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Governo se defende pelo aumento de mortes entre Yanomami

Governo se defende pelo aumento de mortes entre Yanomami

Onze ministros da gestão Lula vão a Roraima inaugurar a Casa de Governo, mas reconhecem que falta organização para acabar com o garimpo ilegal e a violência na Terra Indígena, na imagem acima  a presidente da Funai, Joenia Wapichana, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, e a ministra da Saúde, Nísia Trindade (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil),


Por Felipe Medeiros e Leanderson Lima

Boa Vista (RR) e Manaus (AM) – Diante do impacto negativo do aumento de mortes de Yanomami no ano passado, o governo Lula fez um mea culpa e indicou que vai revisar dados da gestão de Jair Bolsonaro, sobretudo aqueles ligados à área de saúde e de segurança. Foi o que anunciou nesta quinta-feira (29) o ministro da Casa Civil, Rui Costa, em visita à capital Boa Vista. Acompanhado de outros dez ministros, um sinal da importância da agenda federal em Roraima, Costa reconheceu que ainda falta organização para combater de forma mais efetiva o garimpo, crimes ambientais e o avanço do crime organizado que afeta os povos da floresta.

“Infelizmente, as unidades de saúde que atendem na ponta as comunidades indígenas foram abandonadas. Isso é um fato, isso não é uma alegação”, justificou Rui Costa. “E por terem sido abandonadas, os registros dos últimos anos não foram feitos. Então nós não sabemos afirmar [se houve subnotificação] e por isso foi determinado a abertura de inquérito sanitário para apuração.” O chefe da Casa Civil adotou um tom diplomático ao responder à pergunta sobre o aumento de mortes mesmo com ações governamentais em curso. 

Dois dias antes da comitiva chegar à capital roraimense para essa inauguração, o portal Poder360 revelou dados desagradáveis para a cúpula do governo federal. No primeiro ano da gestão do terceiro mandato de Lula (PT), o número de óbitos entre Yanomami cresceu 5,8%, atingindo 363 casos. Foram 20 a mais do que em 2022, último ano do governo Bolsonaro (PL). Em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB), morreram 240 indígenas. Sob Bolsonaro (PL) foram 263 mortes em 2019; 334 em 2020; 354 óbitos em 2021 e os 343 do ano passado.

Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, reforçou as falas de Rui Costa ao dizer que os profissionais de saúde não conseguiam atender por falta de segurança na Terra Indígena Yanomami (TIY). A justificativa veio com o reconhecimento, por ambos, da necessidade de resolver a crise na região. “Os números absolutos de 2023 já demonstram a gravidade do problema, e por isso nós ampliamos o grau de mobilização e de integração”, disse o ministro da Casa Civil.

Guajajara avaliou a persistência de mortes entre os Yanomami: “Entendendo que ainda há uma situação de emergência, e ainda há um grande número de mortalidade, nós estamos aqui agora para estabelecer novas medidas, mais estruturantes, e de forma permanente”, falou confiante.

Presença federal

Instalação da Casa de Governo , em Boa Vista (Foto: Wagner Lopes | CC ).

Com um investimento de 1,2 bilhão de reais e a promessa de manter uma estrutura fixa do governo federal até dezembro de 2026, a Casa de Governo foi inaugurada pelos ministros de Estado nesta quinta-feira. O espaço é uma coordenadoria local da União que vai gerenciar presencialmente – e de maneira constante – ações envolvendo órgãos como Polícia Federal (PF), Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – além de 31 ministérios como o da Educação e dos Direitos Humanos e Cidadania. O local foi instalado na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em Boa Vista.

Segundo a ex-coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a falta de segurança será resolvida com a articulação interministerial na Casa de Governo em Roraima e conforme os anúncios feitos pelos ministros José Múcio (Defesa) e Ricardo Lewandowski (Justiça) de aumento de efetivo na TIY.

“Para que as equipes de Saúde cheguem em todas as regiões é preciso uma segurança para essas equipes. E por isso esse trabalho integrado com o Ministério da Justiça, as forças de segurança e as Forças Armadas. Para que a gente possa, de fato, efetivar essas ações e sair da situação de emergência”, pontuou Sonia. 

“Roraima não será controlada e dominada pelos criminosos, pelos traficantes, sejam de madeira, de metais preciosos, de drogas. Por isso, estamos aumentando a presença da Polícia Federal, das Forças Armadas”, reforçou Costa, porém sem dar detalhes de como será a nova atuação de segurança na região e o número de pessoas que irão atuar. Para Sonia, a Casa de Governo em Roraima será importante para “garantir mais diálogo” entre as pastas do governo e os indígenas.

Nilton Tubino será o primeiro diretor da Casa de Governo. Aos 62 anos, ele é um experiente assessor da Secretaria Geral da Presidência, considerado um articulador entre os ministérios e órgãos federais, estaduais e municipais. Tubino já trabalhou com outra crise envolvendo indígenas, a desocupação da Terra Indígena Alto do Rio Guamá (Tiarg). 

A entrevista coletiva teve número limitado de perguntas e ocorreu antes de uma reunião com lideranças indígenas, entre elas o xamã e presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi Kopenawa. 

Operação governamental 

Acampamento de garimpeiros dentro do território Yanomami, próximo a comunidade Surucucu (RR)(Foto: Leo Otero/MPI 11/02/2023)

Num dos primeiros atos de seu novo governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva  deu início a uma megaoperação para enfrentar a crise humanitária que afeta diretamente os Yanomami. Em janeiro de 2023, o mundo tomou ciência da gravidade de anos de tolerância com a atividade criminal dentro da TIY, durante o governo de Bolsonaro. Uma das ações, em paralelo, era realizar a desintrusão do território indígena, com a promessa oficial de acabar com a atividade criminosa. “O que eu posso dizer para você é que não vai existir mais garimpo ilegal e eu sei da dificuldade de tirar o garimpo ilegal. Eu sei que já se tentou outras vezes tirar e eles voltam, mas nós vamos tirar”, disse Lula à época.

Naquele início de 2023, o governo federal desembarcou em peso, em Boa Vista, Roraima, com várias ações para combater a crise humanitária entre os Yanomami.  Hospital de Campanha (HCAMP) da Força Aérea Brasileira (FAB) foi montado ao lado da Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista, capital de Roraima. A unidade tinha capacidade para receber aproximadamente 700 indígenas. 

No campo da defesa, a Força Aérea criou uma Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida). Qualquer avião de garimpeiro que sobrevoasse a TIY seria monitorado e poderia até ser abatido. A ideia era bloquear o principal canal de circulação de ouro e insumos dentro e fora dos garimpos.

Agentes da Força Nacional de Segurança Pública, do Ibama e da Funai realizaram diversas operações onde apreenderam aeronaves, mantimentos, embarcações e armas de fogo, no desmonte do garimpo na TIY. Na época, um helicóptero, um avião, um trator de esteira (utilizado para abrir ramais no meio da floresta) e estruturas de apoio logístico ao garimpo ilegal foram destruídos. Além do trabalho de campo, a Polícia Federal deflagrou uma série de operações que tinham como mote o combate ao comércio ilegal de ouro.

Apesar dos esforços e de ter gasto mais de 1 bilhão de reais no primeiro ano da operação, os problemas parecem longe de um fim. Embora tenha ocorrido um efetivo cerco aos garimpeiros, a atividade ilegal apenas migrou momentaneamente para o país vizinho, a Venezuela. Entidades ligadas aos povos indígenas chegaram a apontar falhas na retirada dos garimpeiros. 

Em novembro do ano passado, os garimpeiros pareciam ignorar o governo Lula e, a despeito das ações federais, começaram a voltar intensamente à TIY. A Amazônia Real ouviu relatos de máquinas de garimpo atuando livremente perto da comunidade Paapiú. 

Crise deflagrada

Casa de Saúde Indígena recebe visita da presidenta da Funai, ministros e representantes de órgãos federais em Boa Vista (RR) (Foto: Lohana Chaves / Funai).

O fato é que a tensão entre garimpeiros e indígenas permanece na TIY. O presidente da  Associação Yanomami (Urihi), Junior Hekurari, teme um novo massacre como o ocorrido em 23 de julho de 1993. Naquela ocasião, um ataque de garimpeiros vitimou 12 indígenas Yanomami, na aldeia de Haximu, na fronteira entre Brasil e Venezuela. 

Desde o início deste ano, cinco garimpeiros foram mortos na TIY. Os dois primeiros, José Winicios Feitosa de Oliveira e Adriano Domingues da Silva, foram dados como desaparecidos em 4 de fevereiro. Quatro dias depois foi a vez dos garimpeiros Josafá Vaniz da Silva, de 52 anos; Luiz Ferreira da Silva, de 50 anos;e da cozinheira Elizangela Pessoa da Silva, de 43 anos. Os familiares informaram à polícia que eles teriam sido mortos num suposto ataque a flechadas de indígenas Yanomami. 

A Polícia Civil de Roraima montou uma “operação de guerra”, junto do Exército, para conseguir resgatar os corpos. A TIY possui 9,5 milhões de hectares, o que equivale à área dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo somados. Uma vasta faixa territorial que abriga 27.152 indígenas de acordo com dados do Censo de 2022. 

Os garimpeiros desapareceram na TIY, que fica dentro do município de Alto Alegre (distante  91 quilômetros de Boa Vista). “Alto Alegre é o município que abarca a maior área da Terra Indígena Yanomami. Infelizmente são casos de difícil atuação para a gente, porque eles são normalmente em lugares de difícil acesso. Ou somente por helicóptero ou avião. A Polícia de Roraima não dispõe de avião ou helicóptero com capacidade de operar nessas áreas, então sempre que ocorre um crime dessa natureza, nessas regiões, a gente acaba dependendo de outros órgãos”, explica o delegado Wesley Costa de Oliveira, que chefia a delegacia de Alto Alegre. 

Na primeira entrevista que concedeu à agência Amazônia Real, em 15 de fevereiro, o delegado Wesley explicou o motivo de não poder usar uma aeronave qualquer neste tipo de resgate. “A gente não pode ir com uma equipe pequena porque é uma área de conflito deflagrado. A gente precisa ir com uma equipe robusta para não colocar em risco a vida dos próprios policiais. Precisamos levar de 12 a 15 policiais. Não é qualquer avião e qualquer helicóptero que vai conseguir”, descreveu, deixando transparecer o espírito conflagrado na região.

O resgate dos primeiros três corpos, que seriam de Josafá Vaniz, Luiz Ferreira e de Elizangela Pessoa aconteceu em 19 de fevereiro. “Em relação ao primeiro local, foi tranquilo porque não havia ninguém.  É um garimpo que foi abandonado, em razão de um ataque que sofreu, e os corpos estavam espalhados pelo local. Os corpos já estavam esqueletizados. Agora a gente vai fazer o processo de identificação”, contou em outra conversa com a reportagem em 22 de fevereiro. De acordo com os relatos recebidos pela Polícia Civil de Roraima, o trio teria sido morto a flechadas, mas isso só poderá ser verificado durante os exames de necropsia.  

Já no segundo lugar visitado pela operação de resgate, onde estariam os corpos de José Winicios Feitosa de Oliveira e Adriano Domingues da Silva, a situação foi diferente, como conta o delegado. “Tivemos certa animosidade por parte dos indígenas, mas que foi contornada. Só que não conseguimos identificar o local onde estavam as covas. Seguimos fazendo diligências na tentativa de identificar este local”, diz Wesley.   

O delegado de Alto Alegre descreve a situação envolvendo os garimpeiros e Yanomami como “extremamente complicada”, e repleta de tensões. “Temos ali os interesses dos indígenas, dos garimpeiros e de facções criminosas que atuam naquela região”, pontua.

“Muitas vezes acaba havendo confronto entre garimpeiros e faccionados, porque os faccionados acabam querendo controlar a entrada de mantimentos, a venda do ouro e acaba gerando um conflito”, conta. Wesley revela que há também muitos relatos de enfrentamentos entre indígenas com garimpeiros, por conta da cooptação de indígenas para atuarem na mineração. E há também os conflitos ocasionados pela presença de facções criminosas. 

Junior Hekurari diz não ter maiores informações sobre os supostos assassinatos de garimpeiros por indígenas. “Não sabemos em qual comunidade foi. Não temos informações. Quando acontece [um ataque] as próprias comunidades falam com a gente, mandam informações. Essas informações de ataque dizendo que três garimpeiros foram assassinados, eu não sei realmente onde isso aconteceu. Se isso realmente acontece [indígenas matando garimpeiros] isso pode colocar as comunidades em risco, os garimpeiros podem ir nessa comunidade se vingar”, alerta.

Para Hekurari, o próprio fato de os garimpeiros anunciarem as mortes e acusar indígenas é a prova de que o território segue ocupado com a atividade ilegal de mineração de ouro. E essa ocupação, conforme Júnior, vem atrapalhando inclusive o atendimento médico dos indígenas.

O presidente da Urihi, inclusive, publicou na rede social Instagram, no último dia 11 de fevereiro, um vídeo que teria sido gravado naquele mesmo dia, mostrando o trânsito livre dos garimpeiros, de barco, na região do Palimiu, que foi alvo de ataque de garimpeiros em 2021.

Sem atendimento médico

Aldeia Palimiu (Foto: Comndisi-Y)

Hekurari denuncia que o número de garimpeiros dentro da TIY começou a aumentar novamente, principalmente na região do rio Uraricoera e na região do Palimiu. As comunidades, conforme o líder indígena, relatam que equipes de Saúde não podem fazer mais visita ao outro lado do rio Uraricoera e muitas comunidades estão sem atendimento médico e por causa disso até uma criança foi à óbito com malária. “As equipes [de saúde] têm medo de ir nessas áreas porque está passando um grande número de garimpeiros, e eles mostram armas e estão sempre encapuzados. É tenso”, conta Júnior.

Para o delegado Wesley, o problema só poderá ser resolvido com a maior presença do Estado naquela região. “A solução sempre tem, mas ela passa por uma decisão governamental de atuar mais fortemente naquela região e o que acaba esbarrando em questões antropológicas, questões de como abordar aquelas comunidades indígenas, talvez a melhor abordagem não fosse o isolamento, que tem sido recorrente nos últimos anos”, opina. Para o delegado, o isolamento acaba permitindo que os garimpeiros acabem se infiltrando naquela região.


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