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Massacre e Renascimento na Ilha das Aves

Massacre e Renascimento na Ilha das Aves

Albatrozes estão entre as aves mais impressionantes. Ver um colosso com mais de 3 m de envergadura surfando os ventos do mar em fúria dos Roaring Forties e Furious Fifties com a tranquilidade de um passeio em pracinha de cidade de interior é tanto epifania como fonte de meditações filosóficas.

Albatrozes também estão entre as aves mais ameaçadas. Das 22 espécies reconhecidas pela BirdLife International e IUCN, apenas uma não se encontra em alguma categoria de ameaça, com duas sendo consideradas Criticamente em Perigo e 7 Em Perigo.

As causas são as de sempre. Há os predadores introduzidos, como cães e gatos na Ilha Macquaire que liquidaram os Albatrozes-errantes que lá viviam, e os camundongos que comem vivos os filhotes dos últimos Albatrozes-de-tristão.

Hoje, a ameaça mais séria são pessoas que compram peixes como cações (o nome dado a tubarões quando vão para a panela), atuns, bonitos, mecas, merluzas-negras e outros peixes oceânicos capturados com espinhéis. Os anzóis de uma indústria predatória, pesadamente subsidiada e sem monitoramento que mata peixes e tubarões até sua extinção também matam aves marinhas em números astronômicos.

Pense nisso quando pedir uma moqueca, sashimi ou uma meca santista. Essa indústria só existe porque há um mercado que compra o que ela vende.

Outra razão pela qual albatrozes e muitas outras aves marinhas estão ameaçadas é a exploração direta que deixou cicatrizes.

Aves marinhas tendem a nidificar em colônias situadas em locais protegidos de predadores, especialmente ilhas. Isso funciona bem até que estes lugares deixam de ser inacessíveis e se convertem em um buffet self-service para predadores. Incluindo os primatas.

Humanos aprenderam a navegar faz dezenas de milhares de anos. A Austrália, colonizada há 65 mil anos, só pôde ter sido alcançada via navegação e do Mediterrâneo às Américas há muitas evidências de povos com tecnologia náutica há dezenas de milhares de anos.

Humanos utilizaram uma rota náutica para colonizar as Américas pela costa do Pacífico. Uma prova são as pilhas de ossos e cascas de ovos de um pato marinho não voador, o Law’s Diving Duck, que datam de uns 11 mil anos atrás e vivia em ilhas fora da Califórnia apenas acessíveis por barco. Estes patos/gansos mostram uma de longa atrição com as populações humanas que os exploravam e causaram sua extinção final, e efeitos na cascata trófica, há uns 2.400 anos.

Todos que se interessam pela história das extinções recentes já ouviram falar do Great Auk ou Arau-gigante, o pinguim original. Originalmente com milhões de indivíduos, a espécie foi explorada ao longo de dezenas de milhares de anos por humanos no Mediterrâneo e dos dois lados do Atlântico Norte.

Povos de diferentes origens, incluindo nativos na Groenlândia e América do Norte, mineraram suas colônias até a extinção para extrair carne, óleo, ovos e penas. Os últimos indivíduos foram mortos em 1844 por coletores que abasteciam o mercado de museus e colecionadores de história natural e pagava muito pelas raridades.

Great Auks ou Araus-gigantes retratados por John James Audubon. A espécie foi extinta em 1844 e, além de imagens como esta, restam umas 80 peles, ovos, ossos e vísceras conservadas em museus pelo mundo. Fonte: https://education.nationalgeographic.org/resource/great-auks-become-extinct/.

Fundamental na extinção do Great Auk foi, a partir do século 8, a exploração em larga escala de suas penas por empreendedores europeus dedicados à insubstituível e muito importante confecção de edredons, travesseiros e similares.

Essa indústria é protagonista central na história de um albatroz muito especial.

O Albatroz-de-cauda-curta, Short-tailed Albatross, Steller’s Albatross, Ahodori, Golden Goonie ou Cauda-curta pertence a um gênero que inclui quatro (ou talvez cinco…) espécies de albatrozes hoje restritas ao Oceano Pacífico. Nem sempre foi assim.

É uma ave grande, pesando de 4,3 a 8,5 kg e com uma envergadura de 2,15 a 2,3 m. Como outros albatrozes, tem vida longa e demora pelo menos uma década para atingir a maturidade sexual. E, ao contrário dos outros albatrozes de seu grupo, mostra uma complexa sequência de plumagens que se tornam mais claras e coloridas conforme a ave envelhece. 

Embora (a maioria) nidifique em ilhas subtropicais entre Taiwan e o Japão, este albatroz tem suas áreas de alimentação bem mais ao norte. Fêmeas nidificantes buscam peixes e lulas fora da costa do Japão e da Russia, enquanto os machos vão mais ao norte rumo ao Mar de Bering. Após a reprodução (que vai de outubro a abril-maio), migram para o Mar de Bering e para a costa do Alasca e Canadá antes de tornarem rumo oeste, uma pregrinação que têm se mantido estável por pelo menos 4 mil anos

Os fósseis mais antigos dos albatrozes Phoebastria (da Califórnia) datam de 11-16 milhões de anos. No Plioceno (3,7-4,8 milhões de anos atrás) havia pelo menos 5 espécies no Atlântico Norte, três delas muito similares às atuais. Uma parece idêntica ao Albatroz-de-cauda-curta (pelo menos nos ossos) e sua última ocorrência conhecida no Atlântico são os restos de uma colônia que existia na ilha de Bermuda 450 mil anos atrás e parece ter sido eliminada pela rápida elevação do nível do mar. A distribuição da espécie no Atlântico e seu desaparecimento é um mistério que ainda renderá novidades.

O Albatroz-de-cauda-curta (péssimo nome, a espécie não é mais pitoca que as demais) que conhecemos foi descrito a partir de espécimes (depois perdidos) e descrições de Stepan Krasheninnikov e Georg Steller durante a Grande Expedição Boreal de 1733-1743, empreitada colonial promovida pelo Império Russo sob comando de Vitus Bering, que deu nome ao mar e estreito entre a Sibéria e o Alasca. 

A expedição que descobriu os Caudas-curtas, digna de uma série da Netflix, foi o início a séculos de rapina e destruição por baleeiros, caçadores de peles, missionários, commissars stalinistas e outra gente bacana do tipo

Entre várias desventuras, incluiu um naufrágio nas ilhas Commander, até então desabitadas e onde foram descobertas, e rapidamente exterminados, a Vaca-marinha-de-steller, um peixe-boi marinho de 8 m, e o Biguá-de-pallas, a maior espécie do grupo. Ambos resistiam como populações relictuais que foi reduzida com a ocupação nativa do Pacífico Norte. Os novos colonizadores só terminaram o trabalho.

É claro que o Cauda-curta era conhecida dos povos locais e ossos escavados em sambaquis do Alasca à costa oeste do Canadá e Estados Unidos, incluindo nas ilhas onde o pato-ganso californiano vivia, são prova disso. Mas para Krasheninnikov e Steller, e a Ciência formal, o bicho era uma absoluta novidade.

Com mais expedições rumando para o leste da Ásia, outros naturalistas reportaram a presença da espécie em mares e ilhas fora da China, Taiwan e Japão. Este último país tem um papel central nesta história.

Massacre

Durante o período Edo (1603 – 1868), o Japão adotou uma política de isolamento e a construção de grandes embarcações foi proibida. Embora houvesse notícia de ilhas ao sul da cadeia das Izu com vastas populações de albatrozes, especialmente Torishima (Ilha das Aves) com seu Tori-Bashira (Pilar de Aves), estas sofreram pouco impacto exceto dos ocasionais náufragos. Alguns, como Jon Manjiro, deixaram suas histórias para a posteridade.  

Torishima é um vulcão ativo (entre vários) que se ergue uns 600 km ao sul de Tóquio entre as ilhas Izu e as Ogasawara, outra cadeia de ilhas que chega a águas praticamente tropicais ainda mais ao sul. Ativo, árido, primevo, difícil de atracar e desabitado, o vulcão da Ilha das Aves era um refúgio adequado para milhões de albatrozes criarem seus filhotes longe de predadores. 

O fim do isolamento do Japão com a Restauração Meiji coincidiu com a expansão colonial pelo Pacífico por países que buscavam assegurar depósitos de cocô de aves marinhas (ou guano), um recurso estratégico na época que causou guerras, empreitadas coloniais (como a anexação do Hawaii) e a destruição de colônias de aves em todo o mundo, incluindo em Fernando de Noronha.

A mineração de ovos de Albatrozes-de-laysan na ilha homônima, ao norte do Hawaii, na década de 1890. Atividade paralela à mineração de guano e de penas para que dizimou colônias de aves marinhas em todo o mundo. Fonte: https://www.papahanaumokuakea.gov/monument_features/historic_egg_harvesting_laysan.html.

A globalização que então tomava impulso criou um boom para aqueles com olhos para uma boa oportunidade.

Um visionário foi Han-emon Tamaoki (1830 – 1911). Em 1886 ele desembarcou em Torishima e estabeleceu a Tamaoki Shokai (Companhia Tamaoki) no ano seguinte. Esta empresa se dedicou, até 1922, ao negócio de matar albatrozes com uma paulada na cabeça, arrancar (com cuidado) suas penas, processá-las e exportá-las para serem usadas na produção de edredons, travesseiros e outros itens fofinhos e quentinhos. 

Chegando em Torishima vindo do sul. Foto: Fabio Olmos.

Evoluindo sem predadores terrestres, os albatrozes não temem humanos e quem já visitou colônias de reprodução sabe como podem ser confiados. Daí vem o nome japonês do Cauda-curta: Ahodori, ou Ave Idiota.

Em 1900, a Tamaoki Shokai tinha 300 pessoas vivendo em Torishima. Antecipando o ESG, havia construído escolas e uma ferrovia leve para transportar os albatrozes mortos para serem processados, aliviando a carga de seus colaboradores. Registros mostram que um funcionário abatia 100 a 200 albatrozes por dia e que, em 1902, pelo menos 5 milhões (5.000.000, ou a população de duas Fortaleza) haviam sido mortos. 

Durante o período Meiji a política do país era aumentar a riqueza e encorajar novas indústrias, a coleta (ou mineração) de penas sendo uma importante indústria de exportação. As penas brancas dos Cauda-curta eram comercializadas a preços maiores que as de outras aves e, como desperdício deve ser evitado, os corpos depenados eram processados para produzir óleo e fertilizante. Tudo muito eficiente.

Em agosto de 1902 Torishima entrou em erupção e o vulcão matou todas as 125 pessoas que moravam na ilha e trabalhavam para Tamaoki. Han-emon Tamaoki, um exemplo de resiliência empresarial, não estava lá e reiniciou as atividades da empresa no ano seguinte. 

A colônia de Caudas-curtas em Torishima fotografada por Yoshimaro Yamashina em 1930 (Fonte: https://www.yamashina.or.jp/hp/english/albatross/history_al.html)

Com o colapso dos Cauda-curta, Tamaoki encerrou as atividades de sua empresa em 1922 e Torishima permaneceu desabitada por alguns anos até que outro empreendedor, Shusaku Okuyama (1894-1978) explorou a ilha entre 1927 e 1939. Seu negócio era a pecuária e a colheita de penas de Albatrozes-patinegros e de Painhos-de-tristram, já que os Cauda-curta estavam nas últimas.

De forma totalmente esperada, a população de albatrozes declinou rapidamente. Em 1930 havia algo como 2 mil albatrozes na ilha e o ornitólogo Yoshimaro Yamashina iniciou uma campanha para cessar o massacre. Apesar disso, em 1932 havia menos de 200 albatrozes nidificando e menos da metade em 1933. 

Neste ano a ilha foi finalmente designada como uma área onde a caça foi proibida, mas emputecidos com o decreto, a boa gente que ali trabalhava organizou uma última caçada e matou todas as aves que estavam na ilha. 

Outra erupção que durou de agosto a dezembro de 1939 matou duas pessoas e a ilha foi evacuada. Mas já era tarde demais para os albatrozes. 

Os Cauda-curta também nidificavam em outras ilhas do noroeste do Pacífico além de Torishima, incluindo Mukojima nas Ogasawara, as Senkaku (território sob disputa com a China), as Daito em Okinawa, Pengjia ao norte de Taiwan e as Penghu a oeste. Todas estas ilhas foram dizimadas pelos caçadores de penas mais ao menos no mesmo período que Torishima, mas sua história é menos documentada. Consta que 1 milhão de albatrozes foram mortos nas Senkaku. 

Foi o fim do Ahodori. Ou assim se pensava.

Ressurreição

No final da Segunda Guerra Mundial tropas americanas ocuparam o Japão e as primeiras sobre albatrozes no pós-guerra foram dadas por Oliver Austin, ornitólogo do Comando Supremo dos Poderes Aliados (taí um título bacana para seu CV). Visitando as Ogasawara em 1949, ele observou Torishima mas não pôde desembarcar devido ao mar revolto. Mesmo assim, Austin pronunciou que os Cauda-curta estavam extintos.

Sob domínio norte-americano, Torishima se tornou um observatório meteorológico para monitorar tufões. Em janeiro de 1951, Shoji Yamamoto, do observatório, patrulhava a ilha quando descobriu um pequeno número de Caudas-curtas na encosta íngreme, protegida por falésias, do local conhecido como Tsubamezaki (Cabo da Andorinha). 

Caudas-curtas levam pelo menos 10 anos para atingir a maturidade sexual. Isso significa que a população da espécie sempre inclui um número de imaturos que estão em alto-mar esperando os hormônios fazerem seu trabalho e foi essa reserva, talvez inferior a 50 indivíduos, que voltou à sua ilha natal vazia e evitou a extinção da espécie. 

As notícias da descoberta de Shoji Yamamoto chegaram ao mundo ornitológico e deram início a um impressionante esforço de conservação que continua. 

O início foram atividades voluntárias da equipe do observatório, que eliminou os gatos ferais (sempre uma desgraça para a fauna nativa) e transplantou capins nativos para Tsubamezaki para controlar a erosão. Em paralelo, a espécie foi finalmente declarada um Tesouro Natural Nacional em 1958 e um Tesouro Nacional Especial em 1962. 

Logo depois, pesquisadores do Instituto de Ornitologia Yamashina (fonte da maior parte das informações nesta história) começaram a monitorar a população e até hoje lideram os esforços para a conservação da espécie

Enquanto em 1965 a população era estimada em 50 adultos que produziam cerca de uma dúzia de filhotes por ano, em 2024 a população em Torishima chegou a c. 8.600 adultos em três colônias.

Muito disso se deve aos esforços do ornitólogo e herói da conservação Hiroshi Hasegawa e sua equipe, pioneiros em técnicas de manejo que tornaram a colônia em Tsubamezaki mais estável (ovos e filhotes rolavam encosta abaixo) e, usando bonecos e gravações, estabeleceram uma segunda e crescente colônia – Hatsunezaki – em terreno mais plano e seguro. Levou mais de uma década, mas funcionou.

Ter toda uma espécie em um vulcão ativo é encomendar um desastre. Ao mesmo tempo, conservacionistas devem parar de se contentar em estabilizar situações e serem agressivos. Espécies ameaçadas devem retomar seus territórios ancestrais e, em tempos de mudanças climáticas, poder migrar para áreas que ofereçam maior viabilidade futura.

Assim, filhotes de albatrozes de Torishima foram levados para outras ilhas para iniciar uma nova população. Entre 2008 e 2012, 70 filhotes foram translocados de Torishima para a ilha sem risco de vulcanismo de Mukojima. Ali foram muito bem cuidados até chegarem a idade de voar e se lançarem na vida louca de adolescentes exploradores dos mares do norte.

Oito anos após a primeira translocação, 3 casais em Mukojima e arredores já haviam criado três filhotes e as perspectivas são positivas, com as aves translocadas pareando com aves dispersando de Torishima. Com o aumento da população em Torishima, Caudas-curtas têm aparecido em outros lugares, como no atol de Midway (lar da famosa septuagenária Wisdom) onde dois casais já se reproduziram com sucesso.

As pesquisas com os Caudas-curtas levaram a uma surpresa. Mencionei que os Caudas-curtas nidificavam nas ilhas Senkaku e, na verdade, eles ainda estão ali. Na impossibilidade de pesquisas no lugar, imagens de satélite mostram que em 2020-21 havia 132 pares nas ilhas

Sabia-se que as aves das Senkaku são diferentes das de Torishima, menores e com bico mais longo e fino. Com o crescimento da colônia em Torishima, aves com características das Senkaku começaram a aparecer e a nidificar, mostrando não apenas diferenças em morfologia, mas também na fenologia reprodutiva. Elas se segregam em relação às aves Torishima, mesmo usando a mesma colônia.

Análises genéticas mostraram que os Cauda-curta das Senkaku e os de Torishima representam linhagens evolutivas distintas que se separaram 638 mil anos atrás (ou mais que a existência de nossa espécie) e são tão divergentes entre si quanto espécies já reconhecidas de albatrozes.

O que leva à expedição de Krasheninnikov e Steller. Com a perda dos espécimes que basearam a descrição de Phoebastria albatrus (os espécimes foram descartados pelo museu por estarem em má condição), não é possível saber se este nome se aplica às aves das Senkaku ou às de Torishima-Ogasawara. 

Para resolver a questão, um grupo de pesquisadores escolheu um novo-tipo para ligar ao nome Phoebastria albatrus e este, coletado no Mar de Okhotsk entre o norte do Japão e Kamtchaka, é uma ave Senkaku. Agora fica a questão: entre várias opções, qual o nome científico das aves de Torishima e Ogasawara?

Aguardemos os resultados das pesquisas.

Visitando a Ilha das Aves

Com essa história e a memória de muito tempo atrás, após assistir uma apresentação emocionante de Hiroshi Hasegawa sobre seu projeto em Torishima, era inevitável que o Cauda-curta estivesse na minha lista de 10 espécies mais desejadas para ver ao vivo.

Demorou, mas em16 de abril de 2024 eu estava a bordo de um navio navegando de Chichi Jima, uma das Ogasawara, rumo a Torishima. Havíamos partido de Chichi às 18:00 do dia anterior, chegando em Torishima às 12:30 do dia seguinte.

Torishima é uma área protegida e acessível apenas com autorização e acompanhamento especiais. Cruzeiros de observadores de aves (como eu) e apreciadores da natureza em geral podem ser autorizados a se aproximar da ilha e navegar ao seu redor. A Guarda Costeira japonesa solicita uma rota detalhada e um barco pesqueiro com cara de espião que nos acompanhou quando nos aproximamos da ilha não parecia apenas curioso.

Golfinhos nos acompanham durante parte do trajeto, um deles com a mordida recente de um Tubarão-charuto. Aquilo deve doer.

Torishima é um vulcão ainda ativo com cerca de 7 km de diâmetro que se ergue 394 m sobre o mar. Vendo o cone desolado rasgado por uma grande fenda que expõe sua ampla cratera era fácil imaginar que o lugar poderia ser o lar de algum kaiju. Talvez Rodan.

Quando nos aproximamos não é algum pterodáctilo supersônico hipertérmico que decola da ilha para nos saudar. Primeiro um e depois outro e outro e outro, Caudas-curtas em toda sua variedade de cores passam pelo nosso navio. Alguns dão um show sob luz perfeita que leva os fotógrafos a orgasmos digitais. Outros, especialmente adultos em plumagem gloriosa, parecem fazer questão de passar por nós na contra-luz e suas genitoras são elogiadas à altura.

Albatrozes-patinegros e outras aves pelágicas que também usam a ilha passam por nós dando seu show, enchendo cartões de memória tanto dos fans conscientes quanto dos distraídos que acham estar fotografando o albatroz certo.

É proibido usar chumming e subornar os albas para que se aproximem. Dependemos do bom humor e curiosidade das aves para fazer nossas fotos.

Nosso ponto de maior aproximação da ilha antes de começarmos a navegar a seu redor coincide com Tsubamezaki. Pendurados em uma pirambeira com a enorme cratera ao fundo vemos os albatrozes brancos que continuam usando o local para construir seus ninhos e, se a gravidade ajudar, criar seus filhotes. 

Muito atrás e muito acima, na borda da cratera de onde emanam vapores suspeitos, vemos os pontinhos brancos de mais albatrozes que se sabe lá o que estão fazendo lá em cima.

Conforme navegamos ao redor da ilha vemos mais albatrozes indo e vindo, alguns voando alto, outros planando próximos da água. A adrenalina aumenta quando avistamos um grupo com várias aves juntas pousadas na água mostrando toda a paleta, desde filhotões chocolate com bicho rosa-chiclet até adultos coloridos justificando o nome Golden Goonie.  

O tempo é curto e a decisão entre usar os binóculos para degustação na hora ou usar a câmera para poder usar o VAR depois tem que ser tomada rápido. Como em outras saídas pelágicas, o procedimento padrão é atirar primeiro e identificar depois. Em casa haverá tempo para descobrir se há algum Senkaku no meio dos Torishimas bem mais abundantes.

Conforme contornamos a ilha avistamos a área mais plana de Hatsunezaki. Contrastando com os cinzas, marrons e vermelhos das rochas vulcânicas expostas, ali há muito mais verde e crescem capim e arvoretas. As construções usadas pelos pesquisadores (e os que vieram antes deles) também estão ali e nos esforçamos para identificar duas garças que caminham ao seu redor.

Ali está um dos maiores monumentos à resiliência da vida e à dedicação de quem sabe a quão rara e preciosa ela é. A colônia de albatrozes de Hatsunezaki, com aves adultas e filhotões que ainda não abandonaram a ilha. Albatrozes-patinegras pousados no meio dos Cauda-curta enriquecem a muvuca. Todos pensam como deveria ser essa ilha quando ali havia 5 milhões de albatrozes dourados.

Torishima é uma ilha pequena. Leva pouco tempo para navegar ao seu redor e temos que cumprir o acordado com a Guarda Costeira. Após 3 horas e 47 minutos de aproximação, circunavegação e degustação é hora de deixar Torishima rumo às ilhas Izu e de lá para Tokyo. 

Patinegras e Caudas-curta passam por nós rumo ao distante Bering. Sobreviventes do avanço da espécie mais avançada…

Golfinhos-pintados-pantropicais Stenella attenuata nos acompanharam rumo a Torishima. O da direita mostra a mordida recente de um Tubarão-charuto Isistius sp. Foto: Fabio Olmos.
Albatrozes-patinegras Phoebastria nigripes também nidificam em Torishima e são superficialmente parecidos com Caudas-curtas mais jovens. Foto: Fabio Olmos.
Um Cauda-curta no “estágio 2”, com pelo menos 4 anos. A espécie passa por sete estágios de plumagem até atingir a maturidade completa depois dos 10 anos de idade. Foto: Fabio Olmos.
Um Cauda-curta ainda imaturo no “estágio 5”. Consta que fêmeas retém o capuz marrom por tempo. Foto: Fabio Olmos.
Um Cauda-curta adulto no “estágio 7”, já com a cabeça dourada. As penas brancas foram a perdição de seus ancestrais. Foto: Fabio Olmos.
Torishima é um vulcão ativo, Sua última erupção (mais ou menos tranquila) foi em julho de 2002, antes da chegada dos albatrozes. Foto: Fabio Olmos.
A colônia de Tsubamezaki. É possível ver os adultos brancos, filhotôes escuros e barreiras horizontais instaladas para reduzir a erosão. Foto: Fabio Olmos.
Uma visão que já foi considerada perdida para sempre. Foto: Fabio Olmos.
Rumo ao Mar de Bering. Foto: Fabio Olmos.

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