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ToggleQuando pensamos nos impactos das mudanças climáticas no oceano, geralmente imaginamos o branqueamento de corais, o aumento do nível do mar ou o risco às espécies carismáticas. Pouco se fala, porém, de um grupo de organismos fundamentais para o equilíbrio dos oceanos: as algas marinhas, particularmente o sargaço.
O que são os sargaços?
Os sargaços são macroalgas marrons do gênero Sargassum, capazes de criar habitats altamente produtivos e estruturalmente complexos. A maior parte das espécies de sargaço cresce sobre fundos rochosos, próximos ao litoral, onde se posiciona verticalmente à procura de luz. Esses ambientes são chamados de “florestas marinhas”, devido a sua importância ecológica e econômica nos ecossistemas costeiros, ao aumentar a produtividade e sustentar múltiplas cadeias alimentares, semelhante ao que fazem as florestas no ambiente terrestre. Entretanto, também existem espécies de sargaço flutuantes crescendo na superfície do oceano, que formam verdadeiras “ilhas de vida” em mar aberto. Em ambos os casos, o sargaço oferece refúgio, alimento e áreas de recrutamento para grande variedade de peixes, tartarugas, invertebrados e até outras algas.
Além de seu papel ecológico, o sargaço é importante para o ciclo do carbono. Em condições ambientais favoráveis, essas algas crescem rapidamente e acumulam uma grande quantidade de biomassa, aumentando o estoque do chamado carbono azul (o carbono capturado da atmosfera e armazenado nos ecossistemas costeiros e marinhos do planeta). Além disso, parte desse carbono orgânico se deposita nas profundezas do oceano e contribui para o sequestro de carbono a longo prazo. Em outras palavras: o sargaço é um aliado direto no combate à crise climática ao remover o carbono em excesso do ambiente.
Mudanças climáticas e a ameaça silenciosa
Um estudo publicado recentemente por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de Pisa mostra algo preocupante: o avanço do aquecimento global pode colocar as florestas de Sargassum em risco de desaparecimento. Experimentos mostram que, sob os cenários de aumento de temperatura projetados para as próximas décadas, essas macroalgas, fundamentais para a saúde dos ecossistemas costeiros, crescem menos e realizam menos fotossíntese, reduzindo sua eficiência na fixação de carbono.
Observações de longo prazo de florestas de sargaço confirmam quedas expressivas na sua cobertura, em regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo, inclusive no Brasil. Ao mesmo tempo, modelos que preveem a distribuição geográfica das espécies de sargaço no futuro apontam para uma forte contração em algumas regiões, caso não haja a desaceleração do processo de aquecimento global. Apesar da possibilidade de sobrevivência de algumas espécies de sargaço, ao colonizar outras áreas e profundidades maiores, com águas mais frias, o quadro geral descrito no estudo é de considerável vulnerabilidade.
O estudo alerta ainda para um ponto crítico: florestas formadas por algas marinhas em regiões tropicais e subtropicais seguem amplamente negligenciadas em programas de monitoramento e conservação, justamente onde os impactos do aquecimento tendem a ser mais severos, já que muitas espécies vivem próximas do seu limite térmico. Enquanto manguezais, recifes de coral e restingas têm recebido a devida atenção, as florestas marinhas tropicais e subtropicais permanecem invisíveis aos olhos das políticas públicas. Não são tratadas como ecossistemas prioritários e tampouco recebem investimentos consistentes em pesquisa e monitoramento, mesmo sendo amplamente distribuídas.


A crise climática e o sargaço flutuante: o Grande Cinturão de Sargaço do Atlântico
Enquanto as florestas de sargaço nos fundos rochosos vêm desaparecendo, as espécies flutuantes seguem o caminho oposto. Desde 2011, a proliferação de Sargassum natans e Sargassum fluitans, antes restrita ao Mar de Sargaço, passou a ser registrada em novas regiões do oceano, incluindo a costa norte do Brasil. O fenômeno, chamado de “Grande Cinturão de Sargaço do Atlântico”, representa a maior biomassa de algas já observada. Mas engana-se quem pensa que isso seja uma boa notícia: esse aumento, também ligado às mudanças no clima e alterações na concentração de nutrientes no oceano, vem provocando impactos ecológicos e econômicos significativos.
Ao chegarem à costa, nas chamadas arribações, essas algas começam a morrer e apodrecer, liberando nutrientes, compostos sulfurados e o próprio carbono acumulado em sua biomassa que pode retornar para a água e atmosfera. Os compostos liberados pelo sargaço estimulam a proliferação de bactérias, reduzindo o oxigênio da água e podendo causar a morte de peixes e outros animais. Os gases liberados durante a decomposição, como amônia e sulfeto de hidrogênio, também podem provocar irritação nos olhos, no nariz e na garganta. Além disso, o acúmulo de algas próximo ao continente prejudica a pesca, especialmente a artesanal, e as arribações nas praias têm causado perdas significativas para a indústria do turismo.
Durante a COP 30, o sargaço flutuante foi discutido na Green Zone, com o título de “Das Marés Marrons a um Futuro Azul: Um Esforço Multilateral para Mitigar os Impactos do Grande Cinturão de Sargaço do Atlântico”. A mesa teve participação de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, sob a mediação do prof. Dr. José E. Martinelli Filho, da Universidade Federal do Pará, e culminou no reconhecimento da necessidade da entrada do Brasil em convenções e associações de países do Caribe e da América Latina afetados pelo fenômeno.

O sargaço deveria ter sido incluído no Pacote Azul definido na COP30
Durante a COP30, em Belém, o Brasil apresentou o Pacote Azul, um conjunto de cinco ocean breakthroughs que orientam esforços globais de conservação e restauração dos ambientes costeiros e marinhos. O pacote faz parte da Agenda de Ação geral e está localizado no “Eixo 2 – Florestas, Biodiversidade e Oceano”, diretamente relacionado à Meta 7, que trata da preservação e recuperação dos ecossistemas oceânicos e costeiros.

No documento dos ocean breakthroughs, prevê-se investir pelo menos US$ 72 bilhões até 2030 para proteger, restaurar e conservar ao menos 30% do oceano. Embora a proposta seja ampla, o texto enfatiza a proteção de ecossistemas como recifes de corais, manguezais, florestas de kelps, marismas e gramas marinhas, considerados essenciais para a resiliência climática, a biodiversidade e a manutenção de serviços ecossistêmicos. Contudo, outros ecossistemas costeiros de alta relevância, como as florestas de sargaço, continuam pouco contemplados dentro dessa estrutura de ação internacional.
O Pacote Azul representa, portanto, um avanço inegável, mas para ficar ainda mais coerente, poderia incluir o sargaço em seu texto.
Para quem deseja compreender melhor os bastidores, a estrutura e o significado da proposta do Pacote Azul, recomendamos a leitura do artigo publicado pela Ressoa Oceano da semana passada, que oferece uma síntese clara de como o Brasil pretendia posicionar-se como líder na agenda oceânica global.
Não há solução climática sem oceano e não há oceano saudável sem macroalgas
O Brasil, ao apresentar o Pacote Azul, deu sinais de que estava pronto para reafirmar o protagonismo que o oceano precisa e merece ocupar na agenda climática global. Mas, diante do texto final da COP30, ficou claro que esse protagonismo ainda não se traduziu em compromisso pelos países. O oceano inteiro, vasto, essencial, foi novamente deixado às margens de uma negociação que deveria tê-lo colocado no centro.
O Brasil tem a oportunidade e a responsabilidade de enxergar o oceano em toda a sua complexidade. Inclusive aquilo que cresce ao longo de quase toda a sua costa, silenciosamente, longe dos holofotes. O fechamento da COP30 mostrou o quanto ainda precisamos insistir para que o oceano deixe de ser nota de rodapé e finalmente ocupe o lugar que merece no centro da política climática.
Saiba Mais:
Pacote Azul: o plano de implementação para acelerar soluções climáticas baseadas no oceano
Pesquisa “Aquecimento dos mares: espécies nativas de sargaço em risco”
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