Talvez a leitora ou o leitor já tenha ouvido falar do desastre químico ocorrido na cidade de Bhopal, na Índia. O ano era 1984, uma empresa americana, a Union Carbide, não conseguiu conter um vazamento de gás em sua fábrica. Mais de 500 mil pessoas foram afetadas, milhares delas com fortes sequelas. De acordo com uma reportagem publicada pelo The Guardian em 2019, 20 mil pessoas morreram, nos anos seguintes, em decorrência da contaminação.
O que a leitora ou o leitor talvez não conheça é a ação orquestrada pela dupla The Yes Men, em 2004, para marcar as duas décadas do desastre. Dizendo-se porta-voz da Dow Chemical – a empresa que havia comprado por 12 bilhões de dólares a Union Carbide – o ativista Jacques Servin deu uma entrevista à BBC, ao vivo, para anunciar que todo o dinheiro da venda seria usado para indenizar as vítimas do crime ambiental. Em minutos, a Dow Chemical perdeu mais de 2 bilhões de dólares em valor de mercado.
A história não termina aí. Com a queda no valor das ações, a Dow Chemical ligou, em desespero, para a emissora para perguntar quem era aquele suposto porta-voz (no filme “The Yes Men Fix the World” o caso é explicado em detalhes). Jacques Servin, o ativista, voltou então ao estúdio da BBC para admitir, com tranquilidade, que não trabalhava para a empresa. “O que fizemos não foi uma farsa. Foi apenas uma representação honesta do que a Dow Chemical deveria estar fazendo”, explicou. A empresa, por sua vez, foi obrigada a reiterar, uma vez mais, em um canal de TV aberta, que não estava disposta a indenizar as vítimas da tragédia que provocara. Xeque-mate.
Conto essa história porque a vejo como um exemplo perfeito do que pode ser dito através do não dito, do que pode ser comunicado com eficiência, sem que seja necessário recorrer a uma forma de comunicação literal. É o que tento fazer num site que edito, recém-lançado pelo Observatório do Clima: o Central da COP.
Escrever sobre clima e meio ambiente tem o seguinte problema: geralmente, oscilamos entre notícias trágicas – as queimadas recentes no Pantanal, por exemplo -, ou áridas – a diminuição de sei-lá-quantas-toneladas-de-carbono-equivalente na nova meta climática nacional.
No Central da COP, a ideia é tentar driblar um pouco essa adversidade, juntando clima com futebol. Não há nada de novo nisso. Pelo contrário, é algo que programas como o “Last Week Tonight”, do jornalista britânico John Oliver, ou o “Medo e Delírio em Brasília”, da dupla Cristiano Botafogo e Pedro Daltro, conhecem de cor e salteado. Existe, inclusive, um bordão para explicar o formato: “Come for the news, stay for the fun” – em português, algo como “venha pela notícia, fique pela diversão”.
Cito aqui alguns casos de matérias já publicadas na Central da COP, para exemplificar meu ponto.
Caso 1: A presidência da COP 29 apresentou uma proposta péssima de financiamento para a adaptação climática. Boa oportunidade para aplicar um cartão vermelho no texto, ou para chamar o final da COP do Azerbaijão de Azerbaijazo.
Caso 2: Uma diretora da Petrobras cometeu erros em série ao defender a extração de petróleo da foz do rio Amazonas. Ganhou um escrutínio do VAR.
Caso 3: Donald Trump foi eleito – uma vez mais – presidente dos Estados Unidos, ameaçando – uma vez mais – retirar o país das negociações climáticas. Tome-lhe um carrinho por trás. (Um vídeo publicado recentemente nas redes do Observatório do Clima fala um pouco mais sobre o site.)
O momento é duro. Salvo pela queda recente no desmatamento da Amazônia e pelo movimento lento de transição energética, as notícias que nos chegam não são animadoras. Vide o resultado da COP 29, onde os países em desenvolvimento tinham a esperança de conseguir 1 trilhão de dólares para os programas de adaptação, e precisaram se contentar com 300 bilhões, se tanto (parece muito, mas essa conta, se dividida pelo número de países da lista, resulta em 6,6 bilhões de dólares por país; só a recuperação do Rio Grande do Sul está orçada em 17 bilhões de dólares).
Daí, portanto, a tentativa de fazer com que se possa, ao menos, extrair algum riso em meio à tragédia. A ideia não é alienar. Fazemos isso porque o riso é uma ferramenta de indignação. De mudança. Não à toa, Charles Chaplin optou pelo chiste para achincalhar Adolph Hitler em “O grande ditador”. Não à toa, a dupla The Yes Men pregou uma peça na BBC inglesa para mostrar como um crime ambiental continuava impune, 20 anos depois.
Há uma equação famosa, de autoria incerta (Shakespeare? Woody Allen? Eurico Miranda?), que diz o seguinte: comédia é tragédia mais tempo. Ou seja, a tragédia, com a diluição dos anos, tende a entrar numa gaveta mais amena do afeto (é o que ocorre, por vezes, com aqueles traumas gigantes que perdem a força). A ideia, no Central da COP é tentar adiantar essa última etapa.
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