“Infelizmente a Pequi foi atropelada e morreu”, conta o veterinário Otávio Maia, um dos que monitorava as andanças da loba-guará que passou a viver em liberdade após dois anos de cativeiro. “A humanidade caminhou para um modelo de civilização que é incompatível com a natureza, com a vida”, desabafou.
A breve vida de Pequi foi marcada pela tragédia. Órfã de mãe aos 30 dias de vida, foi resgatada junto com quatro irmãos por pesquisadores do Onçafari e acolhidos pela Fundação Jardim Zoológico de Brasília, onde permaneceram por seis meses. A mãe da Pequi era monitorada por radiocolar e a morte dela – cuja causa não foi possível determinar – foi notada pelos pesquisadores, que foram em busca dos filhotes.
Os filhotes ficaram sob os cuidados de diferentes instituições. Pequi passou um tempo na Bahia, sob os cuidados do Parque Vida Cerrado, centro de conservação da biodiversidade, pesquisa e educação socioambiental do oeste baiano, sediado em Barreiras. A partir daí, surgiu a campanha #AjudeaPequi, uma vaquinha virtual que ajudou a dar continuidade à reabilitação da Pequi no Distrito Federal, em fevereiro de 2022, sob os cuidados da zootecnista Ana Raquel Gomes Faria e da Jaguaracambé, organização não governamental sediada em Brasília.
Nos 15 meses que se seguiram, Pequi foi reabilitada, com a construção de um cercado na Reserva Ecológica Paraíso da Terra em Brazlândia, DF, de propriedade do Instituto Teosófico de Brasília, inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) de Cafuringa. Duas câmeras transmitiam e gravavam imagens do recinto e do seu entorno 24 horas por dia. Em 17 de abril deste ano, Pequi recebeu um radiocolar e foi solta. Visitou o recinto onde passou meses aprendendo a viver em liberdade algumas poucas vezes. Os pesquisadores criaram uma campanha “você viu a Pequi?”, para monitorar o avistamento dela por fazendeiros, chacreiros e residentes da APA da Cafuringa. As duas ações, a soltura e a campanha, foram temas de coluna publicadas aqui em ((o))eco entre maio e setembro deste ano.
Na noite da última quarta, por volta das 23h30, Pequi foi atropelada na BR080/GO424, a 4 km da cidade de Padre Bernardo, uma rodovia de grande movimentação e de longas retas, que ela já tinha cruzado outras vezes, sempre à noite ou de madrugada.
Consternada, a condutora do veículo de passeio envolvido no acidente chegou a contatar a Jaguaracambé por meio de uma rede social. A motorista não conseguiu evitar a colisão, pois naquele trecho da rodovia há uma sucessão de aclives e declives, e a rodovia é margeada por barrancos com vegetação.
Pequi estava retornando de uma incursão, iniciada na véspera, a uma região desconhecida localizada a 10 km do que parecia ser a área escolhida para se estabelecer, formada por cinco fragmentos de cerrado incrustrados em duas propriedades produtoras de grãos. Há três meses Pequi perambulava entre esses fragmentos muito próximos entre si.
“Muitas pessoas se envolveram na reabilitação desde que ela foi resgatada, ainda bebê, com pouquíssimas chances de sobreviver. Dessas pessoas, algumas estiveram mais presentes, mais próximas da Pequi, outras mais distantes. E um outro tanto de gente, sem participação direta, ficou acompanhado os trabalhos por meio das notícias. Dentre essa gente, queridos amigos e familiares. Todos estamos muito tristes, todos estávamos torcendo para encontrar a Pequi, no próximo ano, acompanhada de seus filhotes. Junto com a dor da perda, vamos lembrar das alegrias, dos encontros emocionantes que tivemos com ela, e do sucesso indiscutível, arrisco a dizer, do trabalho feito com dedicação, empenho e amor. Nós demos à Pequi a oportunidade de viver, ainda que por poucos meses, como um verdadeiro lobo-guará, andarilho e solitário. E ela soube nos agradecer com fidelidade, lambidas e longos choramignos por porções de fígado e bananas, nas suas aparições, sempre dócil e cabisbaixa. Viva a Pequi!”, escreveu o veterinário Otávio Maia, em conversa com nossa reportagem.
Por conta da periodicidade do envio das localizações pelo radiocolar, por meio do GPS, só foi possível recolher o cadáver da Pequi às 15h da última quinta-feira (14), o qual foi transportado para a Escola de Veterinária da Universidade de Brasília, onde será submetido à necrópsia e taxidermia. “Essa autorização [para a taxidermia] visa atender ao propósito de manutenção simbólica e representatividade da lobo-guará – Pequi, a qual, durante monitoramento remoto, foi encontrada atropelada na BR 080, oito meses após a soltura”, é a observação que consta na autorização emitia pelo ICMBio/Sisbio.
A reabilitação de lobos-guarás está prevista no Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Canídeos Silvestres (PAN Canídeos).
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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