Manaus (AM) – Quem vai pagar a conta da crise climática? Norteadas por esse questionamento, as juventudes periféricas de Manaus se reuniram para discutir sobre a COP30 e seu impacto na realidade amazonense. Na quinta-feira (23), o evento “Manaus decide o clima”, encabeçado pela organização Palmares Lab, abordou a justiça climática e as propostas de soluções pensadas a partir da Amazônia urbana para mitigar a crise climática.
Coletivos, organizações, ativistas e artistas refletiram sobre a necessidade de inserir a juventude negra, indígena e LGBTQIAPN+ das periferias da Amazônia no centro das discussões climáticas, em meio a um contexto marcado por falta de políticas públicas, crise hídrica, calor extremo e nuvens de fumaça provocadas pelas queimadas. Esses jovens vivem os impactos da crise climática, mas sentem que a COP30, que ocorrerá em Belém (PA) dentro de poucas semanas, está longe de suas realidades.
Vitória Pinheiro, representante da Palmares Lab, participará da COP30 com credencial obtida por meio de sua atuação na Constituinte de Crianças e Jovens da Organização das Nações Unidas (ONU). Ativista ambiental criada no bairro Zumbi dos Palmares, periferia da zona leste de Manaus, ela foi a única brasileira nomeada como Ponto Focal da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2022.
“Muitas juventudes amazônicas, mesmo aquelas com anos de atuação no movimento climático, não conseguiram credenciamento. A COP30 está sendo guiada por uma noção de falta. Falta de hospedagem em Belém, falta de infraestrutura nesses espaços. A sociedade civil tem um número restrito de credenciais, que não dá conta da pluralidade de movimentos que existem no Brasil”, disse Vitória.
A jovem vê uma contradição no fato de se ter “uma COP na Amazônia, mas que não é uma COP da Amazônia”, já que os altos cargos de representação da COP30 estão sendo ocupados por pessoas de fora da região. Essa ausência explica parte das dificuldades que o evento tem enfrentado em sua organização, como infraestrutura, hospedagem e, mais recentemente, a questão das credenciais.
Contribuições de coletivos na COP30

Na contramão da falta de representatividade climática, a iniciativa “Manaus decide o clima” integra o Balanço Ético Global (BEG), uma proposta conjunta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do secretário-geral da ONU, António Guterres, com apoio da Presidência da COP30, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Os encontros sob o BEG tem como objetivo reunir visões e contribuições de coletivos da sociedade civil. A partir da discussão em Manaus, uma declaratória será construída para consolidar as demandas da juventude da região durante o período da COP30.
O evento em Manaus serviu como espaço de construção de estratégias da chamada “expertise periférica amazônica”, conceito desenvolvido pela Palmares Lab para orientar sua atuação na COP30. A organização movimenta demandas de juventude desde a COP26, realizada em Glasgow, Escócia, em 2021, e participa da COP30 com uma delegação de nove pessoas, incluindo integrantes da Aliança de Governança Energética.
“Manaus tem um papel principal na questão climática e governança. O Amazonas é um dos Estados que criou políticas e instrumentos para tentar mitigar a mudança do clima, como a criação do Bolsa Floresta e a criação de Reservas Extrativistas. Mas também é onde a capital arde com queimadas em meio urbano. Há um ano, Manaus estava tomada por fumaça. A cidade de Manaus não tem um plano claro de mitigação climática”, declarou Pinheiro.
No encontro, os coletivos também destacaram a criação de um fundo de justiça climática para a juventude, voltado a fortalecer ações de base e garantir recursos para coletivos periféricos. Foram discutidas pautas como transição energética justa, monitoramento das juventudes, filantropia e reparação, além da importância de reconhecer as injustiças sociais e climáticas que atravessam as vidas e os territórios da Amazônia.
Uma dessas injustiças diz respeito ao impacto da violência policial, das políticas de segurança pública e da necropolítica sobre comunidades periféricas, fatores que, segundo os participantes, desmobilizam territórios e limitam a participação política e cultural das comunidades.
“A segurança pública municipal tem feito um verdadeiro ‘enxame’ com suas abordagens brutais. E é por isso que a COP também deve ser um espaço para discutir como a segurança pública precisa ser repensada com mais responsabilidade. As organizações que atuam nas periferias também precisam de um guarda-chuva de proteção, um amparo do Estado. É preciso reconhecer que a atuação policial pode afetar o trabalho dessas organizações e colocar em risco as pessoas que estão nesses territórios”, disse Kennedy Costa, educador e criador do CicloFavela.
Vitória Pinheiro reforçou ainda a importância de pautar o clima a partir das experiências e corpos LGBTQIAPN+ que habitam a Amazônia. “Somos uma organização de juventude periférica e LGBT, e acreditamos que o clima também é uma pauta da nossa população. Nossos corpos têm muito mais a dizer do que apenas as questões ligadas à sexualidade ou à saúde, queremos centralizar nossas existências e lutas nas discussões sobre o futuro do planeta”, afirmou.
Juventude indígena

Pedro Tukano, jornalista e comunicador do povo Tukano e coordenador do Coletivo Miriã Mahsã de Indígenas LGBTQIA+ do Amazonas, destacou que a luta por reconhecimento e território dos povos indígenas da Bacia Amazônica ainda enfrenta desigualdades profundas entre os países da região. Enquanto no Brasil a pauta da demarcação de terras avança com lentidão, em países como Suriname e Guiana há povos que sequer são oficialmente reconhecidos pelos Estados. Essa também é uma luta que atravessa a juventude.
“Por mais que tenhamos direitos na Constituição, estamos muito longe do que se espera pelo nosso reconhecimento dentro do território. Mesmo dentro de um governo que se diz progressista, os territórios indígenas estão sendo entregues aos interesses petroleiros. O que fica para a Amazônia é a exploração, o desequilíbrio ambiental”, manifestou Tukano.
Com o objetivo de fortalecer as demandas comuns dos povos indígenas e aumentar a pressão sobre governos por ações climáticas efetivas, organizações indígenas formaram uma coalizão de lideranças e autoridades climátoica de povos indígenas dos nove países que compõem a Bacia Amazônica: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Criado durante a COP16 sobre Biodiversidade na Colômbia, em outubro de 2024, o G9 da Amazônia Indígena busca garantir o protagonismo indígena nas negociações climáticas da COP30.
Uma das principais pautas é o reconhecimento das Terras Indígenas como solução climática, exigindo que a demarcação, titulação e proteção dos territórios indígenas sejam oficialmente reconhecidas como estratégias eficazes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos países e um Balanço Ético Global sobre o Clima, que consiste na revisão das metas propostas pelos governos para limitar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Outra demanda do grupo é que o financiamento climático seja passado aos povos indígenas, criando mecanismos para que recursos financeiros internacionais cheguem diretamente às mãos dos indígenas, sem passar por ONGs ou governos.
Recursos para a juventude

Os movimentos reafirmaram a necessidade de unir coletivos periféricos para captar recursos e garantir que a agenda climática brasileira seja construída com e desde a Amazônia. Raquel Cardoso, da coordenação do coletivo Ponta de Lança, relatou a dificuldade que os coletivos enfrentam para participar dos debates sobre justiça climática e políticas públicas em Manaus.
Segundo Cardoso, o distanciamento entre as decisões governamentais e as realidades das comunidades torna o diálogo desigual e exaustivo, exigindo um esforço descomunal para que as vozes periféricas sejam ouvidas e consideradas nos espaços institucionais. “Se a gente não tem acesso a esses debates, como vamos levar isso para as comunidades que têm menos acesso ainda? Precisamos construir um único movimento, negro e indígena em coalizão, para transformar essa discussão em instrumentos reais de mudança efetiva”, disse.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Mutirão das Juventudes Ibero-Americanas, com uma delegação formada por jovens de 21 países, entregou ao ministro Márcio Macêdo e ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago, uma declaração política com demandas pela destinação de 5% do financiamento climático internacional a projetos liderados por jovens e pela criação da Universidade de Integração Amazônica (UniAmazônica). A participação da juventude foi anunciada pelo governo federal na programação oficial dos Pavilhões Brasil na COP30. Serão 286 eventos organizados em quatro auditórios nas Zonas Azul e Verde.
Para a Vitória Pinheiro, é preocupante que uma cidade como Manaus,com o quinto maior Produto Interno Bruto (PIB) do País, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não destine recursos suficientes no orçamento público para políticas climáticas ou para o fortalecimento das juventudes e da sociedade civil. “Cadê o recurso, por exemplo, no orçamento para as discussões de política climática? Cadê o recurso para as juventudes que pensam soluções de mitigação, para a sociedade civil?”, questionou.
Organizações lideradas por jovens de periferias brasileiras estarão pela primeira vez na linha de frente da COY20, a Conferência Climática Global de Juventudes, considerado o maior encontro internacional dedicado a crianças e jovens do mundo inteiro para formação, articulação e elaboração política. Neste ano, a conferência será realizada em Belém às vésperas da COP30, entre os dias 6 e 8 de novembro na Universidade Federal do Pará (UFPA).
A co-anfitriania nacional da COY20 ficará a cargo do PerifaConnection, COP das Baixadas e Águas Resilientes. Integralmente organizada por jovens, com apoio da Youngo (Movimento Climático Juvenil), a COY encerra com a produção do Global Youth Statement, documento oficial entregue à UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) com propostas de políticas climáticas.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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