Valdenir Farias Lima foi sentenciado a mais de 63 anos de prisão. O fazendeiro Fernando Rosa Filho, acusado de ser o mandante do crime, está preso preventivamente e ainda não teve o julgamento marcado. A chacina de Baião completa cinco anos este mês. Na foto acima, Valdenir Farias Lima (Foto: Polícia Civil/PA/2019)
Manaus (AM) – A Justiça do Pará condenou a 63 anos, dez meses e 30 dias de prisão Valdenir Farias Lima, o segundo envolvido na chacina de Baião, quando seis pessoas foram assassinadas na zona rural do município localizado no nordeste paraense. Entre as vítimas estava a liderança rural Dilma Ferreira da Silva, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Valdenir foi julgado nesta segunda-feira (18) pelo crime ocorrido nos dias 21 e 22 de março de 2019. O fazendeiro Fernando Rosa Filho é acusado de ser o mandante do crime brutal. Além de Dilma, foram mortos Claudionor Amaro Costa da Silva, marido da ativista, Milton Lopes, Raimundo Jesus Ferreira, Marlete da Silva Oliveira e Venilson da Silva Santos.
Valdenir Farias Lima foi apontado pelo inquérito policial como intermediário do crime, ou seja, a pessoa que contratou os irmãos Glaucimar Francisco Alves, Marlon Alves, Alan Alves e Cosme Francisco Alves para executar os assassinatos. Segundo a denúncia do Ministério Público do Pará , os irmãos Alves são conhecidos matadores de aluguel na região. Cosme Alves foi condenado, em março de 2023, a 67 anos, quatro meses e 24 dias de prisão.
Glaucimar, conhecido como “Cimar”, está foragido. Alan e Marlon morreram em 2019, em confronto com a polícia. O fazendeiro Rosa Filho está preso desde 2019 e aguarda julgamento, que não tem data marcada para acontecer.
Maranhense, Dilma e sua família foram impactados pela construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, obra considerada a maior no país e que foi inaugurada em 1984, durante a ditadura militar. A obra desalojou mais de seis mil famílias. Integrante da coordenação nacional do MAB e ativista pelos direitos sociais, ela ameaçou denunciar Fernando Rosa Filho por extração ilegal de madeira em uma área ao lado do assentamento Salvador Allende, onde vivia. A liderança foi assassinada com requintes de crueldade na madrugada do dia 22 de março de 2019, dentro de sua residência.
“A Dilma era aquela pessoa que nunca sabia dizer não para ninguém. A pessoa chegava lá na casa dela e, enquanto ela não ajudasse, não se conformava. Tinha vezes que a Dilma chegava a ficar sem comer para dar comida para aquelas pessoas”, lembra a irmã da liderança rural, Francisca Ferreira, que acompanhou o julgamento presidido pela juíza Lurdilene Bárbara Souza Nunes, da Vara Única da Comarca de Baião.
A irmã da ativista afirma ter esperança de que todos os envolvidos no caso sejam punidos o mais rapidamente possível. “Eu tenho fé em Deus que eles vão ser condenados e a justiça vai ser feita”, disse.
Além de familiares de Dilma, lideranças rurais, dos direitos humanos e trabalhistas fizeram vigília em frente ao fórum onde aconteceu o julgamento. Em entrevista à Amazônia Real, o coordenador do MAB em Tucuruí, Roquevam Alves Silva, afirmou que Dilma foi tirada dos movimentos de forma covarde e que a pressão por justiça tem gerado resultados, como a condenação de Valdenir. “Nossa tarefa de pressionar e gritar pelo nome da companheira Dilma foi cumprida agora”, declarou.
De acordo com a denúncia do MP, a chacina teve dois momentos. Na noite do dia 21 de março, na fazenda de Fernando Rosa Filho, os trabalhadores rurais Venilson da Silva Santos, Raimundo Jesus Ferreira e Marlene da Silva Oliveira foram mortos a tiros e, posteriormente, tiveram seus corpos carbonizados. Eles ameaçavam denunciar o fazendeiro na Justiça do Trabalho porque ele não pagava os salários e eles viviam em situação análoga à escravidão. Os funcionários de Rosa Filho, um casal de caseiros e um tratorista, também teriam descoberto uma pista de pouso clandestino na fazenda para fins ilícitos.
O segundo momento da chacina de Baião ocorreu no assentamento Salvador Allende. De acordo com a investigação realizada pela Polícia Civil do Pará, no dia seguinte da primeira matança, os acusados foram para a residência de Dilma, onde as outras três vítimas foram esfaqueadas. A resistência de Dilma, que insistia em reclamar do tráfego de caminhões de madeira naquela estrada, fez Rosa Filho encomendar sua morte. Ela era chamada pelos criminosos de “presidente do mato”.
Na época do crime, o promotor Márcio de Almeida Farias era o titular da comarca de Baião e acompanhou a investigação realizada pela polícia. Foi ele que ofereceu a denúncia contra os acusados.
Próximo passo
Segundo o advogado Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), o próximo passo é levar a julgamento o mandante do assassinato de Dilma, o fazendeiro Fernando Rosa Filho. “A gente espera realmente conseguir condenar mais um mandante de assassinato no campo no Pará”, enfatizou.
“O Glaucimar continua foragido, então é uma pessoa que se for possível continuar publicizando imagens para que a gente possa conseguir que a polícia o capture. Ele ainda não respondeu o processo porque está foragido”, completou.
A reportagem não localizou os advogados do acusado Rosa Filho e dos dois condenados para comentar o caso.
Roquevam Alves Silva explica que a expectativa do MAB é que o resultado dos julgamentos que faltam acontecer façam justiça à família de Dilma Silva. “Tem dois meses que a mãe da Dilma morreu e morreu sem saber o resultado desse julgamento. É um sentimento também que fica para nós, de parentes que vão embora e não veem o resultado, a justiça. Espero que o resultado dos próximos julgamentos sejam os melhores possíveis para os familiares da Dilma. Sabemos que ela não vai voltar, mas queremos que os seus algozes sejam presos e não cometam mais esse crime com ninguém”.
Diversas organizações mundiais se mobilizaram em relação ao caso da chacina de Baião. Noventa e nove organizações assinaram uma carta sobre o assassinato de Dilma. No documento, elas pedem ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos uma investigação completa, independente e imparcial do assassinato e a punição exemplar dos executores e mandantes do crime.
Francisca Ferreira Silva denunciou que sua família vive com medo desde o assassinato de Dilma. “A gente fica com muito medo porque ninguém sabe o que aconteceu. Antes tinha aquela alegria de sair, agora ficamos em sigilo e não aparecemos mais por medo. É muito difícil”.
Assassinatos no campo estão concentrados na Amazônia Legal
Dados levantados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que, dos 14 assassinatos por conflito no campo registrados no primeiro semestre de 2023, onze ocorreram na Amazônia Legal, o que torna a região a mais violenta no campo brasileiro.
O número é 51,72% menor do que as 29 mortes registradas no mesmo período em 2022. Aproximadamente metade delas foi causada pela contaminação por agrotóxicos. Os povos indígenas são os mais afetados, com seis mortos, seguidos dos trabalhadores sem terra (5), posseiro (1), quilombola (1) e funcionário público (1).
Os maiores causadores das violências no campo são os fazendeiros (19,75%) e o governo federal (19,33%), seguidos por empresários (16,95%), governos estaduais (13,31%) e grileiros (8,54%). Os tipos de conflitos são muitos: os dados indicam que 878 famílias tiveram suas casas destruídas, 1.524, seus roçados e 2.909, seus pertences. Cerca de 554 famílias foram expulsas das terras que ocupavam, e 1.091 foram despejadas judicialmente. Ocorreram ainda 143 crimes de pistolagem, 85 crimes de grilagem e 185 crimes de invasão.
“Mesmo com a criação de ministérios como o dos Povos Indígenas, Igualdade Racial, e o restabelecimento do do Ministério do Desenvolvimento Agrário e outras medidas do governo Lula, a força política do agronegócio impede uma maior efetividade de políticas públicas para as populações do campo”, analisou o estudo.
Mulheres são vítimas
O número de conflitos no campo registrado no primeiro semestre de 2023 foi o segundo maior dos últimos dez anos, superado somente pela quantidade ocorrida nos seis primeiros meses de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), quando a CPT registrou 1.007 conflitos.
Houve aumento na violência contra as mulheres no contexto do campo, passando de 94, em 2022, para 107, em 2023, uma alta de 13,8%. As mulheres sofreram ainda casos de intimidação (20), ameaças de morte (16), agressão (6), criminalização (5), e cárcere privado (5).
Ao todo, foram notificados 973 conflitos, representando aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022, quando ocorreram 900 conflitos. De acordo com o relatório da CPT, a maioria dos conflitos em 2023 foi pela terra (791), seguida pelo trabalho escravo rural (102) e conflitos pela água (80).
Aproximadamente 527 mil pessoas estiveram envolvidas em conflitos nos primeiros seis meses do ano, com queda de 2% em relação a 2022. Quem mais sofre a violência por terra são os povos indígenas e suas comunidades, atingidas em 38,2% dos casos, seguidos dos trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).
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