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Impactos da rodovia BR-319 - 3: benefícios ilusórios

Impactos da rodovia BR-319 – 3: benefícios ilusórios


Os benefícios sociais da pavimentação da BR-319 têm sido muito exagerados tanto no discurso político quanto na imaginação dos beneficiários. Com exceção dos povos Indígenas, a grande maioria das pessoas que se encontram na área ao longo do percurso da rodovia são apoiantes entusiásticos do projeto de reconstrução e esperam que a estrada lhes traga conveniência e prosperidade [1]. De fato, alguns dos ocupantes ao longo da rota poderiam se enriquecer, especialmente pela venda das terras cujo valor de mercado aumenta muito com a presença da estrada. No entanto, como visto repetidamente em outras rodovias amazônicas, a população de pequenos agricultores é rapidamente substituída por atores maiores, e os pequenos migram para outras fronteiras onde este ciclo continua, sem alcançar a sonhada fixação em uma propriedade rural (e.g., [2-5]).

A cidade de Manaus se beneficiou da ausência da BR-319 porque a maioria dos empregos criados direta ou indiretamente pelas fábricas na Zona Franca de Manaus são preenchidos pelos atuais residentes da cidade, e não por um fluxo de migrantes desempregados que chegam pela BR-319. A porcentagem da população em Manaus com um emprego tem sido maior do que em outras partes do País devido à combinação da oferta de emprego e a dificuldade de chegar até a cidade. Com um acesso muito mais
fácil por ônibus a partir de outras regiões brasileiras, pode-se esperar a formação de um novo equilíbrio entre migração e emprego, com o desemprego em Manaus aumentando para se aproximar do nível de outras partes do País.

Se chegarem vários migrantes desempregados para cada emprego criado, Manaus pode esperar ter uma percentagem mais baixa da sua população empregada e o rendimento per capita diminuirá. Antes do
programa de “manutenção” da BR-319 tornar a rodovia transitável, Manaus chegou a ter a terceira maior PIB per capita das 27 cidades capitais no Brasil (Figura 3). Manaus continua bem colocado em termos de PIB [6], mas em termos de renda per capita fica em penúltima posição entre as capitais brasileiras [7].

Ironias da BR-319: políticos em 2005 (antes da BR-319 se tornar transitável) prometam a rodovia para a prosperidade de Manaus na mesma hora que a cidade é identificada como tendo a terceira melhor renda per capita entre todas as 27 capitais de unidades federativas no País. A prosperidade relativa de Manaus é resultado justamente da falta da BR-319, pois a dificuldade de migrar para Manaus significa que uma proporção maior da população já residente na cidade tenha um dos empregos direta ou indiretamente criados pelas fábricas nessa zona franca.

A maior parte da população atual no entorno do rio Madeira vai sofrer impactos não benefícios da BR-319. Isto é evidente pelo pavor da população em volta do Lago de Cuniã com relação ao avanço de madeireiros e grileiros em direção a essa área (observação pessoal). Um ramal ilegal nesta direção iniciou em 2020, adentrando o RESEX e áreas vizinhas usadas pela população para coleta de castanha [8]. Hoje este ramal é uma estrada muito maior, segundo os residentes. Uma extensão enorme de ramais ilegais tem sido construído em terras públicas na área de influência da BR-319 [9]. Estradas endógenas deste tipo são um dos principais vetores de desmatamento tropical no Brasil e em outros países tropicais [10-12]. As extensões desses ramais nos municípios ao longo da estrada são: Canutama (1.755,7 km), Manicoré (1.704,1 km), Humaitá (1.455,6 km) e Tapauá (176,8 km) [13]. [14]


Na imagem deste artigo, Patrícia Silva com a filha e o marido na travessia da balsa do rio Castanho, família de produtores rurais na BR-319 que teve que sair da sua propriedade por conta da cheia. (Foto: Alberto César Araújo/Acervo Amazônia Real).


Notas

[1] Eichmann, C.U.A. 2018. Land-use Allocation in the Amazon Frontier: Evidence from Manaus- Porto Velho Road (BR-319) in Amazonas, Brazil. Dissertação de mestrado em Silvicultura Tropical, Technische Universität Dresden, Dresden, Alemanha. 203 p.

[2] Carrero, G.C. & P.M. Fearnside. 2011. Forest clearing dynamics and the expansion of land holdings in Apuí, a deforestation hotspot on Brazil’s Transamazon Highway. Ecology and Society16(2): art. 26. [online]

[3] Fearnside, P.M. 1986. Human Carrying Capacity of the Brazilian Rainforest. Columbia University Press, New York, NY, E.U.A. 293 p.

[4] Fearnside, P.M. 1989. Ocupação Humana de Rondônia: Impactos, Limites e Planejamento. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasília, DF, 76 p.

[5] Yanai, A.M., P.M.L.A. Graça, M.I.S. Escada, L.G. Ziccardi & P.M. Fearnside. 2020. Deforestation dynamics in Brazil’s Amazonian settlements: Effects of land-tenure concentration. Journal of Environmental Management 268: art. 110555.

[6] Nunomura, E. 2023. Manaus já é o quinto município “mais rico” do Brasil. Amazônia Real, 15 de dezembro de 2023.

[7] Santos, S. 2023. Manaus é a segunda capital mais pobre do Brasil, diz pesquisa da FGV. Amazonas1 , 15 de fevereiro de 2023.

[8] Fearnside, P.M., L. Ferrante & M.B.T. de Andrade. 2020b. Ramal ilegal a partir da rodovia BR-319 invade reserva extrativista e ameaça Terra Indígena. Amazônia Real, 09 de março de 2020.

[9] Carvalho, T.C, T.P. Marinho & F.A. Meirelles. 2023. Abertura e expansão de ramais em quatro municípios sob influência da rodovia BR-319, Parte 02. Observatório da BR-319 (OBR), Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), Manaus, AM. 27 p.

[10] Engert, J.E., M.J. Campbell, J.E. Cinner, Y. Ishida, S. Sloan, J. Supriatna, M.Alamgir, J. Cislowski & W.F. Laurance. 2024. Ghost roads and the destruction of Asia-Pacific tropical forests. Nature.

[11] Laurance, W.F. 2024. Roads of destruction: we found vast numbers of illegal ‘ghost roads’ used to crack open pristine rainforest. The Conversation, 10 de abril de 2024.

[12] Souza Jr., C., A. Brandão Jr., A. Anderson & A. Veríssimo. 2013. Avanço das estradas endógenas na Amazônia. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 01 de fevereiro de 2013.

[13] ClimaInfo. 2024a. Ramais ilegais e grilagem na área de influência da BR-319 na mira do MPF. ClimaInfo, 06 de março de 2024.

[14]

Os textos desta série fazem parte de uma revisão de literatura solicitada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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