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ToggleO governo federal publicou, na última semana, uma nova norma sobre regularização fundiária, com mudanças consideráveis na forma como as terras públicas passarão a ser destinadas no país. Com uma área equivalente ao território da Espanha ainda sem destino, principalmente na Amazônia, o tema não poderia ser mais importante para o Brasil. Áreas não destinadas são o principal foco de grilagem e desmatamento atualmente.
Para entender as mudanças ocorridas na norma, ((o))eco conversou com um dos principais nomes no país sobre o tema: a pesquisadora associada do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Brenda Brito.
Quem destina?
Segundo a pesquisadora, o Decreto nº 11.688, de 5 de setembro de 2023, traz avanços importantes em relação à legislação até então em vigor. Um desses avanços é o aprimoramento da composição e funções da Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, que ganhou novos integrantes e aprimorou seus procedimentos.
Formada por membros de diferentes ministérios e órgãos do governo, a Câmara é a responsável por analisar e definir a posse e o uso de áreas públicas ainda sem destino.
Além dos membros previstos na norma anterior – Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Incra, Serviço Florestal Brasileiro, ICMbio e Funai –, agora também ganharam assento o Ministério da Gestão e da Inovação e Ministério dos Povos Indígenas, com direito a voto, e os Ministérios da Justiça e o da Igualdade Racial, com caráter consultivo.
“A Câmara Técnica tinha uma questão que era problemática, que era lógica da preferência ser a regularização fundiária [privatização de terras, em detrimento da criação de áreas protegidas]. Esse era sempre o ponto de partida, a não ser que algum órgão se manifestasse com outro interesse”, explica Brito.
Segundo ela, no entanto, essa manifestação de órgãos voltados para a criação de Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou quilombolas não acontecia com muita frequência.
“Então eles acabavam destinando a maior parte das áreas, mesmo sendo de floresta pública, para regularização, justamente por essa ausência de manifestação dos outros”, diz.
Agora, além dos novos membros e no aprimoramento dos procedimentos para a deliberação da destinação, o decreto também deixa claro a política que o colegiado deve seguir, voltada para a priorização de criação de áreas protegidas, terras indígenas, territórios quilombolas, territórios de outros povos e comunidades tradicionais, reforma agrária, concessões florestais e políticas públicas de prevenção e controle do desmatamento.
Florestas Públicas
Outro ponto importante que a nova redação trouxe foi a menção explícita dos destinos possíveis que áreas de florestas públicas podem ter. Segundo o decreto nº 11.688, a destinação destas áreas florestais ficará restrita às seguintes políticas públicas:
- Criação e regularização fundiária de unidades de conservação da natureza;
- Demarcação e regularização fundiária de terras indígenas;
- Demarcação e regularização fundiária de territórios quilombolas,
- Demarcação e regularização fundiária de territórios de outros povos e comunidades tradicionais;
- Concessões florestais;
- Outras formas de destinação compatíveis com a gestão sustentável das florestas públicas.
A norma anterior não trazia essa restrição, o que abria possibilidade à privatização.
“Esse é o principal ponto do decreto, que é dizer: ‘se for floresta pública, só pode ser feito isso daqui’, e aí ele lista o que pode ser feito. Isso é importante porque as restrições já estavam previstas em lei, inclusive na Constituição, mas de forma dispersa. Faltava juntar esses fios soltos num só local”, explica a pesquisadora.
Em relação a estas áreas florestais, o decreto também avança na proteção, por definir que o conceito de floresta pública a ser usado é o que está previsto na lei que rege a gestão dessas áreas, a Lei Federal nº 11.284/2006.
“Antes, floresta pública, para a finalidade da Câmara Técnica, era só aquela em que o Serviço Florestal manifestava interesse. O novo decreto vem corrigir isso”.
Outros avanços
Além dos dois pontos principais citados acima, a pesquisadora do Imazon destaca outras inovações que aumentaram a proteção das áreas públicas.
Um deles é a menção explícita ao fato de que não será admitida a regularização fundiária em favor de requerente cujo Cadastro Ambiental Rural (CAR) não esteja ativo no sistema federal.
O outro ponto é a ampliação da necessidade de vistoria física de imóveis que tenham sido autuados por órgãos ambientais de qualquer esfera de poder – federal, estadual ou municipal. A redação anterior só falava de vistoria em caso de autuação pelo órgão federal.
E, por último, a possibilidade de a Câmara Técnica “reservar” terras, por meio de limitações administrativas provisórias. Por exemplo: se o ICMBio manifestar interesse em uma área, a Câmara “reserva” esta área para que nada possa ser feito com ela, até que os procedimentos de criação de unidade de conservação sejam finalizados.
“Esse decreto é um primeiro passo para operacionalizar a proteção [de terras públicas]. O segundo passo vai ser a internalização dos procedimentos, pelos diferentes órgãos. Por exemplo, o INCRA vai precisar pegar esses shapes [dados georreferenciados] das florestas públicas, integrar na plataforma deles e começar a negar o pedido de titulação que é feito em cima delas. Esse é um ponto que ainda vai precisar avançar”, finaliza Brito.
Segundo o decreto, a Câmara Técnica tem 90 dias para apresentar um Plano de Ação para destinação de terras públicas em áreas críticas e prioritárias da Amazônia Legal, a contar da designação de seus membros.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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