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Macaco-aranha é registrado pela primeira vez em ponte artificial no Brasil

Macaco-aranha é registrado pela primeira vez em ponte artificial no Brasil

A realidade na Amazônia do Arco do Desmatamento é bem diferente daquela imagem de florestas a perder de vista. Encurralada pelo ritmo acelerado da destruição, a floresta, quando ainda existe, é comumente reduzida a fragmentos isolados por pastos, plantações ou cidades. Esse é o contexto do município de Alta Floresta, no extremo norte de Mato Grosso, onde uma iniciativa tem aberto passagem – literalmente – para macacos e outros animais transitarem entre as áreas remanescentes de mata, sem o risco de acabarem atropelados em alguma das ruas da cidade. O sucesso das passagens de fauna instaladas foi coroado com a travessia inédita dos macacos-aranhas – no primeiro registro do tipo para a espécie no país.

“É a primeira vez que um macaco-aranha é documentado usando uma ponte artificial no Brasil”, comemora a coordenadora do Projeto Reconecta, Fernanda Abra, responsável pelo Programa Alta Floresta Não Atropela ao lado da Secretaria de Meio Ambiente do município. A iniciativa, que teve início no ano passado, já instalou sete passagens de fauna em diferentes pontos da zona urbana de Alta Floresta.

A travessia inédita do macaco-aranha-da-cara-preta (Ateles chamek) foi documentada em junho e, desde então, a espécie se tornou usuária frequente das pontes artificiais. A imagem de um dos maiores macacos amazônicos, com seus braços e pernas compridos, acompanhados de uma enorme cauda preênsil, passando tranquilo pela passarela tem emocionado não apenas a equipe do projeto, mas toda a cidade. 

“Quase chorei quando vi as imagens. Representa um sucesso enorme e nos dá muita esperança de que essas pontes vão contemplar uma variedade ampla de espécies. E sabendo que o macaco-aranha é tão ameaçado em tantos lugares, eu fico esperançosa de expandir o projeto para outros lugares e ajudar nesse desafio da fragmentação”, conta Abra. 

Cena do macaco-aranha-de-cara-preta atravessando a via por uma das pontes instaladas em Alta Floresta (MT). Foto: Sergio Leal

A espécie, que recentemente teve seu grau de ameaça elevado de Vulnerável para Em Perigo de Extinção na mais recente avaliação nacional, sofre principalmente com a perda e desconexão de habitat, caça e expansão da malha viária.

O macaco-aranha é apenas uma das espécies que têm se beneficiado das pontes instaladas pelo programa no município. Entre outubro de 2024 e maio deste ano já foram quase 4 mil travessias. 

Os usuários incluem outro primata ameaçado de extinção: o zogue-zogue-de-Alta-Floresta (Plectorocebus grovesi), também conhecido como zogue-zogue-de-Mato-Grosso – que já esteve listado entre os 25 primatas mais ameaçados do mundo –, cuja travessia foi registrada pela primeira vez em fevereiro deste ano.

Outro ilustre frequentador das pontes é o pequeno sagui-de-schneider (Mico schneideri), descrito formalmente pela ciência apenas em 2021 e que ocorre apenas na Amazônia mato-grossense.

Um dos primatas mais ameaçados da Amazônia, o zogue-zogue-de-Alta-Floresta também já usa as pontes artificiais instaladas pelo programa. Foto: NZCBI

Adaptação para diferentes espécies

O município de Alta Floresta é o lar de um total de 12 espécies de primatas. Dessas, sete ocorrem na zona urbana: o zogue-zogue, o macaco-aranha e o mico, já mencionados, o macaco-prego (Sapajus apella), o guariba-de-mãos-ruivas (Alouatta discolor), o guariba-vermelho-do-Purús (Alouatta puruensis) e o macaco-da-noite (Aotus azarae). Dessas, apenas os dois guaribas ainda não se aventuraram nas passarelas.

Dos mais de 40 centímetros do corpo do macaco-aranha e suas caudas que podem ultrapassar 80 centímetros, aos pequenos saguis, que não passam dos 30 centímetros, as passagens de fauna foram desenhadas para permitir a travessia do maior número possível de animais – inclusive não-primatas, como marsupiais.

Para isso, as pontes trazem um pacote “3 em 1”, explica a pesquisadora Fernanda Abra.  “São três designs em uma ponte só, em três estratos de altura diferentes, que se adequam a locomoções diferentes”, detalha a coordenadora e fundadora do Projeto Reconecta.

No primeiro nível, cabos, cordas e canos formam uma ponte conhecida como “cruzeta”, facilmente reconhecível pela tela mais larga marcada por inúmeros “xis” trançados em sequência. Acima dela está o single line que, como a tradução indica, é um único linhão de aço coberto por cordas trançadas que dão muitos pontos de aderência aos primatas. E, no último nível, outro cabo de aço com apenas uma corda trançada que tem como objetivo auxiliar a movimentação de primatas com cauda preênsil ou a braquiação (locomoção usando apenas os braços). De cada lado um poste de concreto segura as estruturas feitas de materiais duráveis e baixo custo.

De acordo com a bióloga, a maioria das travessias de primatas foram pelo single line, que imitam melhor os galhos que esses animais estão acostumados a usar na floresta. Já o design de cruzeta parece ser preferido por animais quadrúpedes, como o ouriço-cacheiro.

As sete passagens de fauna foram instaladas estrategicamente para fazer a conexão entre corredores florestais remanescentes, cortados apenas por avenidas e estradas com tráfego intenso.

Imagem aérea mostra a instalação de uma das pontes artificiais, conectando um dos corredores florestais remanescentes no município de Alta Floresta. Foto: NZCBI

“Pro bioma amazônico no âmbito municipal, é uma solução que vem como uma luva. É uma estratégia muito importante para reconectar esses fragmentos florestais tão ricos ainda em fauna que estão na área urbana”, destaca Abra. “Esse projeto está muito alinhado não só com a proteção da fauna, mas com o objetivo de ter cidades mais sustentáveis”, acrescenta.

Em setembro o Programa Alta Floresta Não Atropela irá instalar mais oito pontes artificiais, dessa vez com foco em locais onde há redes de energia e diminuir os riscos de eletrocussão de animais silvestres. A expansão será feita com apoio da Energisa, empresa que fornece energia elétrica ao município. “Eles serão responsáveis por altear [aumentar a altura] dos cabos e isolá-los, para ter zero risco de eletrocussão”, conta a coordenadora.

Atualmente, o Projeto Reconecta possui outras 30 passagens de fauna em um trecho de 125 quilômetros da BR-174, que cruza a Terra Indígena Waimiri Atroari, entre os estados do Amazonas e Roraima. “Lá o contexto é diferente porque é uma floresta contínua, sem nenhum sinal de fragmentação, fora as duas pistas pavimentadas e com alto tráfego de veículos pesados”, explica Abra. 

A pesquisadora Fernanda Abra, coordenadora do Projeto Reconecta, instala uma das armadilhas fotográficas que documenta os usuários das passarelas. Foto: NZCBI

Um modelo para o país

Em parceria com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), as pontes “3 em 1” desenvolvidas pelo Projeto Reconecta podem inspirar um modelo nacional padrão para as rodovias do país, adianta a coordenadora.

O primeiro passo será a formalização de um documento guia, baseado no modelo desenvolvido pelo Reconecta, para apoiar a implementação das estruturas em rodovias federais. O guia deverá ser lançado no segundo semestre.

“As pontes do Reconecta têm uma aderência muito grande pro que está por vir, com essa previsão de rodovias para Cerrado, Pantanal e Amazônia. Planejar essas novas rodovias já contendo essas medidas de mitigação para primatas é fundamental para proteção da nossa biodiversidade”, afirma a bióloga. “Pensamos num modelo padrão de baixo custo, baixa manutenção e alta eficácia. Mas podemos ter contextos diferentes e que vão exigir adaptações da ponte”, completa.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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