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O que ler para conhecer a Amazônia (3)

O que ler para conhecer a Amazônia (3)
Ver no Amazônia Real


(Artigo publicado em janeiro de 1980)

O Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA) produziu quatro livros importantes, dois deles de Armando Mendes: Viabilidade econômica da Amazônia e A invenção da Amazônia acabam saindo como sendo o canto final de um apelo iniciado em 1971, quando o Centro das Indústrias do Pará assumiu a paternidade de um documento então entregue ao presidente Garrastazu Médici. Diagnóstico e reivindicações das classes empresariais da Amazônia era uma tentativa de corrigir algumas distorções do “capitalismo selvagem” que então começava a colocar a sua pata na região.

Os empresários, na verdade, reivindicavam mudanças ao Behemoth em relação ao que, se não era a causa, pelo menos legitimava toda a selvageria, contra a qual se voltavam os empresários subscritores do documento. O governo, porém, já decidira que a Amazônia deveria ser sacrificada no altar do “desenvolvimento”.

O Naea lançou também uma coletânea dos seus pesquisadores extremamente desigual, centrada na questão do Desenvolvimento e ocupaçãoColonização: para quem?, de Jean Hébette e Rosa Acevedo, ainda à espera do justo  reconhecimento. O Ipea publicou outro bom livro de um norte-americano, Denis J. Mahar, Desenvolvimento econômico da Amazônia, excelente na análise da Zona Franca de Manaus.

No final da década saiu o primeiro livro sobre o Projeto Jari, de autoria dos jornalistas Jaime Sautchuck e Sérgio Buarque de Gusmão, mais o sociólogo Horácio Martins Carvalho, Projeto Jari ­– A invasão americana, ainda distante de saciar a sede de informação da opinião pública.

Merece destaque ainda um livro pouco comentado, mas de sentido quase profético, de Edmound Uhart, A floresta amazônica: fonte de energia, editado pela Sudam, que também lançou Estudos para o planejamento de mão-de-obra, um bom levantamento do seu Departamento de Recursos Humanos. Até recentemente, a Sudam foi fértil nesses lançamentos e alguns artigos publicados no boletim Sudam Documenta são de leitura recomendável, como os do engenheiro florestal Francisco Guerra e de Janildo de Souza Campos e Alice de Souza Melo sobre o projeto Carajás.

Na série de publicações do Idesp, o instituto de pesquisas do governo paraense, realce para o livro de Roberto Santos, A economia do Estado do Pará. No Amazonas saiu o grande ensaio de Samuel Benchimol, Amazônia, um pouco antes e além-depois. Dois livros de Miranda Neto, um sobre o Marajó e outro sobre o desenvolvimento recente da Amazônia. Duas monografias muito pioneirass de Nigel Smith e Michael Golding sobre a pesca nos rios Madeira e Amazonas, editadas pelo Inpa, de Manaus.

O livro de Djalma Batista, O complexo da Amazônia, com uma visão geral e ao mesmo tempo profunda. Um livro técnico extremamente interessante para a região, editado pela Universidade de São Paulo (USP): Ciclagem de minerais. E uma fonte de referência indispensável: as Estatísticas Cadastrais, do Incra, que lançou uma série de levantamentos sobre os projetos agropecuários aprovados pela Sudam.

Entre as reedições: Santos e visagens, a excelente tese de mestrado do antropólogo Eduardo Galvão; Uma comunidade amazônica, do seu mestre, Charles Wagley; e Rondônia, de Roquete Pinto, todos pela coleção Brasiliana da Companhia Editora Nacional.
Desde Antônio Vieira um religioso não escrevia coma paixão e a razão que dom Pedro Casaldáliga emprega. Seu livro Creio na justiça e na esperança, lançado em 1978, não é apenas o retrato de uma frente pioneira, mas o testemunho de um mártir que vê as coisas com um alto senso poético. Mesmo o capítulo de erudição sobre a Bíblia é fascinante. Um dos mais belos livros escritos na década de 70.

A civilização indígena também mereceu alguns bons livros, a começar por um dos seus mais autorizados intérpretes, Nunes Pereira, que escreveu um tratado sobre o Panorama da alimentação amazônica. A Editora Civilização Brasileira reeditou Mitos ameríndios e crendices amazônicas, de Oswaldo Orico. O Museu Goeldi lançou uma monografia de expedito Arnaud sobre Os índios Gaviões do Oeste e de Protásio Frikel, em parceria com Roberto Cortez, sobre a farmacopeia Tyrió. O Summer Institute of Linguistics, em meio a intensa polêmica, editou a melhor coletânea sobre lendas indígenas dos munduruku. Vários autores, à frente Francis Hysley e René Fuerst publicaram Tribles of the Amazon basin in Brazil, de 1973, infelizmente ainda não traduzido para o português.

Ficção

Márcio Souza com Lula em setembro em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Dois autores marcaram a década na área da ficção: Márcio Souza e Benedicto Monteiro, Márcio é o escritor em atividade mais conhecido da Amazônia e o mais lido no resto do país, e também no exterior. O Galvez, imperador do Acre, que reconcilia a literatura da região com o humor, tornou possível o sucesso editorial de um longo ensaio sobre a literatura do Amazonas: A expressão amazonense, do colonialismo ao neocolonialismo, editado pela Alfa-Ômega em 1978. Fato raro: a Codecri, a editora de todas as peças já encenadas de Márcio em um só volume, feito invejável no Brasil.

Benedicto Monteiro conseguiu guardar, na tetralogia dos romances que escreveu, dois dos quais já publicados, o mundo da Amazônia destinado ao fim. Verde vagomundo, sobretudo, é um dos pontos altos da ficção regional, hoje com dimensão nacional.

A década marcou o fim de um dos maiores ficcionistas nascidos na Amazônia: Dalcídio Jurandir. Esquecido nos nossos dias, felizmente lhe restou a glória de concluir o vasto mosaico sobre a sua terra, do qual Marajó ainda parece ser o ápice, um dos momentos mais fecundos das letras brasileiras.

Graças à UFPA se pôde reler Inglês de Souza, outra glória desvalorizada. Em 1973, foi reeditado O cacaulista, que marca o pioneirismo do autor.

A poesia se fez pouco presente e nem sempre foi muito feliz. João de Jesus Paes Loureiro apareceu com Remo mágico e Porantim, cujo sabor exótico mereceu o prefácio de Octávio Ianni. Max Martins, o mais vigoroso dos poetas atuais, continua por merecer uma edição à altura dos seus méritos. Elson Farias trocou os versos por um cargo burocrático no governo amazonense.

Final

É claro que este levantamento não é exaustivo e está sujeito a falhas. Exclui, por exemplo, quase todos os estudos oficiais, que mereceriam resenha à parte. É um roteiro pessoal e elaborado com base na memória e não em uma pesquisa sistemática. Pretende ser apenas um convite a uma leitura esclarecedora sobre a Amazônia.


A imagem que abre este artigo é de autoria de Alberto César Araújo e mostra detalhes de livros na Banca do Largo em Manaus.


Leia os outros textos desta série:

O que ler para conhecer a Amazônia (1)

O que ler para conhecer a Amazônia (2)


Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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