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No derradeiro show, Milton finge que acabou

No derradeiro show, Milton finge que acabou
Por Portal Vermelho

São cada vez mais raros os músicos com um cancioneiro do tamanho de Milton Nascimento. Para reunir todas aquelas músicas que todos sabem cantar, pelo menos o refrão de cor, precisa de um álbum triplo ou de um show de horas. Sejamos justos com os artistas novos, pois além do talento singular, Milton vai fazer 80 anos em outubro, sendo 60 de estrada escrevendo melodias para 42 álbuns. E ele vai celebrar essa longevidade com seu derradeiro concerto, em palcos por todo o mundo.

É com um repertório de hinos que ele fica diante da ribalta pela última vez. Até quem não sabe quem é Milton, em algum canto vulcânico da Islândia já ouviu Travessia, na voz de Bjork. Até gente jovem que só ouve Pedro Sampaio e Glória Groove, já ouviu uma Maria, Maria, nem que seja como canção de ninar. Vez por outra, um artista novo regrava um clássico de Bituca. É isso que torna um artista imprescindível, quando sua arte está sempre se renovando em arranjos contemporâneos e novos timbres de voz.

Alguém ainda não ouviu a regravação de Cais com Criolo e o pianista Amaro Freitas? Três gerações de homens negros reunindo seu talento e sofisticação poética para fazer a gente prestar atenção em  uma canção que já ouvimos milhares de vezes, desde os tempos primordiais. E tem a voz. O mais belo falsete, segundo Caetano Veloso. Se alguém ouviu Deus, a voz era como a de Milton, dizia Elis Regina. Um raro artista de muitos recursos.

“Quero agradecer a todos vocês por tornarem a minha vida tão linda”, disse o generoso Bituca, não se dando conta do quanto o Brasil agradece a ele pelo mesmo motivo. Ex-membro do Clube da Esquina, grupo que formou na década de 1960 com os irmãos Borges (Marilton, Lô e Márcio), Beto Guedes, Wagner Tiso e Flávio Venturini, em um dos principais movimentos musicais do continente. Depois da Bossa Nova, Milton foi um dos artistas que mais gravou com músicos internacionais, espalhando sua música pelo mundo, desde 1966, gravando Native Dancer com Wayne Shorter, em 1975. Aliás, quase todo mundo já gravou com Milton ou  interpretou uma música sua.

“Clube da Esquina”, que completou 50 anos este ano, ganhou o título de melhor álbum da música brasileira numa votação que reuniu 160 jornalistas, críticos, profissionais da música. Mas Milton também levou cinco prêmios Grammys. Bons tempos aqueles em que éramos celebrados por canções de Milton e Gilberto Gil.

Pois bem, Bituca começou sua derradeira turnê, A Última Sessão de Música, em uma antológica apresentação para 800 convidados na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. O repertório de 31 canções contou com clássicos como Ponta de areia, Canção do sal, Fé cega, faca amolada, Canção da América, Encontros e despedidas, Nada será como antes, Tudo que você podia ser, Nos bailes da vida, Para Lennon e McCartney e Caçador de mim.

Até o fim do ano, Milton fará outras 25 apresentações, sendo algumas delas no exterior (Itália, Espanha, Reino Unido, Portugal e Estados Unidos). As outras serão nas cidades do Rio de Janeiro, no Jeunesse Arena (5, 6, 7 de agosto), São Paulo, no Espaço Unimed (26 e 27 de agosto, 1, 2, 24 e 25 de setembro e 1 e 4 de novembro) e o encerramento em 13 de novembro no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte. Segundo a produção, mais de 100 mil ingressos já foram vendidos.

No Fantástico, da Rede Globo, recentemente, ele disse que é feroz quando se trata de política. Fez questão de dizer o quanto é importante que as pessoas entendam que não dá para voltar atrás e defender a volta da ditadura.

Aliás, sua canção Coração de Estudante foi composta em homenagem a Edson de Lima, morto em 1968 pela ditadura. A melodia de Wagner Tiso é mais uma daquelas que evocam hinos que se cantam na escola. Quando Milton escreveu seus versos em 1983, ela logo se tornou uma das músicas mais tocadas e cantadas no movimento das Diretas Já, que colocou uma pedra sobre o túmulo da ditadura. Eu mesmo, com 13 anos, lembro-me de ouvir a música durante o cerimonial de enterro de Tancredo Neves, ainda sem entender a importância do momento.

O show final é muito evocativo. Durante todo ele, se ouve barulho de trem e sons de passarinhos. Evocativo porque faz referência à primeira canção de Milton, Barulho de Trem, de 1962. Depois, a nostalgia do trem aparece em várias outras canções. “O trem que chega é o mesmo trem da partida”.

O instrumental Tambores de Minas, do disco que Milton garantiu um prêmio Grammy em 1998, abre o show com Milton entrando com uma sanfoninha e vestindo o figurino do estilista mineiro Ronaldo Fraga, que lembra as roupas poéticas do artista plástico Arthur Bispo do Rosário.

Daí pra frente, é magia e privilégio de quem conseguiu garantir o ingresso. Um hino atrás do outro, com Milton sempre disposto a oferecer o melhor de si, mesmo aos 80 anos de uma voz que vai diminuindo, mas continua emocionando a todos com seu timbre de crooner. O falsete continua cristalino.

Para quem conhece, Milton Nascimento é a catarse de quem já sabe cantar cada refrão e tem muitas lembranças para cada música. Para quem não conhece, Milton é a nostalgia de algo que não se viveu, mas gostaria de ter vivido. Istao é a própria definição de eternidade.

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