Um ano após a desintrusão, o território Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), volta a ser atacado por fazendeiros que ocupavam ilegalmente a área, que já foi considerado o mais desmatado da Amazônia Legal; eles justificam seus ataques com base na Lei do Marco Temporal. Na imagem acima, operação da Polícia Federal na Terra Indígena Apyterewa visando identificar os autores dos incêndios criminosos na região além de outros crimes relacionados (Foto: Polícia Federal/PA/21/09/2024).
Manaus (AM) – Três atentados a tiros em menos de três meses. Pouco mais de um ano após a desintrusão na Terra Indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), essa é a realidade enfrentada pelos Parakanã. O último ataque ocorreu na madrugada do dia 19 deste mês. A aldeia Tekatawa foi alvo de tiroteio pesado desferido por invasores e fazendeiros que tentam retomar sua ocupação ilegal. Os indígenas reagiram, mas ninguém se feriu. Pontes foram destruídas, deixando a comunidade isolada.
Relatos obtidos pela Amazônia Real indicam que os Parakanã afirmam que a desintrusão foi insuficiente e são necessárias ações de segurança permanente por parte das autoridades públicas para evitar retaliações de invasores e fazendeiros que continuam no entorno da terra indígena. “A gente vive aqui ameaçado, qualquer hora pode acontecer o pior”, alerta Surara Parakanã, uma das lideranças da TI Apyterewa. “E nós, as lideranças, estamos todas marcadas para morrer. Eles querem acabar com nós, disseram que vão matar qualquer uma liderança a qualquer hora na cidade. A gente quer que a Polícia Federal investigue, pegue esses pistoleiros.”
Na quarta-feira da semana passada, os invasores e fazendeiros atacaram na surdina. “Esse ataque ocorreu por volta das duas da madrugada. Graças a Deus, ninguém morreu nessa hora, mas havia muitas crianças, mulheres e idosos. Estamos muito preocupados, porque não temos nenhuma segurança”, disse o cacique-geral da TI Apyterewa, Mama Parakanã à Amazônia Real. Para garantir alguma segurança, os indígenas retiraram as mulheres, crianças e idosos do local..
O primeiro ataque ocorreu em dezembro de 2024, quando vídeos e fotos registrados pelos indígenas mostraram as marcas de balas que atingiram as casas e redes de dormir na aldeia. A Força Nacional foi acionada após a ocorrência. Em janeiro, o segundo ataque aconteceu quando os indígenas saíram para caçar no território e se depararam com um acampamento de não-indígenas. Enquanto investigavam a área, foram surpreendidos por disparos e reagiram em legítima defesa.
As constantes ameaças têm impedido os indígenas Parakanã de circularem livremente para resolver questões do dia a dia na cidade de São Félix do Xingu, como fazer compras de produtos indisponíveis na terra indígena ou para resolver questões relativas a benefícios sociais. A insegurança é tanta que muitas lideranças evitam aparições públicas, principalmente em transmissões na televisão, para não se tornarem alvos ainda mais expostos. “É a nossa realidade de muitos anos”, lamenta Surara.
Com a destruição das pontes, o acesso à área onde estão as bases de apoio da Força Nacional de Segurança e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) foi impedido, e os indígenas estão isolados sem conseguir atravessar, pois o igarapé largo dificulta o deslocamento.
A Força Nacional de Segurança fica na Base de Proteção Etnoabiental São Francisco, vinculada à Funai, e realiza rondas diárias nas aldeias da TI por terra e pelo rio Xingu. No entanto, sem as pontes, as patrulhas terrestres foram interrompidas.
Desde o primeiro ataque, os indígenas encaminharam denúncias e relatórios à Polícia Federal, mas afirmam que a resposta tem sido lenta, enquanto os pistoleiros continuam promovendo novas ameaças e invasões.
Na última sexta-feira (21), o Ministério Público Federal (MPF) enviou à Polícia Federal um documento denunciando o caso. A denúncia apresenta a transcrição de um áudio com relato sobre a ocorrência de ataque a tiros contra os indígenas Parakanã na aldeia Tekatawa.
O MPF solicitou a inclusão das informações em um inquérito policial já em andamento. Procurado pela Amazônia Real, o órgão disse que “segue acompanhando a situação e aguarda a atuação da Polícia Federal na apuração detalhada dos fatos”.
Diante de uma falta de ação, a liderança indígena cobra medidas urgentes para garantir a segurança do território: “Fizeram a desintrusão, então agora têm que ajudar a gente a vigiar esse território. Não é só largar a gente aqui dentro e não olhar. Estamos pedindo agilidade da Polícia Federal”, afirma Surara.
Indígenas não vão recuar
A Apyterewa registrou o maior desmatamento do país por quatro anos consecutivos, tornando-se conhecida como a TI mais desmatada da Amazônia Legal, de acordo com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) entre 2019 e 2022. A TI foi homologada em 2007, mas é reconhecida desde 1982.
“Estamos nesse sufoco, ocupando nosso território para nos proteger e preservar e não deixar acontecer de novo o que já aconteceu com o desmatamento. Hoje a nossa TI está em primeiro lugar de desmatamento. Essa é uma luta de mais de 30 anos, e agora estamos retomando o nosso território”, afirma Surara Parakanã.
Em outubro de 2023, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), começaram os trabalhos de retirada de cerca de 2 mil invasores ilegais da região. Eles atuavam em sua maioria com pecuária e utilizavam o território para criação de gado ilegal, com comercialização para grandes empresas como JBS, Marfrig e Minerva.
Desde a conclusão da desintrusão, em fevereiro de 2024, as represálias se intensificaram contra os Parakanã. O aumento do cerco dos fazendeiros que ocupavam ilegalmente a TI Apyterewa é consequência da Lei 14.701/2023, a Lei do Marco Temporal. Desde que foi sancionada, as invasões das aldeias aumentaram e se tornaram mais violentas.
O cacique Mama Parakanã afirma que a presença da Força Nacional no território Apyterewa se limita a proteger os servidores da Funai. Isso acontece porque a atuação da Força Nacional é restrita ao apoio a órgãos que solicitam sua segurança. No Brasil, não existe um sistema específico de segurança indígena, e a Força Nacional não tem competência para prestar proteção direta aos povos indígenas.
“O que está acontecendo na nossa reocupação é um conflito. Estamos buscando apoio porque a gente não pode recuar. Se a gente recuar, eles vão querer voltar de novo lá onde nós temos acampamento. Mandaram recado falando que vão voltar lá, e vão matar a família inteira dos Parakanã”, denuncia o cacique Mama Parakanã.
Enquanto isso, nas áreas de reocupação dos Parakanã, as aldeias Tekatawa, Kaeeté e o Centro Parakanã estão sob ataque e completamente desprotegidos. Elas estão muito fragilizadas. “Não tem como morar nessa aldeia (Tekatawa) onde foi duas vezes alvejada com tiros pesados, não tem como fazer a aldeia porque não tem segurança”, disse a liderança.
De acordo com a assessoria da Associação Indígena Tato’a, entidade que representa os indígenas Parakanã da TI Apyterewa, os agentes da Força Nacional estão sensibilizados com a situação e alinhados com as lideranças indígenas sobre a necessidade de reforçar a segurança.
Por causa da destruição das pontes pelos invasores, que inviabilizou o acesso por carro, há um planejamento para realizar rondas a pé durante a madrugada. O desafio é cobrir toda a região dos conflitos, que é extensa, com o efetivo disponível reduzido de apenas 12 policiais.
Consequências da invasão

Imagens de invasores na TI Apiterewa, em 2023 (Foto: Fernando Martinho/ Repórter Brasil), à esq, e ações de desintrusão no território (Foto: Policia Federal/PA/20/09/2024)
Os indígenas pedem com urgência o apoio da Polícia Federal e da Força Nacional para que a segurança do território seja garantida. Segundo o cacique Mama Parakanã, a desintrusão trouxe como consequência as ameaças. “O que a gente quer é que as autoridades prendam os fazendeiros que mandam pistoleiros atacarem as aldeias do território. Tem que mandar a Polícia Federal prender”, manifestou.
“A gente não quer mais desmatamento, a gente quer proteger, recuperar e cuidar do território. Depois, reflorestar, porque a terra é nossa, o governo deu essa terra para nós”, disse Wenatoa Parakanã, presidenta da Associação Indígena Tato’a, que reiterou a denúncia de violência sofrida pelo povo Parakanã.
Ela ressaltou que os indígenas estão sofrendo as consequências da destruição de seu território. “A gente fica na nossa aldeia, onde a gente nasceu, e o pistoleiro vem atirar na gente. A gente não faz isso com eles, não invade a casa deles como eles fazem com a gente.”
O povo Parakanã exige ainda investigação e punição dos responsáveis pelos ataques. Wenatoa Parakanã afirma que eles vão seguir firmes na reocupação do território. “Nós não temos culpa, queremos que a Polícia Federal prenda esses invasores, mas não vamos abaixar a cabeça também.”
De acordo com Tarcísio Feitosa, ativista ambiental ligado à Comissão Pastoral da Terra e membro da equipe da Coalizão Florestas e Finanças da Rainforest Action Network, uma parceria com organizações nacionais e internacionais que lutam contra a destruição na floresta, os ataques são preocupantes. A organização atua no território Parakanã investigando a relação do desmatamento com empresas e financiadores.
Feitosa explica que a região sempre foi palco de intensos conflitos, e que parte dos invasores retirados acreditam que um dia irão retornar. “O governo federal tem que garantir a proteção dessas mulheres, crianças, idosos e homens Parakanã que têm o direito de ir e vir livremente dentro do seu território”, disse Tarcísio Feitosa, que trabalha no território Apyterewa desde 1999, e há dois anos com a RAN.
Para o pesquisador, que há tempos denuncia a exploração ilegal na Terra do Meio, entre os rios Xingu e Tapajós, no Pará, o governo deve desenvolver um plano de proteção robusto que assegure suporte em educação, saúde, habitação, energia, segurança, transporte e comunicação para todas as aldeias Parakanã, com atenção especial às aldeias novas. É por meio delas que gira a estratégia do povo indígena para a defesa de seu território.
Depois da desintrusão dos invasores ilegais, o governo federal noticiou que houve uma queda de 97% no desmatamento dentro do território. Além da proteção do território, os indígenas planejam ações de reflorestamento para recuperar parte da floresta destruída pela pecuária. “Queremos reflorestar pelo menos metade do que foi desmatado, trazendo de volta nossas castanheiras e os animais”, explica Surara.
O que dizem as autoridades

A Funai foi procurada para prestar esclarecimentos sobre as ações adotadas após a retirada dos invasores da TI Apyterewa, além das medidas tomadas diante das denúncias recentes de ataques na região. Até o momento, não houve resposta.
A Polícia Federal informou, por e-mail, que está ciente do ataque a tiros contra os Parakanã na TI Apyterewa. O caso está em investigação, com um inquérito sigiloso instaurado em dezembro. Segundo o órgão, todos os fatos novos estão sendo devidamente inseridos no processo.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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