A única ferrovia pública em funcionamento na Amazônia é a de Carajás, com 890 quilômetros, uma das mais extensas do Brasil. Ela liga a província mineral de Carajás, no Pará, a maior e mais rica do planeta, ao porto da Ponta da Madeira, na ilha de São Luís do Maranhão, um dos maiores do mundo. A ferrovia de Carajás possui o maior trem de minérios que existe, com 330 vagões e cinco quilômetros de comprimento. É operado pela maior empresa privada do país, a Vale, que é a maio exportadora de minério de ferro do mercado internacional. A maior parte da sua produção segue para vários países, principalmente China e Japão. Também transporta carga geral e passageiros.
Talvez o acidente pouco depois das 3 horas da madrugada de quarta-feira, dia 8, a 244 quilômetros de São Luís do Maranhão, tenha sido o mais grave da história de 38 anos da ferrovia de Carajás.
Aparentemente, não houve feridos entre os passageiros, mas 18 dos 40 vagões-tanque, contendo combustíveis, foram destruídos pelo incêndio, que surgiu em um dos tanques quando ele descarrilou.
Bombeiros maranhenses e agentes de segurança da Vale, que opera a ferrovia por concessão do governo federal, passaram o dia empenhados em conter e isolar o incêndio, que se espalhou rapidamente e atingiu grandes proporções, evitando mais prejuízos.
Apesar da importância do fato, o noticiário da grande imprensa foi pobre, até medíocre, claramente minimizado. Na maioria dos veículos de comunicação, a cobertura se limitou ao dia seguinte, desaparecendo no noticiário de hoje. Esse tratamento foi mais desleixado na imprensa do Pará e um pouco menos vexatória na do Maranhão.
Uma causa dessa diretriz editorial é bem conhecida: a Vale destina uma expressiva verba publicitária à imprensa paraense, que mais se parece à programação de empresas de varejo, que precisam alcançar o grande público, e estranha para uma autêntica multinacional brasileira, que lida com poucas dezenas de compradores (com valor comercial calculado em milhões de toneladas) dos seus produtos no mercado mundial.
A milionária conta é mantida com um objetivo: conquistar a simpatia ou a parceria dos veículos beneficiados, que não se aventuram em publicar matérias que contrariam os interesses da grande mineradora, ou reduzem a presença dessas notícias incômodas a um espaço muito inferior ao que a importância dos acontecimentos exigiria.
Essa relação comercial explica o tratamento privilegiado que essa mídia concede ao cliente poderoso, mesmo que comprometa a função jornalística, de bem informar a opinião pública. Contudo, o acompanhamento deficiente da imprensa regional, que deveria ser o melhor, em função da sua proximidade dos fatos de maior impacto na Amazônia, com repercussão e interesse mundiais, tem outras causas.
Uma delas é o custo elevado que a presença de repórteres nos locais desses eventos exige da empresa. O deslocamento até as frentes de penetração econômica, em lugares distantes das capitais, requer investimento muito maior do que em outras regiões do país.
Com outra escala de faturamento e de investimento, os grandes grupos de comunicação têm mais facilidade para despachar enviados especiais de suas sedes para o “sertão” amazônico. Por isso, na maioria das vezes, a imprensa regional usa o material das agências da grande imprensa nacional para noticiar os fatos mais importantes, o que sai mais barato.
O inconveniente é a cobertura descontínua, já que, de volta à matriz, os enviados especiais se desligam dos temas amazônicos ou só retornam a eles quando outro fato destacado surge, o que pode levar bastante tempo. Sutilmente, volta a predominar a visão um tanto exótica e fragmentada de temas de tais complexidades como os da Amazônia gerado a partir do núcleo dominante da cultura nacional, no Centro-Sul do país.
A dificuldade de chegar a uma compreensão mais íntima e imediata do que acontece na fronteira amazônica e do destino dessa vasta investida sobre a região tem ainda outro componente, que vem se agravando: a ameaça física e moral que a tensão e os conflitos resultantes desse avanço representam para o repórter.
Reduz-se a quantidade dos profissionais dispostos a ir aos locais considerados de risco, nos quais não está descartada a eventualidade de agressões ou mesmo de morte, como tem acontecido com preocupante regularidade. Se antes o cumprimento de uma pauta desse tipo não impunha maiores precauções e providências, hoje impõe uma avaliação rigorosa dos riscos.
Cabe ao crescente sertão amazônico, que se amplia pela ação dos personagens principais dessa saga trágica de destruição, a advertência que Guimarães Rosa fez sobre o já então consolidado sertão de Minas Gerais quase 70 anos atrás, no romance Grande Sertão: Veredas: “O senhor tolere, isto é o sertão (…) onde criminoso vive seu cristo-jesus arredado do arrocho de autoridade”.
A imagem que abre este artigo mostra o acidente ocorrido com o trem da Vale na Estrada de Ferro de Carajás, ocorrido no dia 8 de novembro, na região de Alto Alegre do Pindaré, a cerca de 300 km de São Luís (Reprodução Instagram do Corpo de Bombeiros do Maranhão).
Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:
* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.
* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.
* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.
* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor