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ToggleBelém (PA) – Belém (PA) – O Pavilhão dos Povos Indígenas, na Zona Azul da COP30, foi palco de uma denúncia de nações indígenas equatorianas contra a exploração de petróleo em seus territórios. Os protestos se voltam contra o governo do presidente Daniel Noboa, que mantém a extração de petróleo no Parque Nacional Yasuní, apesar de um referendo popular realizado em agosto de 2023 ter decidido pela suspensão da atividade.
O Yasuní é uma das áreas de maior biodiversidade do planeta e abriga grupos indígenas. Dos cerca de 230 poços de petróleo existentes, apenas dez tiveram a produção encerrada. Eleito há dois anos, Noboa é herdeiro de uma das famílias mais ricas do Equador e aliado do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. As lideranças presentes na COP30 também denunciaram que o governo prepara novas licitações em áreas que poderão gerar mais impactos para as populações indígenas.
“O governo nos chama de terroristas para tentar nos calar porque sempre estamos lutando por nossos direitos coletivos e territoriais. O governo tenta nos calar e nos subornar. Mas os povos indígenas da Amazônia equatoriana estão unidos. Tomamos a decisão de dizer que o governo respeite os nossos direitos. Por isso, temos saído às ruas, num movimento de resistência e protesto. Por isso, o governo nos trata como terroristas”, explicou Milton Vargas, 48 anos, do povo Achuar, em entrevista à Amazônia Real.
Segundo Vargas, os povos indígenas entraram com várias ações na justiça para que Noboa cumpra a decisão da consulta popular. A própria Corte Constitucional determinou prazo de um ano para isso. Até agora, porém, a extração continua. “É uma violação dos nossos direitos. Querem nos tirar de lá com as Forças Armadas. Quando protestamos, mandam os militares e tentam nos calar. O governo quer nos destruir. A Amazônia tem que ser respeitada. O petróleo está no seu lugar, embaixo da terra, e lá ele tem que ficar. Não deve ser tirado de lá para nada”, afirmou o líder Achuar.
Povos temem retrocesso na Constituição do Equador
Os líderes indígenas estão ainda mais preocupados porque no próximo domingo (16) haverá nova consulta popular em que os eleitores terão que responder se querem ou não uma reforma da Constituição. Eles temem que, se a proposta de reforma for aprovada, os direitos dos povos e da natureza poderão ser drasticamente enfraquecidos no processo de revisão do texto constitucional.
O Equador foi o primeiro país do mundo em que a Constituição reconheceu os direitos da natureza (Pacha Mama), decisão do Congresso impulsionada pelo movimento indígena equatoriano. Segundo a Constituição, a natureza tem o direito de existir, de ser preservada e regenerada. O cidadão pode entrar com ações na justiça para garantir que esses direitos sejam respeitados.
Samuel Shiguango, 34, presidente da Associação dos Indígenas Kichwa, chegou à COP 30 viajando na Flotilha Amazônica, que desceu o rio Amazonas até Belém. Ele lembrou que seu povo luta há mais de um século contra atividades extrativas, como mineração, exploração de petróleo e madeireiras, além das hidrelétricas, que alteram o ciclo natural dos rios. A luta aumenta agora com a possibilidade de mudança constitucional.
“Estamos muito preocupados porque, se a reforma for aprovada, nossos direitos coletivos serão afetados e seremos vulnerabilizados. Não teremos mais a consulta prévia, livre e informada. Também vamos perder todas as ações que temos na justiça. Vamos perder tudo. Estamos desesperados. Temos que lutar e ser as vozes dos territórios. Se não, o que será deles e de nós daqui a dez anos? Vão nos matar”, lamentou Shiguango.
Do Equador ao Brasil, a mesma luta

Shiguango fez um paralelo entre as lutas dos indígenas no Equador e a resistência, no Brasil, contra a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas.
“Creio que todos temos as mesmas necessidades e as mesmas preocupações de defender a Amazônia. No caso do Brasil, o que vai acontecer com os povos indígenas e com as comunidades ribeirinhas? Nossos temas são os mesmos. Esta ideologia de desenvolver os países extraindo recursos naturais está matando nossas identidades. Por isso, temos que unir todos os povos da América Latina. Se juntarmos nossas vozes, talvez possamos salvar a Amazônia e o mundo. Estamos vivos e fazendo nossa resistência. A Amazônia não está à venda”, afirmou.
Organizações indígenas do Equador têm frequentemente denunciado os planos de expansão da exploração de petróleo em seus territórios nos últimos meses. Segundo lideranças, há 18 blocos dentro de seus territórios. Em setembro e outubro deste ano, o governo de Daniel Noboa reprimiu duramente uma série de protestos de organizações indígenas.
A pressão petroleira no território dos indígenas do Equador ocorre desde a década de 70. Um dos episódios mais emblemáticos foi o chamado “caso Chevron”, quando pela primeira vez comunidades indígenas ganharam na justiça um processo contra uma grande multinacional, em 2011. No entanto, a decisão foi anulada anos depois, em favor da empresa. Desde então, a exploração de petróleo avançou sobre várias comunidades indígenas do país.
Financiamento direto para os povos

O debate entre indígenas equatorianos e brasileiros também apresentou soluções para o financiamento direto para que as etnias tenham condições de proteger suas terras e a floresta. A liderança indígena Rose Apurinã, 40 anos, da região do rio Purus, no sul do Amazonas, explicou como funciona uma iniciativa inovadora de financiamento sob controle e governança dos povos indígenas e já em pleno funcionamento. O Podáali — Fundo Indígena da Amazônia Brasileira já conseguiu captar R$ 15 milhões, de doadores majoritariamente internacionais.
O fundo foi criado pelo movimento indígena amazônico através da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), depois de dez anos de discussões entre os povos dos nove estados da região amazônica.
“Há muito tempo, os nossos povos indígenas, sonhavam em ter um mecanismo técnico voltado a apoiar os nossos modos de vida, os nossos projetos e a fortalecer aquilo que os parentes já fazem no território, cuidando das vidas e de toda a biodiversidade. O Podáali nasce com o objetivo de promover a autonomia dos povos indígenas da Amazônia”, explicou Rose Apurinã para a Amazônia Real.
O fundo funciona com regras decididas a partir dos modos de vida de cada povo, o que significa uma grande diversidade já que a Amazônia tem mais de 180 etnias. A burocracia é menor e o fundo dá prioridade para projetos de mulheres e juventude indígena. Mais de 74 iniciativas de mulheres já receberam apoio. Os projetos são selecionados por meio de edital com chamada pública e distribuição igual para todos os nove estados. Há também outras modalidades, todas com o objetivo principal de garantir a proteção dos territórios.
Rose descreve a capilaridade do fundo a partir das formas de organização social dos povos indígenas. “Conseguimos construir formatos que façam efetivamente o apoio chegar aos territórios. Trabalhamos com 64 regiões de base de atuação da Coiab. O Podáali fortalece as iniciativas que os parentes já fazem no território. É realmente um reconhecimento ao que os povos já fazem. Fugimos de projetos muito específicos para conseguir fazer a prestação de contas por resultado efetivo, que é preservar e cuidar do território. Nossos mecanismos demonstram resultados efetivos e atendem aos indicadores que os apoiadores esperam. Este é o maior resultado que a humanidade precisa”, comemora.
Indígenas pedem diálogo sobre TFFF

Sobre o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF na sigla em inglês), lançado oficialmente pelo presidente Lula na COP30, Rose Apurinã disse esperar que haja diálogo com os povos indígenas para que parte dos recursos cheguem aos territórios e possam, de fato, beneficiar aqueles que mais protegem as florestas.
“Esperamos que o TFFF reconheça os mecanismos indígenas e as nossas organizações como o modelo efetivo para o recurso chegar diretamente. Esperamos que haja diálogo e uma construção coletiva de reconhecimento a esses mecanismos que já estamos usando. Nós precisamos construir regras de apoio que conversem com essas diversas realidades. O TFFF só vai fazer sentido efetivo de apoiar os territórios indígenas e as populações tradicionais se os mecanismos desses povos e dessas comunidades forem reconhecidos como ferramenta para fazer o recurso chegar direto”, avaliou.
Durante a Cúpula do Clima, que antecedeu a COP 30, o TFFF recebeu os primeiros compromissos de aporte. O fundo é um mecanismo de financiamento para proteção das florestas tropicais, que receberá dinheiro público e privado e será gerido pelo Banco Mundial. Na Cúpula do Clima, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o fundo já reúne compromissos que somam US$ 5,5 bilhões.
Brasil e Indonésia contribuem com US$ 1 bilhão cada; a Noruega, com U$3 bilhões e a França com 500 milhões de euros. Portugal fez uma contribuição simbólica de um milhão de euros (para custos operacionais).
O primeiro compromisso privado partiu do bilionário australiano Andrew Forest, que prometeu investir U$10 milhões. A meta do governo Lula é alcançar US$ 125 bilhões de dólares em dinheiro público e privado. Havia a expectativa de anúncio de um aporte da Alemanha, mas isso ainda não se confirmou. O chanceler alemão, Friedrich Merz, afirmou que o aporte não será imediato, embora prometa uma contribuição considerável.
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