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Lideranças contestam multa à Hydro por desastre ambiental

Lideranças contestam multa à Hydro por desastre ambiental

Empresa de mineração foi condenada pela Justiça Federal a pagar R$ 100 milhões para ações socioambientais públicas, mas moradores afetados pedem revisão da decisão e querem despoluição de rio e cuidados com a saúde das vítimas após tragédia ambiental (Foto: Fernando Araújo/Agência Pará/05/04/2018).


Manaus (AM) – Em uma incansável luta pelo reconhecimento dos seus direitos, impactados por atividades de mineração, lideranças de comunidades ribeirinhas de Barcarena e Abaetetuba, no Pará, contestam decisão da Justiça Federal que condenou a mineradora de alumínio Hydro Alunorte a pagar R$ 100 milhões pela contaminação e poluição do rio Murucupi, na área de Barcarena, após o transbordamento de rejeitos sólidos de suas instalações em 2009. 

As lideranças defendem que a empresa seja obrigada a promover ações para a despoluição ambiental e providências relacionadas à saúde das pessoas afetadas pelo desastre. 

O caso é uma grande tragédia ambiental e social causada por atividades de exploração de minérios da Alunorte na região do rio Pará e seus afluentes. A empresa é controlada desde 2011 pela multinacional norueguesa Norsk Hydro. 

A sentença judicial foi favorável a pedidos do Ministério Público Federal (MPF) e obriga a Alunorte, maior refinadora de alumínio do mundo fora da China, a contribuir com entidades ambientais ou culturais públicas, como pena de prestação de serviços à comunidade.

Em 2009, segundo a ação judicial, o foi contaminado por causa do transbordamento da bacia de depósito de rejeitos sólidos (DRS), ocorrido no dia 27 de abril daquele ano, no interior das dependências da Alunorte. O rio Murucupi foi o principal corpo hídrico contaminado.

Após o transbordamento, analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) foram barrados pela empresa na tentativa de fazer uma vistoria na área. A Alunorte é acusada de executar medidas para esconder o vazamento com sacos de areia e valas cavadas com retroescavadeiras. De acordo com o processo, os fiscais precisaram de auxílio policial para entrar na planta industrial.

Os moradores da região relataram que uma espuma surgiu ao longo do rio e exalava odor de soda cáustica. O material poluente afetou também os poços artesianos das comunidades ao longo do trecho impactado.

A lama vermelha, resíduo perigoso com propriedades corrosivas e metais pesados na sua constituição (como alumínio, ferro, sódio e titânio), se espalhou por uma grande área, incluindo uma região de preservação ambiental formada por vegetação e nascentes dos rios Murucupi, Barcarena, Pará, Dendê e Arienga e o Furo do Arrozal.

As provas apresentadas pelo Ministério Público foram obtidas por meio de perícias, laudos, fotografias e investigações feitas pela Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa),  Instituto Evandro Chagas (IEC) e Universidade Federal do Pará (UFPA), Laboratório de Química Analítica e Ambiental (Laquanam), Ibama, Instituto de Criminalística do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves e Polícia Civil do Pará, além de relatos de testemunhas e de outros dados coletados.

Maria do Socorro Costa Silva, liderança comunitária do quilombo de São Sebastião de Burajuba e presidente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), disse em entrevista à Amazônia Real que a condenação não vai reparar os danos causados  às comunidades, vítimas de sucessivas contaminações e expostas a problemas de saúde.

“Não é significativo para nós porque a contaminação está no nosso sangue. Ao consumir água, alimentação, tomar banho no rio. Uma reparação seria para despoluir o rio Murucupi, que hoje virou esgoto da empresa Hydro Alunorte. Até as fezes do banheiro químico da Hydro caem nos bueiros de Vila dos Cabanos. Os equipamentos, como carro e máquinas, são lavados nos lava-jatos da cidade, onde essa bauxita [minério usado na produção de alumínio] vai para os bueiros e cai diretamente no rio Murucupi”, denuncia.

Socorro pede a revisão da decisão, que não atende as reivindicações por acompanhamento na área de saúde e por mitigação dos impactos ambientais causados à água, ar e solo da região. “Nós não precisamos de praça”, declara.

A Justiça determinou que os R$ 100 milhões sejam recolhidos à conta judicial “para posterior destinação a instituição pública ou privada sem fins lucrativos, desde que fiscalizada por órgãos de conta e/ou Ministério Público, preferencialmente, de caráter socioambiental, podendo também tal valor ser destinado à recuperação ou instalação de parques ambientais, praças ou espaços verdes de lazer nas áreas urbanas do Pará, assim contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população, principalmente nas zonas periféricas das cidades.”

“Nossa extrema urgência é deixar nossa cultura viva. Deixar deixar as futuras gerações nascerem. As futuras gerações nascem com problemas e as outras morrem mutiladas, sem seus órgãos. Não é justo, essa condenação precisa ser mais pesada e precisa rever a questão da saúde, precisa rever a questão da despoluição do rio. É muito pouco”, diz a liderança

Mário Santos, líder da Comunidade Quilombola Gibrié de São Lourenço, em Barcarena, completa afirmando que a ação judicial não chega nem aos pés de uma reparação. “Além de condenar a Hydro a investir em cultura e lazer, a Justiça deve condenar a Hydro a despoluir o rio”, afirma.

“Mas não, a Justiça só condenou ela [Hydro] a pagar R$ 100 milhões. E a reparação ao meio ambiente? E a recuperação do meio ambiente e a recuperação do rio, o tratamento do rio? Isso sim é uma reparação. Esses R$ 100 milhões foram colocados para entidades governamentais e não governamentais, sabe lá quando vai ser feito alguma coisa”, lamenta Santos.

Para Paulo Feitosa, presidente do Instituto dos Ribeirinhos do Pará (IRPA), a ação não compreende uma reparação total para as comunidades, uma vez que os danos causados são irreversíveis, mas traz um certo alívio.

“Não tem como retornar ao que era [antes da poluição], mas pelo menos ameniza um pouco o sofrimento da população impactada”, afirma ao lembrar que desde 2009 a empresa nunca foi punida.

Empresa nega crime ambiental

Planta da Alunorte, em Barcarena, Pará (Foto: Paulo Santos/Norsk Hydro ASA).

Os laudos e estudos técnicos citados no processo pelo Ministério Público e documentos apresentados pela própria Alunorte provam que a empresa sabia da necessidade de aumentar a borda do DRS ao menos desde dezembro de 2008. 

No entanto, o juiz avaliou que a Hydro Alunorte não tomou medidas imediatas para socorrer os ribeirinhos e compensar a ausência de água potável e minimizar os danos causados, além de ter sido a responsável pelo transbordamento de uma quantidade enorme de lama tóxica, suficiente para contaminar a nascente de rios.

“A empresa não comunicou imediatamente o dano aos órgãos ambientais e negou a ocorrência da poluição aos fiscais do Ibama. A Alunorte passou a colaborar com a fiscalização do Ibama somente após as autuações fiscais. A empresa ré tinha ciência de que devia fazer o alteamento da bacia de depósito de rejeitos sólidos desde dezembro de 2008 e não fez, assumindo o risco para o dano de poluição causado em abril de 2009”, reforçou a decisão do juiz federal titular da 9ª Vara, José Airton de Aguiar Portela.

Procurada, a Hydro declarou que “nega veementemente a ocorrência de crime de poluição do rio como consequência do evento de 2009 e recorrerá da decisão desfavorável logo que for intimida pelo Tribunal”. A empresa disse ainda que, durante o processo, as partes forneceram provas técnicas, demonstrando que não houve danos ao rio.

“As operações da refinaria empregam as melhores práticas de gestão, atendendo aos rígidos controles ambientais e à legislação vigente e aplicável. A companhia reafirma seu compromisso em ser uma boa vizinha, colocando as pessoas, o meio ambiente e a segurança em primeiro lugar”, diz a nota da empresa.

“A gente viu o crime ambiental em uma extensão imensa, foi um grande transbordo e ela não reconhece”, recorda a líder Socorro. “Só pedir desculpa não resolve o problema, não cura isso. Desculpa não é remédio para despoluir o rio. Tem que despoluir o rio, a gente não quer desculpa, a gente quer que trate imediatamente das pessoas, do rio e da floresta para que as futuras gerações não corram perigo”.

Pesquisador da UFPA e membro da organização sem fins lucrativos Só Direitos,  que atua no Pará, Marcel Hazeu afirma que, após 15 anos da tragédia, a reparação não é somente algo que pode ser medido em termos de valores, “mas também em relação ao espaço e tempo em que a resposta vem depois de um crime ambiental desses”. Ele ressalta que muitas pessoas já mudaram de lugar ou morreram, e sofreram desgastes para conseguir justiça.

O pesquisador relata outras questões anteriores à contaminação, como o deslocamento de moradores para a construção da fábrica, por cima de igarapés e de fontes de rios. Depois, o solo, a água e o ar ficaram expostos à permanente poluição. “Quem passa a noite perto do distrito industrial pode perceber a poluição do ar, que aparece nas noites de forma mais fortes e frequente”, diz.

Os danos da mineração

Caminhões com resíduos de minério na bacia de rejeitos da Hydro Alunorte, em Barcarena, Pará (Foto: Marco Santos/ Agência Pará).

Os desastres ambientais em Barcarena são marcados pela contaminação ambiental severa causada por atividades industriais. Estudos apresentados pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) e pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental (Laquanam), da Universidade Federal do Pará (UFPA), atestam a contaminação humana, das águas e do ar por metais pesados. Os processos judiciais e os protestos de moradores afetados ocorrem a cada incidente de contaminação.

Devido ao acidente de 2009, a água do rio Murucupi ficou imprópria para consumo, os peixes morreram e o ecossistema foi danificado. A redução de riqueza, densidade e diversidade de outros organismos aquáticos e terrestres, além dos riscos à saúde das populações locais, são alguns dos principais impactos. Ribeirinhos foram expostos à intoxicação por metais pesados e tiveram queimaduras na pele.

“Nós temos exames individuais de sangue de pessoas que estão contaminadas por metais pesados por terem consumido a água e os alimentos contaminados. Os poços da Vila Conde e da Vila dos Cabanos estão impróprios para o consumo humano. Para nós é insignificante essa reparação, queremos muito que fosse um médico toxicologista consultar as comunidades e que a Hydro fosse condenada por poluir o rio e a trazer médicos para Abaetetuba e Barcarena, porque são dois municípios em que se estendeu essa tragédia”, afirma Socorro.

A liderança relata casos de câncer, problemas renais, de estômago e perda dentária. Há também relatos de abortos espontâneos e morte de fetos. “Isso não é progresso para nós, essa condenação não é boa. Queremos só viver. Queremos estar bem de saúde, queremos ter água boa. O meio ambiente não foi levado em consideração na condenação da empresa”.

Questionado pela reportagem, o MPF afirmou que pediu à Justiça Federal, no processo relacionado ao dano ambiental de 2009, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos causados, considerando os prejuízos suportados pelo meio ambiente e pelas populações atingidas. Para o órgão, o valor estabelecido pela Justiça Federal tem caráter de reparação. 

A líder Socorro conta que, por causa da contaminação, ela perdeu por doenças o neto, que nasceu com problemas de saúde, e o marido, por doença renal. Ela teme pelo futuro das novas gerações.

“Isso não é justo. As futuras gerações já estão em alerta vermelho, elas correm perigo. Para eu cuidar deles, eu preciso cuidar do meio ambiente. É um só um corpo, o meio ambiente e a vida do meu povo”.

Caminhões com resíduos de minério na bacia de rejeitos da Hydro Alunorte em Barcarena, Pará (Foto: Marco Santos/ Agência Pará).

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