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Indígenas rejeitam educação virtual nas aldeias e ocupam Seduc do Pará

Indígenas rejeitam educação virtual nas aldeias e ocupam Seduc do Pará

Spray de pimenta nos banheiros, acesso à comida e água negado: professores lutam para barrar lei que altera o Some, projeto em vigor há 42 anos (Foto: @joaopaulofotografia via @casaninjaamazonia).


Manaus (AM)- Lideranças e professores indígenas do Pará, entre eles Borari, Munduruku, Tembé, Xikrim e Arapium, ocupam há mais de um dia a sede da Secretaria Estadual de Educação do Pará em protesto contra alterações no Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) que afetam a educação escolar indígena. Eles exigem a revogação da lei que alterou a mudança e cobram conversas com autoridades de educação do governo de Helder Barbalho (MDB). Em resposta à recusa de serem recebidos, eles forçaram o portão do prédio e ocuparam a Seduc nesta terça-feira, por volta de 7h.

No início da protesto, os indígenas sofreram repressão policial, intimidações e restrição a comida e água e acessos a banheiros e outros locais do prédio. Eles relataram que spray de pimenta foi borrifado nos banheiros para bloquear a entrada. Passados mais de 24 horas, eles permanecem no local, afirmando que só sairão quando forem recebidos. Os indígenas querem a revogação da Lei 10.820/2024, que impacta o magistério do Pará, incluindo alterações na educação indígena.

O governo do Pará instituiu em 2024 uma metodologia virtual para a educação indígena, na qual os professores presenciais serão substituídos, com as aulas gravadas e transmitidas em televisores através do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemap).  A proposta foi aprovada em lei na Assembleia Legislativa do Pará em dezembro. Os professores são contrários, pois a medida não leva em conta a diversidade cultural e linguística dos indígenas, além de ignorar as dificuldades de acesso à tecnologia e à internet. 

“O Cemep é um Telecurso estadual muito precário. O que vai acontecer? O professor vai ter a sua imagem veiculada ali. Ele não vai ter um sistema de ensino-aprendizagem. Ele vai ter um sistema de tutoria. Então é esse sistema que o estado quer implementar. Olha só o tamanho do retrocesso”, alertou a professora Lídia Borari, que trabalha na área de educação na região de Arapiuns, no município de Santarém, na bacia do rio Tapajós, em declaração à Amazônia Real, enquanto participava do protesto.

Para Lídia Borari, a medida é um passo atrás no sistema modular indígena, que já formou milhares de alunos. “Além de isso atingir [mudança no Some] diretamente os nossos jovens que fazem parte dessa clientela que o estado atende, você vê os direitos dos professores suprimidos. Direitos esses que também vêm de um longo passado de lutas. Simplesmente ele [direito] será diluído por uma canetada vinda do Poder Executivo do Estado”, afirmou.

Segundo a professora Borari, essa foi uma pauta imposta na calada da noite pela Assembleia Legislativa do Pará e o Governo do Estado, nas vésperas do natal em 19 de dezembro de 2024, para justamente passar despercebida. 

“Essas decisões que mais nos afetam são decididas às pressas. É muito interessante o quanto o governo do estado acha que as populações tradicionais, a categoria de professores, a categoria de alunos, as comunidades, não iriam ficar revoltadas com esse tipo de situação”, complementa a professora.

A reivindicação dos indígenas que protestam na sede da Seduc, segundo a professora Lidia Borari, não é só pela anulação do PL, mas também pela própria melhoria da educação, que antes mesmo das mudanças no Some, já se encontrava precária. Os indígenas denunciam escolas sem estruturas adequadas, ou até mesmo a inexistência delas nas comunidades, e subvalorização do trabalho, com baixos salários.

“A gente que mora no interior sabe a questão da inviabilidade de locomoção, de instalação de professores, de recursos humanos em si”, diz.

Em dezembro de 2024, o Ministério Público Federal no Pará já havia pedido do governo do estado a suspensão da nova metodologia educacional, pois ela “viola as leis e princípios constitucionais que protegem os direitos dos povos indígenas” segundo o órgão, e solicitou uma resposta da Seduc em prazo de dez dias.

Na tarde desta terça-feira (14), o procuradores do MPF reuniram-se com os povos indígenas que ocupam a Seduc para defender a reivindicação e garantir o direito da consulta prévia, livre e informada. Segundo o órgão, o que se encontrou foi uma manifestação pacífica, diferente do que a Seduc afirmou em nota. 

Até a saída do MPF, às 18h (hora de Belém), o órgão afirmou que nenhum representante do governo havia ainda comparecido e se reunido para dialogar com os indígenas.

Secretário já foi denunciado

Alessandra Korap durante o ato de ocupação da Seduc-PA (Foto: @joaopaulofotografia via @casaninjaamazonia).

Alessandra Korap Munduruku, uma das lideranças da mobilização, ressaltou que a nova metodologia de ensino do governo do Pará desrespeita a diversidade dos povos indígenas. 

“Como que os alunos vão chegar às cidades para o ensino superior sem base alguma? Com TV que não vão aprender mesmo. O Pará tem mais de 50 povos indígenas, muitos não falam a língua portuguesa, eles vão aprender português quando vão para cidade, depois que vão para a universidade. Como é que o aluno vai aprender numa tela só falando? Não vão tirar as dúvidas dos alunos”, denunciou.

Além da revogação do fim do capítulo II do PL, os indígenas pedem a retirada imediata do atual secretário da educação da Seduc do Pará,  Rossieli Soares da Silva. O secretário já foi condenado por improbabilidade administrativa em ação movida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), por omissão em fornecer quatro documentos necessários a processo investigatório do Ministério Público, na época em que ocupou o mesmo cargo no estado. Ele também foi processado por dispensa ilegal de licitação.

Alessandra Korap Munduruku, liderança do Médio Tapajós, afirmou em entrevista exclusiva à Amazônia Real que a falta de consulta aos povos indígenas é uma violação de direitos. “É um absurdo nós sabermos dessa lei que foi aprovada sem ter uma consulta com os professores, das aldeias, com as lideranças e até mesmo com os alunos que são vão ser prejudicados”, disse a liderança.

Nas redes sociais, Alessandra cobrou uma posição do próprio governador Helder Barbalho. “São os projetos de morte que vão acabar com o nosso rio, não é a educação. A educação se cria dentro de casa, mas também nós temos educação favorável aos nossos direitos. Se o Helder não sabe, que vá estudar, porque filho de papaizinho aqui não, Nós somos filhos de lideranças, nós somos filhos da terra, da floresta e do rio, nós não vamos recuar não”.

Alessandra Munduruku afirmou que a emenda não serve para os indígenas e avisou que eles estão preparados para acampar e dormir por dias na sede da Seduc, até que o governo de Helder Barbalho aceite as condições. 

“Para nós não serve essa lei. A gente pede essa revogação dessa lei e também a exoneração do secretário de educação, Rossieli. Ele já foi secretário do Amazonas, foi péssimo lá. Foi péssimo também em São Paulo. Muita gente reclama dele, porque ele é aquele cara que não é da comunidade, ele persegue pessoas, os alunos, os professores”.

“Enquanto não sair no Diário Oficial o que a gente está pedindo [exoneração e revogação da Lei] a gente não vai sair daqui”, conclui a liderança.

A Seduc do Pará foi indagada pela Amazônia Real sobre o pedido de saída de Rossieli, mas não respondeu.

Repressão policial 

Eram 7 da manhã desta terça quando os indígenas se posicionaram em frente da sede da Seduc e tiveram acesso à parte de dentro da secretaria negado. 

“Nós falamos que era para abrir o portão, ninguém quis ouvir, abrir o portão. Nós falamos mais uma vez que iríamos esperar 10 minutos para abrir.  E aí os guerreiros falaram: ‘se não abrir o portão com 10 minutos, nós vamos entrar’. Eles achavam que nós não íamos entrar e nós entramos, ficamos ocupados numa sala aqui”, conta Alessandra Munduruku.

Depois de ocuparem o espaço com a ajuda dos guerreiros, a sede da Seduc se encheu de policiais militares restringindo os indígenas. As lideranças indígenas relatam que foram impedidos de levar comida e água. A energia e água foram cortados e spray de pimenta foi despejado nos banheiros. Os policiais alegaram que foi um “acidente”.

“Eles [policiais] falaram que era acidente o que tinha acontecido [spray no banheiro], que era apenas acidente e que não era para entrar, mas a gente sentia aquele cheiro. Aí uns meninos viram policiais jogando spray de pimenta dentro e vimos que estavam fazendo isso de propósito”, explica a liderança.

Segundo Alessandra, a entrada de água e alimento só foi permitida e a energia religada porque a deputada estadual Livia Duarte (PSOL) chegou ao local e prestou apoio aos indígenas. “Ela ficou articulando para ligar o ar condicionado, a energia e limpar os banheiros”, conta Alessandra. 

Em nota enviada à Amazônia Real, a Seduc negou o fim do Some, mas não respondeu às perguntas sobre a educação indígena, o novo modelo de ensino virtual e a reivindicação das lideranças. Limitou-se a falar que paga bem e que o Pará tem o segundo melhor salário de professores do país. 

A Seduc foi questionada pela Amazônia Real sobre como deve funcionar o ensino após o capítulo II da lei que garante o acesso ao ensino básico indígena, ter sido cortado. 

A secretaria não respondeu às perguntas sobre a privação de comida, água e energia aos indígenas, e nem sobre a presença de spray de pimenta nos banheiros. 

Some e a precariedade do ensino 

Indígenas na ocupação da Seduc-PA (Foto @liviaduartepsol).

O Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) foi criaadoem 1982 sob coordenação da Fundação de Educação do Pará (FEP), idealizando garantir o acesso ao ensino básico em áreas remotas. O sistema acontece por meio de uma parceria onde o município oferece o espaço escolar, enquanto o governo fornece os professores, merenda escolar e recursos pedagógicos. O Sistema foi regularizado em 2014, pela Lei nº 7.806 de 29 de abril. 

Diferente do ensino regular nas capitais, o Some possui uma dinâmica e estrutura própria, com a característica de ser dividido por módulo, composto por um conjunto de disciplinas ensinadas em quarenta dias através de aulas e atividades de ensino. 

Apesar de, com a lei, o direito à educação básica indígena ser “garantida”, a realidade ainda foge do ideal. Segundo a Lei, o território deveria ter uma estrutura adequada para o sistema ser aplicado, o que não acontece, conforme denuncia Alessandra.

“Tem professor que dá aula embaixo da barraca que a própria comunidade faz, muitas vezes barracas que com péssima condição que só falta cair, as cadeiras, porque não tem o ensino médio de qualidade”, afirmou Lidia Borari.

Helder não comenta

Auricelia Arapium na ocupação Seduc-PA (Foto: @joaopaulofotografia via @casaninjaamazonia),

O governador do Pará, Helder Barbalho, que costuma aparecer em fotografias junto com indígenas nas agendas internacionais e vem se dedicando à divulgação dos preparativos para a COP 30, em Belém, não se pronunciou sobre o protesto dos indígenas. Mas ele postou nesta terça um comentário no X (antigo Twitter) sobre a educação, elogiando uma escola. Ele também lembrou que “faltam 300 dias para a COP do Pará, COP da Amazônia, a COP das COPs!”, em outra postagem. 

Alessandra Korap Munduruku não se surpreendeu com a indiferença do governador. Ela disse que “espera de tudo de um governador que cresceu numa família de políticos e que foi criado para enganar o povo”. Alessandra também criticou pretensas políticas públicas para os indígenas no Pará usadas para esconder as violações de direitos e danos ambientais.

“A secretaria dos povos indígenas [do Pará] foi criada só para ser usada nos discursos, porque o governador não senta conosco, serve só para pegar a liderança lá do território para chegar em Belém para tirar foto e usar a nossa imagem para benefício do estado, para nós não serve. Enquanto isso a educação, a saúde está precária e ele ganhando bilhões e bilhões, os países e empresas de  olho nas nossas terras”.

Em sua rede social, a liderança Auricelia Arapium afirmou que Helder Barbalho, no ano da COP 30 em Belém, não está mostrando o outro lado da , o lado de um governo contra os povos indígenas. “O que vocês estão vendo é um ato do movimento indígena que não concorda com essas pautas”, afirmou a liderança indígena do Baixo Tapajós.

A vereadora Vivi Reis e a deputada Lívia Duarte com os indígenas na ocupação da Seduc-PA (Foto: @liviaduartepso).

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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