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ToggleO Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou que as “sucessivas mudanças no marco jurídico de demarcação de terras indígenas”, como a Lei 14.701, que determina o marco temporal, estão afetando as análises técnicas necessárias para a declaração dos limites territoriais, parte do processo demarcatório sob responsabilidade do MJSP. A pasta diz que recebeu mais de 30 processos para demarcação desde o início do atual governo do presidente Lula (PT). No entanto, não são publicadas novas portarias declaratórias desde abril deste ano.
“Houve sucessivas mudanças no marco jurídico da demarcação de terras indígenas, com a aprovação da Lei 14.701, de 20 de outubro de 2023, vetos do presidente da República, rejeição e promulgação dos vetos pelo presidente do Congresso Nacional e julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF)”, disse, em nota, o MJSP à InfoAmazonia. Leia na íntegra aqui.
“Essas mudanças afetaram, sobretudo, os procedimentos em fase de declaração, considerando que se trata da fase em que ocorre a análise de mérito do processo, com a emissão da Portaria Declaratória pelo ministro da Justiça e Segurança Pública. Os procedimentos declaratórios em trâmite no MJSP estão em fase de análise técnica”, completou o ministério.
De acordo com o MJSP, existem 26 processos sendo analisados no momento, oito deles referentes a terras indígenas localizadas na Amazônia Legal. São elas: TI Jauary (AM), TI Menkü (MT), TI Apiaká do Pontal e Isolados (MT), TI Paukalirajausu (MT), TI Sawré Muybu (PA), TI Cobra Grande (PA), TI Maró (PA) e TI Kanela Memortumré (MA).
A TI Jauary é uma das impactadas pelo Projeto Autazes, da mineradora canadense Potássio do Brasil, que é alvo de ações do Ministério Público Federal (MPF). Os procuradores alegam irregularidades no processo e citam suspeitas de pagamento de suborno a comunidades indígenas. A última fase da demarcação dessa terra terminou em outubro de 2012, quando ela foi identificada. Desde então, ela aguarda a portaria declaratória.
Outro território que convive com invasões é o Sawré Muybu. Em 2022, a reportagem da InfoAmazonia flagrou uma draga de garimpo rondando as comunidades, a menos de 500 metros de distância. Em novembro do ano passado, o MPF recomendou que o MJSP desse prosseguimento ao processo em até 60 dias. A última fase concluída ocorreu em 2016, quando a Funai publicou os estudos antropológicos e de delimitação.
Novos capítulos sobre o marco temporal
A Lei 14.701 foi aprovada em 27 de setembro de 2023. Ela foi uma resposta do Congresso Nacional à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiu o marco temporal como inconstitucional. Na ocasião, Lula sancionou o projeto de lei com vetos parciais, removendo o trecho que estabelecia a tese. No entanto, na promulgação, os parlamentares derrubaram esses vetos.
Neste ano, o debate nacional sobre o marco temporal ganhou novos capítulos. Partidos de esquerda (PSOL, Rede Sustentabilidade, Partido dos Trabalhadores, Partido Comunista do Brasil e Partido Verde), junto com organizações indígenas, pediram a anulação do PL 14.701, enquanto partidos de direita (Partido Progressista, Partido Liberal e Republicanos) pediram a validação. Os dois lados protocolaram ações no STF. Assim, em meio ao imbróglio político e jurídico, o ministro Gilmar Mendes paralisou todas as ações e determinou um período de conciliação, que começará com uma audiência em 5 de agosto e terminará em 18 de dezembro deste ano.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organização que reúne líderes indígenas de todo o país, deve escolher seis pessoas para estarem nas audiências, mas ainda não sabe se irá participar. Os indígenas estão impondo uma condição: a suspensão da Lei 14.701. Uma petição foi enviada ao STF solicitando essa medida.
“Nós temos um posicionamento muito forte. Estamos falando de uma câmara de negociação/conciliação em que os povos indígenas já entram com desvantagens. Como é que nós vamos entrar no debate perdendo? Porque nós estamos com a lei sendo aplicada. Nós estamos vendo os conflitos acontecendo e nós estamos vendo a paralisação da demarcação das terras indígenas”, disse o advogado Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Enquanto isso, tudo parado
O MJSP é o órgão responsável por uma das fases mais sensíveis da demarcação das terras indígenas: a declaração dos limites territoriais, que determina, efetivamente, onde são colocados os marcos que desenham o limite do mapa do território. Com essa declaração, as comunidades têm o parecer jurídico favorável para a delimitação territorial.
Fases de demarcação de uma terra indígena
– Elaboração e aprovação pela Funai do estudo de identificação da terra indígena: o órgão indigenista realiza estudos antropológicos, fundiários, cartográficos e ambientais para identificar e delimitar a terra tradicional.
– Período de contestação do estudo: após a publicação do relatório, há um período em que outros órgãos governamentais e a sociedade civil podem contestar os limites propostos.
– Declaração dos limites territoriais pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP): após a análise das contestações, o MJSP declara os limites da terra indígena.
– Demarcação física da terra indígena pela Funai: a Funai realiza a demarcação física dos limites no terreno.
– Homologação da terra indígena: o presidente da República homologa o território demarcado, oficializando os direitos indígenas sobre a área.
– Registro final da terra indígena: a terra é registrada em cartório, concluindo o processo de demarcação.
No primeiro ano deste governo Lula, oito terras indígenas foram homologadas. A expectativa das organizações indígenas era de que outras seis terras indígenas também tivessem o processo de demarcação finalizado até abril, quando a gestão completou os primeiros 100 dias, mas apenas mais duas receberam a assinatura do presidente.
Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública, na época chefiado por Flávio Dino durante o primeiro ano do governo, não publicou nenhuma portaria declaratória no período. Após recebimento do estudo antropológico, feito pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o ministério tem o prazo de 30 dias para publicar a portaria declaratória, como determina o Decreto 1.775, de 1996. No entanto, esse tempo não está sendo respeitado. Tendo recebido mais de 30 processos, ainda restam outras terras aguardando a análise.
Dinamam Tuxá afirma que o MJSP deveria respeitar o que diz a Constituição, porque a Lei 14.701 ainda está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e em desacordo com o texto constitucional, que garante a demarcação.
“Nós estamos falando de uma lei infraconstitucional. Então, o que prevalece é o texto constitucional. Uma lei complementar, uma lei ordinária, vai sobrepor um texto constitucional? O MJ deveria seguir o rito que está previsto. Se houver judicialização na frente, cabe à outra parte o direito de contestar”, defende o coordenador executivo da Apib.
Além disso, Dinaman afirma que existem processos que não caberiam na tese do marco temporal, cujas populações estariam nas suas terras ainda antes de 1988, e por isso não estariam enquadradas na lei. “A parte mais prejudicada, mais uma vez, são os povos indígenas. Nós cobramos que haja uma celeridade nesse processo. A aplicabilidade da lei [14.701] não justifica para todos os casos que aguardam as declarações. Essa morosidade não se justifica”, disse.
Marco temporal na Constituição
Em uma tentativa de colocar um fim aos argumentos contrários ao marco temporal, muito fundamentados na inconstitucionalidade da tese, senadores tentaram votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48/2023 na semana passada, que inclui no texto da Constituição Federal a data de 5 de outubro de 1988 para a demarcação de terras. A votação não foi concluída e um adiamento foi proposto para que ocorra após as eleições municipais, em outubro.
A proposta é do senador governista Jaques Wagner (PT-BA), que justifica a necessidade de um consenso entre os poderes, já que o STF decidiu pela inconstitucionalidade, mas os congressistas ainda tentam consolidar a tese por meio do projeto de lei. Os senadores agora esperam os resultados da comissão de conciliação, proposta pelo ministro Gilmar Mendes para retomar as discussões sobre a PEC 48/2023.
“Essa proposta de emenda constitucional surgiu, a bem da verdade, por conta justamente desse imbróglio criado pelo Poder Judiciário. Não é embate, não é enfrentamento, nem protagonismo; é papel constitucional desta Casa deliberar sobre assuntos legislativos […] Eu tenho certeza de que, no fundo, todos os senadores que estão aqui estão buscando um caminho para resolver esse problema”, disse o senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Assim que a PEC entrou no debate na semana passada, os indígenas se uniram em manifestações nas redes sociais, usando a hashtag #PECdaMorte e #MarcoTemporalNão e conseguiram reunir artistas, líderes indígenas e organizações, para pressionar os congressistas. Com o recuo da votação, Tuxá avalia que os congressistas estão criando estratégias para criar um clima maior de instabilidade e fazer a tese ser discutida novamente.
“Nós temos visto uma grande movimentação do Congresso Nacional. Eu acho que dentro desse contexto atual da política, eles têm promovido de fato a tentativa de enfraquecer a política indígena, de retirar direitos dos povos indígenas. Infelizmente, nós temos visto negociações, incluindo diversas bancadas, principalmente vinculadas ao agronegócio e às indústrias da mineração e da madeira, para tentar acessar os territórios indígenas”, disse.
Tuxá também avalia que os congressistas estão unidos e firmes nesta pauta, o que torna a disputa mais difícil. “A tramitação dessa PEC gerou maior temor e desconforto, visualizamos um grande processo de negociação ali dentro. E a votação só reafirma também que a Lei 14.701 é inconstitucional. Se eles estão propondo uma PEC, é porque sabem que a lei é inconstitucional”, explicou.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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