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Moradores do sul do Amazonas relatam situação desafiadora do verão amazônico

Moradores do sul do Amazonas relatam situação desafiadora do verão amazônico

Foto: Reprodução/Observatório BR-319

Olhos irritados, dificuldade para respirar, tempo seco, navegação prejudicada, falta de alimentos e água para beber. Essas são algumas das situações enfrentadas pelos amazonenses durante o verão de 2024. A combinação de crimes ambientais e mudanças climáticas impôs a moradores das sedes municipais e das zonas rurais desafios extremos de sobrevivência. O cenário é reflexo do aumento geral dos focos de calor na Amazônia Legal, apesar da redução no desmatamento, o que sugere que as queimadas continuam a ser uma prática preocupante na região, tanto em áreas já desmatadas, como em áreas de floresta. 

Leia também: “Verão amazônico”: entenda as origens do fenômeno e suas consequências

O depoimento de Pedro faz parte da série “Entre a fumaça e a seca: vozes do sul do Amazonas”, produzida pelo Coletivo Jovens Comunicadores do Sul do Amazonas (Jocsam) para dar visibilidade aos desafios enfrentados pelos moradores da região durante o verão, ano após ano. 

“Bom, quando a gente fala de Humaitá, o perímetro urbano tá sofrendo com a fumaça, muita gente passando mal, em hospitais, muitos idosos e crianças precisando de atendimento de saúde. E quando a gente fala da parte ribeirinha de Humaitá, da parte rural, muitas as pessoas estão com dificuldade pra escoar produção, para conseguir o acesso à escola, então é algo que tá bem complicado. A gente vê que os produtos estão aumentando o valor para quem está consumindo aqui na cidade e muitas vezes não está conseguindo chegar. E para o produtor que está lá, escoar também não está fácil porque tem muita praia, muita distância para carregar, muita coisa”, contou Del Belfort de Moraes, membro do GT Desmatamento e Queimadas da Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas e articulador da Rede Transdisciplinar da Amazônia (Reta). 

Del avalia que a abertura de áreas de pasto contribuiu para a situação vivida pelos moradores de Humaitá nos últimos meses. “A gente notou que esse ano teve muitas pessoas da região contribuindo, muitos empreendimentos da região. Então, assim, as queimadas no Apuí, em Lábrea, no próprio território de Humaitá para abrir espaço para o agronegócio, também é um grande contribuidor nesse desastre que a gente está vivendo nesse momento”, disse. 

Os municípios do sul do Amazonas estão entre os que mais desmatam e mais queimam na Amazônia. O próprio estado está entre os que mais destroem a floresta. A região fica na área de influência da rodovia BR-319, que, hoje, é o maior catalisador de desmatamento, focos de calor e degradação florestal no Amazonas. 

“Bom, o principal causador de queimadas na região, principalmente no sul do Amazonas, é a expansão da fronteira agrícola aqui nessa região, que é principalmente chamada de Arco do Desmatamento. A gente tem visto nos últimos anos o avanço dessa fronteira agrícola, juntamente com o avanço das queimadas. E esse aumento das queimadas aqui na região acontece principalmente próximo às rodovias. A gente percebe, também, que áreas ambientais, como unidades de conservação e terras indígenas, freiam um pouco o avanço tanto do desmatamento quanto das queimadas na região do sul do Amazonas”, disse Hildeberto F. Macedo Filho, engenheiro e mestrando em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). 

O manejo inadequado do solo e a falta de controle efetivo das queimadas podem estar agravando a situação, que se converte em impacto no bem-estar e no cotidiano da população. 

“A nossa motivação ao pensar na criação da série “Entre fumaça e seca: vozes do sul do Amazonas” está não somente em uma, mas em várias razões”, declara o Jocsam.

“Essas motivações refletem um compromisso com a justiça social, a preservação ambiental e o fortalecimento da identidade comunitária, queremos mostrar que tudo o que vivemos nunca, jamais será esquecido”, concluíram. 

Assista todos os depoimentos da série no perfil do Jocsam nas redes sociais.

Contexto 

Entre setembro de 2023 e setembro de 2024, a Amazônia Legal registrou um aumento expressivo no número de focos de calor, que passou de 33.247 para 41.463, o que representa um aumento de 24,71%. “Esse crescimento no número de focos de calor é um indicativo de que, embora o desmatamento tenha diminuído no período, a prática de queimadas, frequentemente associada ao manejo de áreas já desmatadas, intensificou-se, potencialmente devido a atividades agropecuárias ou à limpeza de áreas já convertidas para outros usos”, avalia o especialista em geoprocessamento e analista do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Heitor Paulo Pinheiro. 

Já no Amazonas, houve uma leve redução no número de focos de calor, de 6.990 em setembro de 2023 para 6.879 no mesmo período de 2024, representando uma diminuição de 1,59%. Segundo Heitor, essa redução é pequena, mas relevante, considerando a vasta extensão florestal do estado e a importância de manter baixos níveis de focos de calor. “Visto que esses focos estão diretamente relacionados à degradação florestal e à emissão de gases de efeito estufa”, destaca. “Vale ressaltar que mesmo com a diminuição no número de focos de calor, os números gerais ainda permanecem altos, e preocupantes, principalmente para saúde da população, devido à fumaça e também aos impactos a longo prazo na degradação de espaços naturais”. 

Em Rondônia, o cenário é diferente, com um pequeno aumento de 3,36% nos focos de calor, passando de 2.650 em setembro de 2023 para 2.739 em setembro de 2024. O estado é historicamente afetado pela expansão agropecuária e desmatamento e continua a apresentar desafios no controle das queimadas, que são muitas vezes usadas como técnica de manejo agrícola. “O aumento, embora pequeno, reflete a persistência de práticas que contribuem para a degradação ambiental”, diz Heitor. 

Nos municípios localizados na área de influência da rodovia BR-319, houve uma redução de quase 10% nos focos de calor, caindo de 3.936 em setembro de 2023 para 3.544 em setembro de 2024. “Essa redução de 9,96% é um dado positivo, especialmente considerando o potencial de impacto ambiental dessa área sensível, onde a pressão por expansão agrícola e pecuária, além da grilagem de terras é elevada. A redução dos focos de calor pode indicar uma maior eficiência nas políticas de prevenção e combate às queimadas, agregada ao aumento de chuvas na região”, avalia. 

“Vale ressaltar que o momento político, de eleições municipais contribui com este cenário de aumento e é a oportunidade de fazermos uma indagação: será que fogo e política não estão ligados? E como frear e identificar os causadores de tantas ocorrências? Sem políticas públicas eficazes e adaptadas à região esta será uma realidade que se repetirá ano após ano”, alerta Heitor. 

Brigada Indígena 

Em Lábrea, município que está em terceiro lugar no ranking de focos de incêndio em 2024, o povo Apurinã criou a Brigada Indígena de Incêndio da Terra Indígena Caititu, que desempenha um papel fundamental na proteção do território. Composta por 23 indígenas que receberam treinamento do Instituto Brasileiro de e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), através do projeto Raízes do Purus, realizado pela Operação Amazônia Nativa (Opan), a brigada atua no combate a incêndios florestais e na prevenção de queimadas ilegais em um território que sofre com a intensificação do desmatamento. A criação da brigada foi motivada pela necessidade de proteger os sistemas agroflorestais (SAFs), que são essenciais para a subsistência da comunidade. 

Os SAFs, que produzem alimentos como frutas, feijões e tubérculos, têm sido ameaçados por incêndios que se alastram para dentro da terra indígena. A brigada, formada por meio de um processo que envolveu treinamento técnico e a aquisição de equipamentos, atua em ações emergenciais e em atividades de prevenção, como a realização de queimadas controladas. A atuação da brigada tem sido crucial para evitar a perda de plantações e garantir a segurança alimentar do povo Apurinã. 

Foto: Reprodução/Observatório BR-319

O processo de criação da Brigada da Terra Indígena Caititu começou em 2022. Na época, Francisco Padilha, indígena do povo Apurinã que já tinha formação na área de combate a incêndios, ofereceu uma formação básica a um pequeno grupo. “Eram sete pessoas e já fizeram um bom trabalho. Agora são 23 brigadistas que estão atuando dentro da nossa terra”, conta Tata Apurinã. No mesmo ano, os Apurinã também fizeram a aquisição de equipamentos necessários para o trabalho, como abafadores, bomba costal, rádio comunicadores e equipamentos de proteção individual. 

Apesar dos desafios, como a alta demanda por trabalho e a necessidade de lidar com incêndios que se alastram rapidamente, os brigadistas demonstram grande comprometimento com a proteção do seu território. A brigada é vista como um exemplo de como as comunidades indígenas podem se organizar para enfrentar os desafios do desmatamento e das mudanças climáticas, contribuindo para a conservação da Amazônia. Saiba mais acessando este link.

Texto produzido em parceria com o Coletivo Jovens Comunicadores do Sul do Amazonas (Jocsam). 

Com informações de texto produzido pela jornalista Talita Oliveira, do projeto Raízes do Purus, executado pela Operação Amazônia Nativa (Opan).

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Observatório BR-319



As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Portal Amazônia e são de total responsabilidade do autor.
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