
Com 60 anos, Antônio é dono da Fazenda das Nascentes, propriedade rural que margeia a antiga estrada. Ao longo de sua vida na região, viu a estrada cair em desuso após a duplicação da rodovia Rio – Teresópolis (BR-116), finalizada em 1981. Ainda na década de 80, lembra o proprietário, foi construída ali a subestação Magé, para fornecimento de energia elétrica, em cima do antigo traçado da Estrada do Bananal.
“A estrada começou a ficar abandonada, só passavam pessoas a pé, algumas carroças, aí foi fechando, virando uma trilha. E começaram a vir pessoas para usar drogas, um monte de coisa errada. Então, até por uma questão de segurança, nós fechamos a passagem para não passar mais ninguém. Claro que eu não tinha autoridade para fechar uma estrada. Fiz uma cerca com 4 fios de arame, se a prefeitura fizesse manutenção, teria visto e tirado, mas em momento algum a prefeitura contestou isso”, conta Antônio.
Nestes cerca de 40 anos a natureza, de pouco em pouco, retomou para si a pista. “Surgiu uma nascente bem em cima de onde era a estrada”, diz o proprietário.
Adquirida pelo seu pai em 1971, a fazenda que originalmente produzia gado, atualmente dedica-se a produzir natureza, ciência e educação. “São uns 99 hectares e hoje quase tudo é floresta, tem uma área de pastagem que estou deixando regenerar”, conta o proprietário, que trabalha em parceria com pesquisadores, universidades e escolas.
A floresta protegida por Antônio em sua propriedade ajuda a formar um corredor ecológico de Mata Atlântica, que se conecta à Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Campo do Escoteiro e, mais acima, ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos.
A área da estrada, inclusive, está localizada dentro da zona de amortecimento do parque. ((o))eco entrou em contato com o ICMBio, órgão ambiental gestor, que reafirmou que obras ou empreendimentos que podem impactar as unidades de conservação federais “devem passar por licenciamento ambiental junto ao órgão licenciador” e que cabe ao ICMBio manifestar-se sobre os impactos ambientais ao parque ou sua zona de amortecimento.
“Não tinha autorização, não tinha licença, eles estavam fazendo no peito”, denuncia Antônio.
Ele apresentou ao secretário de Meio Ambiente de Magé, Carlos Henrique Lemos, o percurso que seria desmatado para reabrir a estrada e onde vivem os peixes-das-nuvens. “E o terreno não é firme, é um lamaçal, tem área que desbarranca. Ele [o secretário] e o engenheiro falaram que ia ficar muito caro [fazer a obra], que seria inviável, e que eles não assinariam esse projeto”, conta.
De acordo com o proprietário, ao reencontrarem o vereador Silmar, eles tiveram uma conversa em que convenceram o parlamentar da necessidade de um estudo topográfico.
A reportagem de ((o))eco procurou, por e-mail e pelos telefones disponíveis, a prefeitura de Magé, a secretaria de Meio Ambiente e o vereador Silmar Braga para se posicionarem sobre a denúncia de ilegalidade da reabertura da estrada e como a prefeitura irá prosseguir. Ninguém respondeu. O espaço segue aberto para manifestação.
“Para reabrir aquilo lá vai ser uma mão de obra faraônica, porque é muito charco, muito lamaçal, tem córregos, como é que vai aterrar aquilo tudo?”, questiona o biólogo Carlos Alberto.
A promessa do vereador, feita em cumplicidade com o prefeito, e em pleno ano de eleição municipal, vem de encontro à insatisfação dos moradores da região que, desde 17 de dezembro do ano passado, passaram a enfrentar uma nova praça de pedágio e a cobrança de R$18,60 para automóveis.
“Não seria melhor o prefeito conseguir uma isenção da tarifa aos moradores?”, questiona Antônio, que reconhece o problema do pedágio na vida dos moradores. Através da Associação de Moradores, Pequenos Produtores e Amigos do Sertão, foi organizado um abaixo-assinado e protocolada uma ação contra a concessionária da via – a EcoRioMinas – para obter isenção do pedágio aos moradores.
Não é a primeira vez que o prefeito Renato Cozzolino se envolve em ações classificadas como “eleitoreiras”. Em junho, Cozzolino foi condenado a 8 anos de inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso de poder político durante sua campanha vitoriosa a deputado estadual, em 2018. Segundo a decisão da corte, o então candidato realizou “ações sociais em troca de votos”. A defesa afirmou, à época, que recorreria da sentença.
A biodiversidade que vem com as chuvas
Os peixes-das-nuvens, conhecidos no meio científico como rivulídeos, são peixes de existência sazonal, que “ganham” vida com as chuvas que formam poças temporárias, em brejos e áreas alagadiças. Quando estes lagos intermitentes se formam, os ovos até então enterrados na terra úmida eclodem. Assim nascem os peixes das nuvens. Com as chuvas.
Essa existência efêmera deixa estes peixes poéticos muitas vezes invisíveis aos olhos dos empreendimentos que, inadvertidamente, destroem e aterram seu habitat. Por terem uma vida restrita às poças temporárias, diversas espécies de rivulídeos têm habitats limitados, o que os deixa ainda mais vulneráveis ao risco de extinção.
“Essa região tem uma diversidade incrível para peixes-das-nuvens. Se a gente pensar no estado do Rio de Janeiro, diminuto como ele é, tem 23 espécies de sete gêneros diferentes”, comenta o especialista em rivulídeos, Fabio Origuela.
Duas dessas espécies vivem justamente nessa área de floresta em Magé, ameaçada pela reabertura da Estrada do Bananal. Uma delas é o peixe-das-nuvens Kryptolebias brasiliensis, que foi o primeiro rivulídeo descrito pela ciência, em 1821 e que, apesar do nome, ocorre apenas no estado do Rio de Janeiro, classificado como Em Perigo de extinção.
Essa pequena área de floresta representa também a última esperança dos pesquisadores encontrarem outro peixe-das-nuvens, o Leptopanchax sanguineus, atualmente classificado como Criticamente Em Perigo de extinção e provavelmente extinto, pois não é visto desde a década de 80. O único registro da espécie é justamente nessa região, que seria impactada pela reabertura da estrada.
“O local se manteve preservado. O principal fator agora de detonação é justamente a abertura da estrada, de forma eleitoreira, que vai passar na última área em que esse animal foi visto, na década de 80”, alerta o especialista.
Além dos peixes, a área também conta com o registro de onça-parda (Puma concolor), gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi), mão-pelada (Procyon cancrivorus). Até mesmo um grupo de mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) já foi visto na região.
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